quinta-feira, 29 de julho de 2021

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro como apêndice do PP

Valor Econômico

Progressistas só quer do presidente o que não tem: voto

A posse do senador do PP do Piauí, Ciro Nogueira, na Casa Civil marca um ponto de não retorno para o partido. Já não se aposta mais que o Progressistas abandone o barco do presidente Jair Bolsonaro. O que não significa que tenham, como destino, o mesmo porto.

O plano A do PP passou a ser a reeleição do presidente, a ser vendido como um “centrista” capaz de abocanhar a terceira via. Sob duas condições. Que o vice, ao contrário do atual, não sirva de seguro contra o impeachment e que Bolsonaro não vá para o PP, onde engoliria o fundo eleitoral.

A verba é fundamental para a meta onipresente do Progressistas em todos os planos do alfabeto: eleger uma bancada capaz não apenas de liderar a reeleição de Arthur Lira (AL) à presidência da Câmara como de tornar o partido incontornável. Para que o eleito em 2022, seja quem for, coma na sua mão.

Some-se ao fundo eleitoral o inchaço das emendas parlamentares operado por Lira e está montado o apoio transpartidário à sua recondução à Mesa da Câmara.

Para levar a cabo suas ambições, o PP elegeu três alvos. O primeiro deles são os militares, que o partido expôs à execração política na armadilha que resultou na carta desastrada do ministro da Defesa atestando a legitimidade do voto impresso. O movimento ainda se vale das auditorias do Tribunal de Contas da União, pródigo em encontrar uma infinidade de benesses e malfeitos da corporação armada, e da CPI, empenhada em pegar a tropa do general Eduardo Pazuello na Saúde.

Ao espalhar armadilhas para os militares, os parlamentares também buscam cumplicidade com o Supremo. Alvo permanente da zanga fardada, a Corte tem reagido ao avanço das emendas parlamentares sobre o Orçamento público.

Como Bolsonaro liberou as amarras de posse e porte de armas, cortejou baixas patentes militares e mantém em estado de alerta gangues digitais e físicas de provocadores, não dá para descartar eventos que proporcionem ao presidente álibi para o acionamento do artigo 142 da Constituição, que prevê a atuação das Forças Armadas na ordem interna do país. Espera-se, porém, que a quantidade de trapalhadas dos ministros generais ao longo deste governo indisponha o Alto Comando das Forças a aventuras do gênero.

O segundo alvo do PP é o ministro da Economia. O partido já comandou a desmoralização da pauta privatista de Paulo Guedes com a MP da Eletrobras e faz o mesmo com a reforma tributária, que angariou oposição até mesmo das entidades empresariais mais subservientes. Agora avança para o fatiamento daquele que um dia foi conhecido como superministério da Economia, com o desmembramento da Pasta do Trabalho e a almejada recriação do Ministério do Planejamento.

O PP cobiça ainda o Coaf, hoje sob a alçada do Banco Central. Tem como parceiro na investida o filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), alvo frequente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras.

O terceiro alvo do PP é o PSD de Gilberto Kassab. O partido tem representado, até aqui, a maior capacidade de arregimentação de uma terceira via, alternativa que o PP pretende liquidar com a formatação de uma recandidatura presidencial sob novos moldes. E não apenas. O PSD também foi o partido que, sob a dupla Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), mais cresceu no Senado, encostando na maior legenda da Casa, o MDB.

O PSD tem o comando da CPI da Covid, que ameaça Flávio Bolsonaro, e Pacheco tem a pauta do Senado para resistir contra a investida do PP. Segurou a LDO para ver que rumo toma a discussão do fundo eleitoral e a proeminência de Ciro Nogueira sobre os senadores. Está ainda sentado sobre a indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, ao STF. A mensagem com seu nome foi enviada pelo presidente uma semana antes do recesso mas não foi lida por Pacheco, travando a tramitação.

O PP cativa o MDB com a perspectiva de retomada da mesa diretora e avança para desidratar o PSD, dando por descartada a candidatura de Pacheco e a adesão do partido à postulação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A hipótese de aliança do PSD com o PT no primeiro turno, propagandeada para levar de volta ao bolsonarismo os desertores, é negada com veemência pelos correligionários de Kassab. A filiação de Pacheco ao PSD será adiada para março, prazo limite da legislação eleitoral, para que ele exerça a presidência do Senado sem o carimbo de candidato.

Mas o PP alveja a terceira via não apenas na ofensiva contra o PSD mas pela própria liderança de Ciro Nogueira na frente bolsonarista. Em 2018 o senador do PP do Piauí levou ao limite a articulação para viabilizar a candidatura Ciro Gomes.

A repaginada para atrair de volta a diáspora bolsonarista foi simbolizada com a cerimônia de lançamento do sistema de integridade do governo. Escolhida a dedo para marcar a estreia do novo ministro, réu no Supremo em cinco processos, a cerimônia foi protagonizada por ministros que permaneceram de máscara o tempo todo.

É bem verdade que a campanha bolsonarista esbarra nos interesses regionais de Ciro Nogueira e Arthur Lira. Ambos vêm de Estados em que Lula nada de braçada. Mas para Ciro, que ainda tem quatro anos no Senado, a aliança com Bolsonaro, na verdade, o livra de uma candidatura ao governo estadual fadada ao fracasso porque o governador do Piauí, Wellington Dias, é do PT e montará palanque competitivo para Lula. Já Lira é candidato à reeleição, mas numa postulação proporcional. Está despejando tanto dinheiro em Alagoas que vai ofuscar seu noivo de 2022.

Colados ao governo, ambos explorarão a dependência de seus Estados da União. Nas contas do professor da Universidade Federal do Piauí, Ricardo Alaggio, 50% de sua riqueza está atrelada a transferências federais. A liderança do PP na transformação do investimento público num grande emendão parlamentar serve precisamente a este propósito.

Com as emendas parlamentares, o fundo eleitoral e o comando do Executivo, o PP avança para transformar Bolsonaro num apêndice de seu governo. Limitado a obter aquilo que o partido não tem: voto. É o ensaio do semipresidencialismo que Lira passou a defender.

 

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