quarta-feira, 23 de junho de 2021

Zeina Latif - Falta mão de obra qualificada

O Globo

Número de ocupados mais instruídos cresce, enquanto o dos menos escolarizados cai. Aceleração no uso de tecnologias modernas na pandemia, reforça esse quadro

A pandemia gerou um quadro heterogêneo no mercado de trabalho. A disparidade não se restringe a trabalhadores do setor privado versus o funcionalismo - este preservado na crise. Há também diferenças dentro do setor privado, de acordo com a carreira e o grau de preparo da mão de obra.

Pelo grau de escolaridade, nota-se que o número de ocupados com maior instrução (ensino superior completo e incompleto) cresceu 1,8% ante recuo de 12,4% entre os menos instruídos (ensino fundamental incompleto em diante); e houve sensível aumento do rendimento efetivo, de 10% ante 3,6% na média dos menos escolarizados – segundo a PNAD-IBGE.

A reativação mais sincronizada da economia, por conta do avanço da vacinação, tende a reduzir as disparidades, mas não a eliminá-las.

O motivo é a aceleração no uso de tecnologias modernas na pandemia, combinada a uma mão de obra despreparada para a nova realidade digital, além dos jovens fora da escola.

Por um lado, ocupações associadas a novas tecnologias estão valorizadas, em meio à falta de técnicos especializados.

Por outro, algumas ocupações tradicionais não sofisticadas - porta de entrada para muitos no mercado de trabalho - estão encolhendo devido à busca das empresas por ganhos de produtividade.

A pesquisa Salariômetro da Fipe, que contribui para captar a situação da mão de obra mais treinada (sindicalizada), aponta que as negociações coletivas em abril resultaram em reajuste salarial mediano de 6%: 6,9% nas convenções (englobam toda uma categoria de trabalhadores) e 5,6% nos acordos coletivos (atingem trabalhadores de uma empresa representados por sindicato), onde as condições das empresas ganham relevo na negociação.

Apesar de não compensar a inflação passada de 6,9% pelo INPC - em 59,7% das negociações isso não foi possível -, o resultado pode ser considerado favorável para os trabalhadores, principalmente considerando que a expectativa de inflação para os 12 meses seguintes estava abaixo de 4%.

Vale também citar a alta de 6,5% no custo da mão de obra na construção civil no início de junho, segundo a FGV.

Essas cifras sugerem que a ociosidade de mão de obra – um fator que limita correções salariais, pois reduz o poder de barganha dos trabalhadores – não é tão elevada como sugerido pelo desemprego recorde.

Não é certamente para ocupações de maior treinamento e qualificação.

Para aquelas de menor exigência técnica, a ociosidade pode ser menor do que se imagina, simplesmente porque muitos indivíduos não são aptos para os postos de trabalho.

Isso significa, na linguagem dos economistas, que o desemprego estrutural – aquele que é crônico e não oscila com a conjuntura - aumentou por conta das maiores exigências do mercado de trabalho e da piora da qualidade da mão de obra (capital humano). Muitos não conseguirão emprego.

Nesse contexto, será maior a pressão para reajustes salariais conforme a economia se recupera, o que aumenta o desafio do Banco Central para cumprir as metas de inflação (3,75% para 2021 e 3,5% para 2022).

O argumento de que o desemprego elevado prolongado ajudará a conter a inflação precisa ser ponderado.

O reduzido capital humano compõe o enredo de um país que tem baixo potencial de crescimento, e que, consequentemente, sofre com maior risco inflacionário.

As falhas nas políticas públicas de educação cobram seu preço, e as respostas do governo à crise da pandemia ignoram esse aspecto.

O Brasil precisa vencer os tabus que emperram o debate público acerca da educação técnica vocacional. Alguns alegam que significaria dar tratamento diferenciado para ricos e pobres, e também não se estaria formando cidadãos, mas apenas mão de obra.

No entanto, boa formação profissional e empregabilidade são os primeiros passos da cidadania, sendo que bons cursos técnicos vocacionais facilitam o acesso ao mercado de trabalho e a boas remunerações.

É importante oferecer aos estudantes a possibilidade de optar por diversas áreas de formação, reconhecendo suas diferentes trajetórias e interesses – ensina Simon Schwartzman.

Estamos atrasados na comparação mundial, pois 8% dos estudantes no ensino médio frequentam curso vocacional ante 32% na OCDE. Para curso técnico subsequente, as cifras são 11% e 42%, respectivamente.

Programas que estimulam o consumo das famílias são fáceis de implementar e têm apoio político. Difícil mesmo é formar cidadãos.

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