sexta-feira, 16 de julho de 2021

Bernardo Mello Franco - O presidente que não serve

O Globo

Jair Bolsonaro lançou uma desculpa esfarrapada para tentar fugir da polícia. Com medo de ter sido gravado, o capitão desistiu de negar a conversa com o deputado Luis Miranda. Mas informou que não pode ser investigado por prevaricação no escândalo das vacinas.

“O que eu entendo é que prevaricação se aplica a servidor público, não se aplicaria a mim”, disse, na segunda-feira. Espera-se que o autor da tese não seja André Mendonça, o ministro “terrivelmente evangélico” que ele acaba de indicar ao Supremo.

O Código Penal considera funcionário público “quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. Isso inclui o presidente, que deveria se considerar o servidor número um do país.

No início do mandato, Bolsonaro chegou a encenar esse papel. Desfilou de crachá funcional e almoçou no bandejão do Planalto. A marquetagem deixou de interessar quando a PF bateu à porta.

Em depoimento à CPI, Luis Miranda disse ter avisado o presidente de que havia maracutaia na negociação da Covaxin. De acordo com o relato, Bolsonaro culpou seu líder na Câmara, mas não tomou as providências devidas. Na segunda-feira, ele arranhou outra versão para o episódio: “Os papéis que ele deixou lá eu passei pra frente isso daí”.

A frase de que presidente não é servidor expõe mais que uma estratégia de defesa mambembe. Também ajuda a entender a mentalidade de Bolsonaro. O capitão considera que o Estado existe para servi-lo, não o contrário. Sempre pensou assim, desde os tempos de baixo clero.

Antes da descoberta da rachadinha, o então deputado declarou que usava o auxílio-moradia para “comer gente”. Ele tinha apartamento próprio em Brasília, mas não se envergonhava de embolsar um adicional de R$ 6 mil.

Na Presidência, Bolsonaro continuou a confundir o público com o privado. Já interferiu na PF, na Receita e no Coaf para blindar o filho mais velho. Depois tentou emplacar o caçula como embaixador em Washington.

No sétimo mês de governo, ele forneceu uma nova definição para o velho vício do patrimonialismo: “Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Se puder dar filé-mignon pro meu filho, eu dou”.

 

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