O Globo
Número de ocupados mais instruídos cresce,
enquanto o dos menos escolarizados cai. Aceleração no uso de tecnologias modernas
na pandemia, reforça esse quadro
A pandemia gerou um quadro heterogêneo no
mercado de trabalho. A disparidade não se restringe a trabalhadores do setor
privado versus o funcionalismo - este preservado na crise. Há também diferenças
dentro do setor privado, de acordo com a carreira e o grau de preparo da mão de
obra.
Pelo grau de escolaridade, nota-se que o
número de ocupados com maior instrução (ensino superior completo e incompleto)
cresceu 1,8% ante recuo de 12,4% entre os menos instruídos (ensino fundamental
incompleto em diante); e houve sensível aumento do rendimento efetivo, de 10%
ante 3,6% na média dos menos escolarizados – segundo a PNAD-IBGE.
A reativação mais sincronizada da economia,
por conta do avanço da vacinação, tende a reduzir as disparidades, mas não a
eliminá-las.
O motivo é a aceleração no uso de
tecnologias modernas na pandemia, combinada a uma mão de obra despreparada para
a nova realidade digital, além dos jovens fora da escola.
Por um lado, ocupações associadas a novas tecnologias estão valorizadas, em meio à falta de técnicos especializados.
Por outro, algumas ocupações tradicionais
não sofisticadas - porta de entrada para muitos no mercado de trabalho - estão
encolhendo devido à busca das empresas por ganhos de produtividade.
A pesquisa Salariômetro da Fipe, que
contribui para captar a situação da mão de obra mais treinada (sindicalizada),
aponta que as negociações coletivas em abril resultaram em reajuste salarial
mediano de 6%: 6,9% nas convenções (englobam toda uma categoria de
trabalhadores) e 5,6% nos acordos coletivos (atingem trabalhadores de uma
empresa representados por sindicato), onde as condições das empresas ganham relevo
na negociação.
Apesar de não compensar a inflação passada
de 6,9% pelo INPC - em 59,7% das negociações isso não foi possível -, o
resultado pode ser considerado favorável para os trabalhadores, principalmente
considerando que a expectativa de inflação para os 12 meses seguintes estava
abaixo de 4%.
Vale também citar a alta de 6,5% no custo
da mão de obra na construção civil no início de junho, segundo a FGV.
Essas cifras sugerem que a ociosidade de
mão de obra – um fator que limita correções salariais, pois reduz o poder de
barganha dos trabalhadores – não é tão elevada como sugerido pelo desemprego
recorde.
Não é certamente para ocupações de maior
treinamento e qualificação.
Para aquelas de menor exigência técnica, a
ociosidade pode ser menor do que se imagina, simplesmente porque muitos
indivíduos não são aptos para os postos de trabalho.
Isso significa, na linguagem dos
economistas, que o desemprego estrutural – aquele que é crônico e não oscila
com a conjuntura - aumentou por conta das maiores exigências do mercado de
trabalho e da piora da qualidade da mão de obra (capital humano). Muitos não
conseguirão emprego.
Nesse contexto, será maior a pressão para
reajustes salariais conforme a economia se recupera, o que aumenta o desafio do
Banco Central para cumprir as metas de inflação (3,75% para 2021 e 3,5% para
2022).
O argumento de que o desemprego elevado
prolongado ajudará a conter a inflação precisa ser ponderado.
O reduzido capital humano compõe o enredo
de um país que tem baixo potencial de crescimento, e que, consequentemente,
sofre com maior risco inflacionário.
As falhas nas políticas públicas de
educação cobram seu preço, e as respostas do governo à crise da pandemia
ignoram esse aspecto.
O Brasil precisa vencer os tabus que
emperram o debate público acerca da educação técnica vocacional. Alguns alegam
que significaria dar tratamento diferenciado para ricos e pobres, e também não
se estaria formando cidadãos, mas apenas mão de obra.
No entanto, boa formação profissional e
empregabilidade são os primeiros passos da cidadania, sendo que bons cursos
técnicos vocacionais facilitam o acesso ao mercado de trabalho e a boas
remunerações.
É importante oferecer aos estudantes a
possibilidade de optar por diversas áreas de formação, reconhecendo suas
diferentes trajetórias e interesses – ensina Simon Schwartzman.
Estamos atrasados na comparação mundial,
pois 8% dos estudantes no ensino médio frequentam curso vocacional ante 32% na
OCDE. Para curso técnico subsequente, as cifras são 11% e 42%, respectivamente.
Programas que estimulam o consumo das famílias são fáceis de implementar e têm apoio político. Difícil mesmo é formar cidadãos.
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