sábado, 10 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Destempero verbal de Bolsonaro quer desviar foco da CPI

O Globo

Têm se tornado mais frequentes as agressões verbais do presidente Jair Bolsonaro a autoridades ou representantes eleitos que desafiem seus objetivos políticos. No último episódio, disparou ofensas contra o presidente do Tribunal Superior Eleitorial (TSE), Luís Roberto Barroso, que tem defendido com consistência e competência a segurança das urnas eletrônicas dos ataques estapafúrdios que emanam das hostes bolsonaristas. No devaneio em favor do voto impresso, que prenuncia a contestação de qualquer resultado que lhe possa ser desfavorável nas urnas, Bolsonaro chegou a insinuar, como se tivesse poder para isso, que poderá não haver eleição se não for do jeito como ele quer — mais uma entre tantas barbaridades que tem proferido.

Além de Barroso, chamado de “imbecil”, já foram vítimas do destempero verbal de Bolsonaro outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber ou Cármen Lúcia. A saraivada de agressões, ataques vis a pessoas honradas na tentativa de desacreditar a própria instituição do Supremo, levou o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, a emitir nota em que “rejeita posicionamentos que extrapolam a crítica construtiva e questionam indevidamente a idoneidade das juízas e dos juízes da Corte”.

Outro alvo frequente de Bolsonaro tem sido a CPI da Covid. Ele se recusou em termos chulos a responder às questões legítimas dos senadores sobre as denúncias de falcatruas no Ministério da Saúde, que lhe foram encaminhadas por meio de ofício. Em vez disso, preferiu disparar petardos contra os senadores, em particular o presidente da CPI, Omar Aziz, e o relator, Renan Calheiros. Para não falar nas recorrentes diatribes em que atribui a governadores e prefeitos a responsabilidade pela tragédia que já matou mais de 530 mil.

Não é preciso muita sofisticação para entender o objetivo implícito em cada um desses ataques. Como demonstram as últimas pesquisas de opinião, a popularidade de Bolsonaro está no nível mais baixo desde que ele assumiu o governo. Mais da metade dos brasileiros desaprova sua administração, segundo o Datafolha. Nas simulações de cenários eleitorais para o ano que vem, Bolsonaro tem perdido até para candidatos que antes parecia vencer com certa folga. Esse declínio resulta, em boa medida, da tragédia que se abateu sobre o país com a gestão desastrosa que seu governo fez e faz da pandemia.

Bolsonaro tenta, com sua verborragia, apenas desviar o foco da realidade. Quer criar crises nacionais que prejudiquem o trabalho da CPI e tirem a atenção da apuração necessária das responsabilidades pelo morticínio e pela corrupção. É preciso que as instituições, os atores políticos e a sociedade civil não caiam nessa armadilha. Foi o que fizeram Barroso e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Um e outro, a seu modo, defenderam as balizas da República e da democracia com a serenidade exigida. Pacheco chegou a repetir, por duas vezes, que defendia o óbvio. Quando o objetivo da fala de Bolsonaro é apenas desviar a atenção, é essencial conferir às agressões o valor que elas têm: no limite, deixar que suas palavras ecoem no vazio.

É possível especular sobre as intenções futuras de Bolsonaro com as tentativas de desacreditar as instituições. No presente, um fato já ficou claro: ele conseguiu desmoralizar a máxima segundo a qual as palavras do presidente têm peso. Diante da repercussão pífia de suas agressões, vê-se que o objetivo de desviar a atenção não tem sido alcançado. A única coisa que Bolsonaro consegue com seu destempero é desacreditar e desvalorizar a palavra do próprio presidente da República.

Batalha inglória

Folha de S. Paulo

Defesa reage de forma desproporcional a senador, evidenciando aparelhamento

Quando candidato, o então deputado Jair Bolsonaro era um vocal crítico do aparelhamento de órgãos do Estado por militantes esquerdistas nos anos do PT no poder.

Uma vez no Planalto, Bolsonaro patrocinou sua versão do aparelhamento, com uma invasão de fardados ao alto escalão da Esplanada dos Ministérios, com o devido efeito cascata pelo governo.

Os militares, por desígnio ou mera oportunidade, voltaram a ser uma casta poderosa e politicamente influente. Não é um processo sem riscos, obviamente.

Isso ficou claro no episódio em que o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), queixou-se do “lado podre” das Forças Armadas, ao citar a prevalência de militares no alvo da apuração de irregularidades no Ministério da Saúde.

O senador foi precipitado ao usar um termo pejorativo associado aos milicianos que rondam o clã Bolsonaro —não passou despercebido.

Mas não tirou nada da cabeça. Nas investigações sobre a compra da vacina indiana Covaxin e no cipoal referente à suposta cobrança de propina por imunizantes inexistentes, saltam aos olhos as patentes envolvidas: são três coronéis da reserva e um tenente-coronel da ativa do Exército, além de um sargento reformado da Aeronáutica.

Todos operando no ambiente então comandado por um general da ativa, o nada saudoso Eduardo Pazuello, aliás aboletado em um cargo no Planalto —assim como um dos coronéis investigados, o seu ex-número 2 Elcio Franco.

Ainda faltam muitos elementos probatórios, mas os indícios que surgiram até aqui nos casos e a reação do governo ao demitir envolvidos sugerem que algo está errado.

