quarta-feira, 7 de julho de 2021

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?!

As informações que circulam nas redes sociais, via internet, não são confiáveis. É o espaço de trânsito das fake news e dos lobistas.  Mas, por ali circulam também angústias da população. Vez por outra, as preocupações correntes assustam. É incalculável o número de pedidos de impedimento contra governantes dos três poderes.  O tema impeachment aos poucos se vulgariza.

No campo da política, ele é recorrente. Nesses dois anos como Presidente, Bolsonaro teve protocolados contra si 115 pedidos de impeachment. Dilma teve 68; Lula, 37; Temer, 31; Collor, 29; Fernando Henrique, 24. Contra Sarney, ele saiu de uma CPI, igual essa do Bolsonaro.

O useiro e vezeiro da estratégia é o Partido dos Trabalhadores.   Dos pedidos de impedimento apresentados contra o atual Presidente, 68 foram assinados pelo PT. Tais pedidos surgem de retóricas populistas vazias, sem materialidade explícita, e ficam vagando pelo Congresso, ou nas gavetas dos presidentes da Câmara ou do Senado que deles se aproveitam para realizar manobras e barganhas. Mas, o fato de existirem   gera um desconforto e até a descontinuidade na gestão do Estado.  Tumultuam a governabilidade, sem qualquer consequência para os autores.

- Quousque tandem, Catilina abutere patientia nostra?!...

                    (Até quando, Catilina abusarás da nossa paciência?!)

Mas, o que surpreende mesmo é o aumento da frequência das indagações nas redes sociais sobre como estender o impeachment para ministros do Supremo Tribunal Federal, o guardião da nossa ordem jurídica.  Os cidadãos parecem não confiar na independência dos votos dos ministros, que estariam indo muito além das disposições constitucionais e sobretudo do entendimento do senso comum. Com raríssimas exceções, cada um fala de si mesmo (poematiza) ou parece falar em nome de alguém.

   A cada sessão, um tropeça na história, na Constituição e nos aspectos estruturais que dão configuração à cultura brasileira, caminhando aparentemente em direção ao imponderável. O que é isso senão uma aventura retórica desqualificadora da lei ou dos costumes, da desestabilização do sistema, do modelo de Governo, dos governantes em exercício? Os votos carregam aspectos tão intangíveis que parecem espelhar alguma conspiração. O pior é que nenhum daqueles ministros passou sequer por um escrutínio popular. São porta-vozes deles mesmos (narcisistas) dentro do cenário jurídico. Pouco legam aos sucessores ou à instituição.  Os que se aposentam isentam-se totalmente da responsabilidade de sua participação no colegiado.

 Em 2020, deixou o Supremo o ministro Celso de Mello, nomeado pelo então presidente José Sarney: 30 anos no STF. Seus votos e decisões eram uma viagem ao Parnaso, local simbólico onde vivem os poetas. O estilo retórico, pouco identificado com a vida pindorâmica atrai ainda admiradores, sem qualquer preocupação com o “abutere” da paciência pública.     Melo transitou no Supremo como um scholar das velhas academias. Parecia divertir-se com aquilo, tal as expressões faciais, os tons de voz e a gesticulação teatral,  mesmo diante de plateias visivelmente incomodadas. Que virtudes delegou ao sucessor, Kássio Nunes, para fortalecer o sistema jurídico nacional, o Estado de Direito?

Um único Partido tem a seu favor, presumivelmente, no STF pelo menos, sete ministros, indicados por ele. Ricardo Lewandowski, indicado pelo PT, é o próximo a sair, mas em maio de 2023. No mesmo ano, Rosa Weber, com a mesma origem, deixa o Supremo, em outubro de 2023. Mas cinco dos atuais ministros vão ficar por ali até depois de 2030, e dois só saem depois de 2040. Durma com uma conversa dessas!  

Agora em julho, é a vez da aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, indicado por Collor, em 1990. Qual é o seu legado? Preocupado com a hegemonia da lei, fracassou em afastar Renan Calheiros – este mesmo que está aí na relatoria da CPI da Covid - da presidência do Senado.  Libertou André do Rap, um dos chefes do tráfico de drogas no País; soltou o goleiro Bruno, ex-Flamengo, acusado de assassinato da mulher grávida; Suzane Richthofen, denunciada pela morte dos próprios pais; o banqueiro Salvatore Cacciola, que fraudou o sistema financeiro do País, e fugiu para a Itália. Acendeu o pavio que deu início à liberação de todos os condenados pela Lava Jato, colocando em dúvida a “condenação em Segunda Instância”, confrontando seus méritos com o “trânsito em julgado”, artifício processual, que torna a maioria dos grandes delinquentes inocentes por esgotamento dos prazos na tramitação dos processos.

Com base no Código Penal, entendia que a prisão preventiva precisava ser renovada depois de 90 dias, senão tornava-se ilegal. Nunca se interessou, de fato, em saber quem seria responsável pela conivência com este tipo elementar de omissão. Tudo parece não ter qualquer aderência aos usos, costumes e às preocupações da vida cotidiana do brasileiro. Cobrado, responde, sem culpa,   que nada fez a mais, a não ser cumprir a lei. De “cabo a rabo”, um problema sério para o País é a ausência de virtudes cívicas e identidade dos governantes com o pensamento dos cidadãos.

Quem vem lá, agora para substituir Marco Aurélio? Um evangélico, um puxa saco, um reacionário, um oportunista? Sem homens virtuosos não se pode visualizar futuro para as gerações que se sucedem. A Nação continuará indefinidamente a se queimar em fogo lento.

*Jornalista e professor

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