Folha de S. Paulo
No consequencialismo, nenhuma vida vale
mais do que outra
Leitores me perguntam se torço pela pronta
recuperação de Bolsonaro. Bem, como em breve o dr. Mendonça deverá ter assento
no STF, vou medir minhas palavras. Digamos que, se Deus, em sua imensa
sabedoria, quiser levar o presidente para junto de Si, eu não ficarei nem um
pouco chateado.
Meu desapego para com a saúde presidencial
tem amparo no consequencialismo, a corrente filosófica segundo a qual
comportamentos e ações devem ser valorados pelos resultados que produzem, não
por estarem em acordo ou desacordo com noções absolutas de bem e mal
(deontologia).
Sob essa chave interpretativa, se eu considero que as atitudes de Bolsonaro na Presidência geram resultados positivos ou neutros, não devo desejar sua morte, por mais que desgoste de suas posições. Mas, se julgo que suas ações provocam consequências negativas, tenho motivos para querer que ele parta, mesmo que simpatize com sua filosofia.
Se acredito que as ações do presidente na
pandemia causaram e ainda causarão mortes desnecessárias, desejar que ele seja
neutralizado incontinenti torna-se obrigação. No consequencialismo, todas as
vidas têm valor (inclusive as daqueles que desprezamos), mas nenhuma tem mais
valor que as de outros.
Obviamente, o consequencialismo tem vários problemas, práticos e teóricos, que
já apontei em outras colunas, mas é o que de mais perto temos de uma ética
universalizável.
Embora muito vilipendiadas, razões
consequencialistas estão na base até da moral deontológica. A menos que
acreditemos em Papai do Céu, a moralidade humana é um produto da evolução, que
opera conservando o que causa resultados positivos e eliminando o que gera
negativos.
Quando você, leitor, diz que Bolsonaro deve
viver para pagar por seus crimes, está manifestando uma preferência por
punições que só se fixou em nossa espécie porque ajudou as sociedades humanas e
seus membros a prosperar.
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