quarta-feira, 7 de julho de 2021

Tiago Cavalcanti* - Sobre o paradoxo do lucro

Valor Econômico

Agências reguladoras podem evitar fusões que aumentem ainda mais o poder de mercado de empresas dominantes

Jan Eeckhout, professor de economia da Universidade de Pompeu Fabra, em Barcelona, publicou recentemente o livro O Paradoxo do Lucro: como as empresas florescentes ameaçam o futuro do trabalho. Aí se encontra o resumo da sua pesquisa acadêmica sobre a evolução dos mercados nos Estados Unidos e na Europa nas últimas décadas.

O livro, que é muito bem escrito, demonstra como os mercados ficaram mais concentrados na maioria dos países avançados. Aponta também as consequências do maior poder de mercado de algumas empresas dominantes para a economia desses países.

Uma das primeiras lições que aprendemos em economia é que, respeitadas certas condições, mercados competitivos implicam preços mais baixos e maior produção com ganhos de bem-estar para os indivíduos. Assim, do ponto de vista do regulador, é importante estimular e preservar a competição entre as empresas. Os empresários, por outro lado, preferem ser monopolistas na venda de seus produtos e dessa forma determinarem preços com o objetivo de maximizar lucros.

Em um mercado competitivo, as empresas cobram preços que refletem o custo de produção dos seus produtos, inclusive os que compensam a tomada de risco e o custo do capital aplicado. As empresas têm poder de mercado quando conseguem cobrar preços acima desses custos.

Os economistas definem a razão entre o preço de um bem de uma empresa e seu custo de produção como o markup. Assim, markup igual a 1 implica baixo poder de mercado da empresa, já que o preço reflete os custos de produção da mesma. Markup de 1,3 implica que a empresa tem um lucro de 30% em cada produto vendido e portanto maior poder de mercado.

O gráfico 1 mostra a evolução do markup médio da economia americana, calculado pelo Jan Eeckhout, usando dados das empresas de capital aberto. Nota-se que até meados da década de 80, o markup médio da economia americana era de 1,3 e hoje esse mesmo markup é quase duas vezes maior. Fenômeno semelhante é observado na maioria dos países avançados, com markups crescentes em vários setores de atividade.

Simultaneamente ao avanço dos markups nos EUA se observa a estagnação do salário real médio. O gráfico 2 mostra a evolução da produtividade do trabalho e do salário médio dos trabalhadores que não são executivos. Até a década de 80, havia uma forte ligação entre ganhos de produtividade e aumentos reais do salário médio. A partir desse período, a produtividade da economia americana continuou crescendo, porém o salário médio dos trabalhadores permaneceu estagnado. Essa é também uma fase de aumentos de desigualdade.

O paradoxo do lucro é justamente o fato de maiores lucros (markups) não se traduzirem em melhorias no salário médio da maioria dos trabalhadores. Markups crescentes se traduziram em maiores remunerações para executivos e para os proprietários das empresas. Mas a importância da massa salarial na produção vem caindo ao longo dos anos.

E o que explica esse paradoxo do lucro? Os meios digitais e o forte avanço tecnológico das comunicações geraram benefícios difíceis de serem mensurados para a maioria da população. No entanto, essas mesmas tecnologias mudaram também os processos produtivos, permitindo, por exemplo, a gestão e a logística de vários departamentos de uma empresa por uma equipe pequena de gestores. Isso elevou a produtividade das empresas e desses executivos, mas não gerou ganhos reais para os demais trabalhadores.

Tais mudanças tecnológicas aumentaram a escala de produção de determinadas atividades, permitindo a consolidação de vários segmentos econômicos com poucas empresas, que dominam o mercado, muitas vezes global, de alguns produtos e serviços. Empresas como a Amazon, Uber, e AB InBev exemplificam bem o fenômeno descrito pelo Jan Eeckhout.

Thomas Phillipon, economista da Universidade de Nova Iorque, em seu livro A Grande Reversão: como a América desistiu dos mercados livres, argumenta que não foram apenas as mudanças tecnológicas a gerar o maior poder de mercado de algumas empresas. Phillipon sugere que a leniência de reguladores permitiu fusões e aquisições que levaram a concentração de importantes mercados e a falta de regulação permitiu markups cada vez maiores.

As duas análises não são antagônicas. O avanço tecnológico pode ter permitido o ganho de mercado de algumas empresas, que então têm mais poder e incentivos para capturar reguladores. Gastos com lobbying e com campanhas políticas cresceram substancialmente nos EUA durante as últimas décadas.

O livro do Jan Eeckhout sugere portanto um papel importante das agências reguladoras para incentivar a competição, monitorando e ajustando a atuação de algumas empresas e evitando fusões e aquisições que possam aumentar ainda mais o poder de mercado de empresas dominantes.

A lição principal, segundo o Jan Eeckhout, é algo óbvio: mais competição aumentaria a produção e a demanda por trabalhadores com consequências positivas sobre a massa de salário e o bem-estar dos trabalhadores. Contudo, dada as tecnologias existentes, não é claro que o papel das agências reguladoras apenas possa melhorar a distribuição dos ganhos de produtividade das empresas.

Me parece que o maior desafio é achar as condições políticas para esse tipo de atuação das agência reguladoras. Ainda mais em uma economia como a brasileira com congressistas apresentando demandas pessoais crescentes ilimitadas e um governo enfraquecido. Tema de central importância econômica e social, o qual discutirei em artigos futuros.

*Tiago Cavalcanti é professor de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP

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