segunda-feira, 5 de julho de 2021

Bruno Carazza* - Cartas na mesa

Valor Econômico

Blefes e apostas no baralho eleitoral de 2022

Desde que o Congresso aprovou a emenda da reeleição, em 1997, é praticamente impossível derrotar o presidente quando ele busca um novo mandato. Com milhares de cargos e bilhões em emendas orçamentárias a distribuir, além da exposição midiática que o comando do país oferece, os presidentes sempre deram as cartas e saíram-se vencedores em todas as partidas jogadas até agora: FHC em 1998, Lula em 2006 e Dilma em 2014.

Desde o início do atual governo, vários competidores têm se aproximado da mesa e observado os movimentos. Fazem as apostas mínimas, recebem as primeiras cartas, estudam as combinações possíveis, observam as feições dos adversários. Alguns aumentam as fichas, outros se recolhem e desistem de continuar. Como no pôquer, o vencedor só será definido ao fim de várias rodadas.

Com a chegada da pandemia, Bolsonaro parece ter sido afetado por uma maré de azar. Com reveses na saúde e na economia, o presidente resolveu blefar, recorrendo ao discurso da cloroquina e de críticas ao distanciamento social e ao uso de máscaras. Sentindo que estava diante de uma mão boa, o governador de São Paulo João Doria apostou todas as suas fichas na Coronavac, mas o retorno não foi o esperado.

Nenhum dos competidores contava, porém, que o Supremo Tribunal Federal (STF) exerceria seu poder de crupiê em março deste ano. Ao rever importantes decisões nos processos da Operação Lava-Jato, o STF reabilitou o ex-presidente Lula a sentar-se à mesa das eleições 2022 e reembaralhou as cartas.

Com o retorno de Lula, ficou claro que este jogo se dará entre profissionais. A decisão do STF aparentemente levou o ex-juiz federal Sergio Moro a recolher suas fichas. Sem apoio no próprio partido que criou, João Amoêdo caiu na real de que seu cacife era muito pequeno e pediu mesa. Para completar, sentindo que teria muito a perder caso aumentasse as apostas na política, o apresentador Luciano Huck preferiu não trocar o certo pelo duvidoso e também encerrou a brincadeira.

Num cenário de intensa polarização, a maioria acredita que Bolsonaro e Lula dividirão o pote nas próximas rodadas. Ambos têm em suas mãos boas cartas - uma base fiel de seguidores, o controle da máquina pública, no caso de Bolsonaro, e a memória dos bons anos de seu governo, em se tratando de Lula.

Aguardando os próximos movimentos, Ciro Gomes, João Doria e Luiz Henrique Mandetta estão dispostos a pagar pra ver. Sabendo que Lula e Bolsonaro também têm cartas ruins - a corrupção e a gestão da pandemia, para ficar apenas em duas delas -, torcem por lances de sorte até a rodada final, com o lançamento oficial das campanhas.

A última rodada do baralho eleitoral se deu na sexta-feira, quando o governador gaúcho, Eduardo Leite, resolveu colocar todas as cartas na mesa e abrir o jogo não apenas em relação à sua homossexualidade, mas deixando clara sua intenção de disputar as eleições presidenciais de 2022.

Eduardo Leite tem muito pouco a perder ao aumentar seus lances a partir de agora. Por ser muito jovem e ter anunciado desde o início do seu atual mandato que não pretende se reeleger governador, ele projeta seu nome nacionalmente, sem colocar em risco sua carreira política. Por outro lado, num cenário polarizado e com alta rejeição aos dois líderes das pesquisas, acredita ter cacife suficiente para furar as bolhas e angariar apoios tanto na centro-direita quanto entre os eleitores da centro-esquerda.

Com uma CPI a todo o vapor no Congresso e a população voltando com força às ruas, ainda teremos muitos movimentos até o início oficial da campanha. Uma coisa, porém, parece certa: as opções estão se afunilando e é improvável que no ano que vem teremos uma pulverização de candidaturas, como observamos na eleição passada. Além de Lula e Bolsonaro, Ciro e no máximo dois nomes (entre Doria, Mandetta e, agora, Eduardo Leite) parecem se colocar como competidores relevantes. Façam suas apostas.

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Algumas dicas relevantes sobre o cenário eleitoral de 2022 puderam ser extraídas nos principais programas de entrevistas da TV aberta nacional nas últimas semanas.

De um lado, o “Conversa com Bial” foi o palco escolhido por Luciano Huck para anunciar sua desistência de concorrer (em 16 de junho) e também por Eduardo Leite para lançar nacionalmente seu nome como opção para as próximas eleições.

Já no “Roda Viva” da última segunda-feira o economista André Lara Resende obteve grande repercussão ao defender sua visão pouco ortodoxa para a condução das políticas monetária e fiscal no Brasil.

O debate parece refletir o novo espírito do nosso tempo. Além dos imensos desafios da pandemia, que exigiram uma forte ação expansionista de governos de todo o mundo, defensores de uma mão forte do Estado alavancando a economia usam como exemplo tanto o inebriante crescimento chinês quanto as novas propostas do governo Biden, nos Estados Unidos.

Ao criticar abertamente o receituário de austeridade na administração das contas públicas e o conservadorismo do Banco Central na resposta às pressões inflacionárias, Lara Resende apresenta, com um verniz acadêmico, uma tentadora justificativa para um maior protagonismo do Estado na promoção do desenvolvimento econômico.

Ao longo de toda a entrevista ao “Roda Viva”, André Lara Resende sempre apresentou a ressalva de que essa ação estatal deve vir acompanhada de responsabilidade e de instrumentos de governança para garantir que as melhores opções de investimento público sejam tomadas.

A grande questão é que, desde os tempos áureos do desenvolvimentismo, com Vargas e JK, passando pelos governos militares e a nova matriz econômica de Guido Mantega, não houve regra constitucional, Lei de Responsabilidade Fiscal ou teto de gastos que impedisse governantes quando quiseram tomar decisões erradas que resultaram em inflação, endividamento ou baixo crescimento.

A teoria proposta por André Lara Resende soa como música para os ouvidos dos políticos em ano pré-eleitoral. Em 2022, os eleitores brasileiros serão bombardeados pela irresistível tentação de gastar.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.

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