Se Aziz generalizou sobre um universo de 360 mil pessoas, a maioria absoluta certamente proba, a reação fardada foi exagerada e sintomática da dificuldade em lidar com o fato de que a opção de associação com Bolsonaro tem preço.

A resposta do Ministério da Defesa, subscrita pelos três comandantes militares, flerta com o autoritarismo bolsonarista: arroga aos fardados tutela sobre a liberdade civil e busca admoestar o Senado.

É peça retórica vazia, espera-se, dado que a opção será acreditar que generais estão dispostos a invadir o Congresso. A reação de Aziz ante a intimidação foi contemporizada num encontro do ministro da Defesa com o presidente do Senado, e parece que a crise amainou.

A lição que fica é que a crispação das relações civil-militares no país sob o cada dia mais acuado Bolsonaro —que sequestrou uma insatisfação pontual e transformou-a em aríete em frente ao edifício democrático— é um tema que precisará ser abordado de forma sóbria pelas Forças e pelo poder político antes que algo mais sério ocorra.

A crise está contratada

O Estado de S. Paulo

É muitíssimo grave que o presidente da República diga com um ano e quatro meses de antecedência que a eleição de 2022 só será limpa se ele sair vitorioso

Considerado um “mau militar”, Jair Bolsonaro saiu do Exército em desonra para entrar na política de forma explosiva. Sua longa e desenxabida carreira no Poder Legislativo ficou notabilizada pela politicagem miúda, pela vulgaridade e pelo desrespeito aos princípios mais comezinhos da democracia. Ao longo dos últimos 33 anos, sempre que Bolsonaro chamou a atenção para sua figura foi por razões que envergonhariam os grandes nomes que ajudaram a escrever a história do Parlamento brasileiro.

Ora, se entrou na política estimulando a baderna, construiu sua bem-sucedida (do ponto de vista pessoal) carreira parlamentar lamentando o fato de no Brasil viger plena democracia e chegou à Presidência da República como um líder sectário, por que cargas d’água Bolsonaro haveria de sair dela como um estadista?

Semana sim e outra também, o presidente tem lançado suspeitas sobre a higidez do sistema eleitoral eletrônico, que, segundo ele, seria suscetível a fraudes. Isto não é outra coisa se não pretexto para criar mais confusão no País caso não seja reeleito. E Bolsonaro tem razões para ficar preocupado com esta possibilidade. Pesquisas de intenção de voto realizadas por diferentes institutos têm indicado que não é mais remota a possibilidade de Bolsonaro sequer chegar ao segundo turno da eleição de 2022. Evidentemente, ainda falta tempo para o pleito e tudo pode mudar. Fato é que a rejeição sofrida pelo incumbente, pesquisa após pesquisa, tem caminhado mais para o ponto de irreversibilidade do que de inflexão.

Em entrevista à Rádio Guaíba na quarta-feira passada, Bolsonaro tornou a dizer mentiras sobre nosso sistema eleitoral e a ameaçar a Nação. “Sem o voto impresso, algum lado pode não aceitar o resultado (da eleição). Esse lado, obviamente, é o nosso lado”, disse o presidente.

É muitíssimo grave que o presidente da República diga com 1 ano e 4 meses de antecedência que a eleição de 2022 só será limpa se ele sair vitorioso. Como se não bastasse, Bolsonaro acusou o Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de fazer parte de um conluio para permitir a volta do petista Lula da Silva à Presidência.

“Não podem botar em votação (o voto impresso) porque vão perder por causa da interferência do ministro Barroso, um péssimo ministro”, disse Bolsonaro à Rádio Guaíba. “Quando Barroso vai negociar com lideranças partidárias para que não tenha voto impresso, o que ele quer com isso? Fraude nas eleições”, afirmou o presidente. Bolsonaro encerrou a entrevista com nova ameaça: “Sem voto auditável, haverá problemas”. Que problemas seriam estes? Até quando a Nação aceitará este tipo de chantagem vindo da mais alta autoridade da República?

O ministro Barroso não respondeu. Coube ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, dar a devida resposta institucional ao ataque proferido por Bolsonaro. “O Supremo Tribunal Federal ressalta que a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição a qualquer brasileiro, deve conviver com o respeito às instituições e à honra de seus integrantes, como decorrência imediata da harmonia e da independência entre os Poderes”, disse Fux por meio de nota. “O STF rejeita posicionamentos que extrapolam a crítica construtiva e questionam indevidamente a idoneidade das juízas e dos juízes da Corte Suprema”, concluiu o ministro.

A despeito de seu comportamento reprovável, por vezes repulsivo, Bolsonaro obteve sucessivos êxitos eleitorais. E não apenas para si, mas também para sua prole masculina, que não trai sua origem. É lícito inferir, portanto, que no entender do presidente o estímulo à confusão e a agressividade são ativos importantes para a construção de uma carreira política de sucesso. Afinal, Bolsonaro foi eleito mandatário supremo do País sendo exatamente quem sempre foi.

Fiel à sua natureza, Bolsonaro segue estimulando a balbúrdia e já contratou a crise do próximo ano. Se será uma grave crise institucional ou choramingo de um eventual mau perdedor, as forças vivas da Nação vão dizer.

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