segunda-feira, 5 de julho de 2021

Gustavo Loyola* - Rédea curta com a inflação

Valor Econômico

BC alertou para os riscos inflacionários associados aos reajustes nas tarifas de energia elétrica

Muito embora a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central no dia 28 último tenha mostrado alta das expectativas de inflação para 2021 pela décima segunda semana consecutiva, a mediana das projeções para 2022 se manteve estável em 3,78%, percentual ligeiramente acima da meta de inflação (3,5%) fixada para o ano que vem. Tais resultados indicam que o Banco Central está sendo até aqui bem-sucedido em manter sob controle as expectativas dos agentes econômicos, com as recentes altas da taxa Selic e a trajetória de juros projetada a partir da comunicação da autoridade monetária, por meio principalmente dos comunicados e atas do Copom.

De fato, a partir da última reunião do Copom, o Banco Central julgou necessário ajustar sua comunicação para deixar explícito que buscará elevar a taxa Selic para “patamar considerado neutro”, deixando de lado as referências anteriores à “normalização parcial” de sua política de juros. Além disso, o Banco Central, em um movimento que surpreendeu a maioria dos analistas, abriu espaço para acelerar o ritmo de alta da Selic de 75 bps para 100 bps na próxima reunião do Copom, embora tenha mantido os 75bps como ajuste mais provável.

A opção por um discurso mais “hawkish” mostra que o BC não quer correr o risco de que a piora do cenário inflacionário de curto prazo contamine as expectativas para 2022, principalmente se prevalecesse a interpretação - implícita para alguns no uso da expressão “normalização parcial” - de que o BC pudesse ser mais tolerante a uma inflação acima da meta.

O deslocamento do pêndulo da política monetária para uma instância mais neutra encontra também justificativa nas incertezas que permeiam o cenário político e econômico nos próximos meses, assim como na própria resiliência demonstrada pela atividade nos primeiros meses do ano, mesmo diante de um cenário pandêmico ainda adverso, que tem levado os analistas e o próprio BC a reajustarem para cima as projeções de crescimento nos próximos trimestres.

Há fatores de risco tanto no cenário externo quanto no doméstico. No exterior, aumentaram os riscos de antecipação da normalização da política monetária nos EUA, principalmente em razão da abundância de estímulos fiscais providos pela administração Biden. Declarações recentes de dirigentes do Fed sugerem a possibilidade dessa antecipação, muito embora ainda prevaleça como cenário mais provável o aumento dos juros norte-americanos apenas em 2023. De todo modo, a materialização do cenário de reversão na política do Fed afetaria negativamente o real, com prováveis repercussões sobre a inflação brasileira.

No campo doméstico, o risco maior continua sendo a situação frágil das contas públicas, em que pese a melhora relativa dos indicadores fiscais no curto prazo. Esse risco está associado, por exemplo, à possibilidade de o governo optar por políticas fiscalmente populistas com vistas a reforçar a posição eleitoral do presidente Bolsonaro, no momento em que as pesquisas lhe mostram adversas. Há também a possibilidade de que o enfraquecimento da popularidade presidencial aumente o poder de barganha do Congresso para extrair concessões do Executivo que poderiam comprometer o quadro fiscal. Na hipótese de aumento da percepção do risco fiscal, o impacto sobre o câmbio será inevitável, em razão da elevação do prêmio de risco soberano, levando à desvalorização do real.

Além disso, o Banco Central chamou atenção para os riscos inflacionários associados ao baixo nível dos reservatórios que tem obrigado a reajustes nas tarifas de energia, tendo em vista o acionamento das termelétricas.

Por outro lado, esse mesmo cenário de incertezas poderia recomendar que o Banco Central não se apresse no objetivo de levar a taxa Selic para o patamar neutro. A situação da pandemia ainda é grave e o surgimento de novas variantes do coronavírus pode afetar a trajetória da doença nos próximos meses, notadamente se a cobertura vacinal se mantiver insuficiente. Ademais, o mercado de trabalho continua mostrando fraqueza, com elevado número de subocupados (7,2 milhões de pessoas) e de população desalentada (6,0 milhões), segundo dados recentes do IBGE. No cenário externo, como salientou o próprio BC, não se pode descartar a possibilidade de queda no preço das commodities e de apreciação do real.

Desse modo, parece-me acertada a posição do Banco Central de manter como cenário mais provável a continuidade da elevação dos juros num ritmo de 75bps. Contudo, como se costuma dizer, o que importa na política monetária são os dados e não as datas. Caso as expectativas para 2022 se deteriorem ou haja um agravamento da inflação corrente, o Banco Central já sinalizou que manterá a inflação em rédea curta, acelerando o ritmo de ajuste da taxa de juros.

*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo

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