sexta-feira, 16 de julho de 2021

Hélio Schwartsman - Continuo na torcida

Folha de S. Paulo

No consequencialismo, nenhuma vida vale mais do que outra

Leitores me perguntam se torço pela pronta recuperação de Bolsonaro. Bem, como em breve o dr. Mendonça deverá ter assento no STF, vou medir minhas palavras. Digamos que, se Deus, em sua imensa sabedoria, quiser levar o presidente para junto de Si, eu não ficarei nem um pouco chateado.

Meu desapego para com a saúde presidencial tem amparo no consequencialismo, a corrente filosófica segundo a qual comportamentos e ações devem ser valorados pelos resultados que produzem, não por estarem em acordo ou desacordo com noções absolutas de bem e mal (deontologia).

Sob essa chave interpretativa, se eu considero que as atitudes de Bolsonaro na Presidência geram resultados positivos ou neutros, não devo desejar sua morte, por mais que desgoste de suas posições. Mas, se julgo que suas ações provocam consequências negativas, tenho motivos para querer que ele parta, mesmo que simpatize com sua filosofia.

Se acredito que as ações do presidente na pandemia causaram e ainda causarão mortes desnecessárias, desejar que ele seja neutralizado incontinenti torna-se obrigação. No consequencialismo, todas as vidas têm valor (inclusive as daqueles que desprezamos), mas nenhuma tem mais valor que as de outros.
Obviamente, o consequencialismo tem vários problemas, práticos e teóricos, que já apontei em outras colunas, mas é o que de mais perto temos de uma ética universalizável.

Embora muito vilipendiadas, razões consequencialistas estão na base até da moral deontológica. A menos que acreditemos em Papai do Céu, a moralidade humana é um produto da evolução, que opera conservando o que causa resultados positivos e eliminando o que gera negativos.

Quando você, leitor, diz que Bolsonaro deve viver para pagar por seus crimes, está manifestando uma preferência por punições que só se fixou em nossa espécie porque ajudou as sociedades humanas e seus membros a prosperar.

 

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