EDITORIAIS
Destempero verbal de Bolsonaro quer desviar
foco da CPI
O Globo
Têm se tornado mais frequentes as agressões
verbais do presidente Jair Bolsonaro a autoridades ou representantes eleitos
que desafiem seus objetivos políticos. No último episódio, disparou ofensas
contra o presidente do Tribunal Superior Eleitorial (TSE), Luís Roberto
Barroso, que tem defendido com consistência e competência a segurança das urnas
eletrônicas dos ataques estapafúrdios que emanam das hostes bolsonaristas. No
devaneio em favor do voto impresso, que prenuncia a contestação de qualquer
resultado que lhe possa ser desfavorável nas urnas, Bolsonaro chegou a
insinuar, como se tivesse poder para isso, que poderá não haver eleição se não
for do jeito como ele quer — mais uma entre tantas barbaridades que tem
proferido.
Além de Barroso, chamado de “imbecil”, já foram vítimas do destempero verbal de Bolsonaro outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber ou Cármen Lúcia. A saraivada de agressões, ataques vis a pessoas honradas na tentativa de desacreditar a própria instituição do Supremo, levou o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, a emitir nota em que “rejeita posicionamentos que extrapolam a crítica construtiva e questionam indevidamente a idoneidade das juízas e dos juízes da Corte”.
Outro alvo frequente de Bolsonaro tem sido
a CPI da Covid. Ele se recusou em termos chulos a responder às questões
legítimas dos senadores sobre as denúncias de falcatruas no Ministério da Saúde,
que lhe foram encaminhadas por meio de ofício. Em vez disso, preferiu disparar
petardos contra os senadores, em particular o presidente da CPI, Omar Aziz, e o
relator, Renan Calheiros. Para não falar nas recorrentes diatribes em que
atribui a governadores e prefeitos a responsabilidade pela tragédia que já
matou mais de 530 mil.
Não é preciso muita sofisticação para
entender o objetivo implícito em cada um desses ataques. Como demonstram as
últimas pesquisas de opinião, a popularidade de Bolsonaro está no nível mais
baixo desde que ele assumiu o governo. Mais da metade dos brasileiros desaprova
sua administração, segundo o Datafolha. Nas simulações de cenários eleitorais
para o ano que vem, Bolsonaro tem perdido até para candidatos que antes parecia
vencer com certa folga. Esse declínio resulta, em boa medida, da tragédia que
se abateu sobre o país com a gestão desastrosa que seu governo fez e faz da
pandemia.
Bolsonaro tenta, com sua verborragia,
apenas desviar o foco da realidade. Quer criar crises nacionais que prejudiquem
o trabalho da CPI e tirem a atenção da apuração necessária das
responsabilidades pelo morticínio e pela corrupção. É preciso que as
instituições, os atores políticos e a sociedade civil não caiam nessa
armadilha. Foi o que fizeram Barroso e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Um e outro, a seu modo, defenderam as balizas da República e da democracia com
a serenidade exigida. Pacheco chegou a repetir, por duas vezes, que defendia o
óbvio. Quando o objetivo da fala de Bolsonaro é apenas desviar a atenção, é
essencial conferir às agressões o valor que elas têm: no limite, deixar que
suas palavras ecoem no vazio.
É possível especular sobre as intenções futuras de Bolsonaro com as tentativas de desacreditar as instituições. No presente, um fato já ficou claro: ele conseguiu desmoralizar a máxima segundo a qual as palavras do presidente têm peso. Diante da repercussão pífia de suas agressões, vê-se que o objetivo de desviar a atenção não tem sido alcançado. A única coisa que Bolsonaro consegue com seu destempero é desacreditar e desvalorizar a palavra do próprio presidente da República.
Batalha inglória
Folha de S. Paulo
Defesa reage de forma desproporcional a
senador, evidenciando aparelhamento
Quando candidato, o então deputado Jair
Bolsonaro era um vocal crítico do aparelhamento de órgãos do Estado por
militantes esquerdistas nos anos do PT no poder.
Uma vez no Planalto, Bolsonaro patrocinou
sua versão do aparelhamento, com uma invasão de fardados ao alto escalão da
Esplanada dos Ministérios, com o devido efeito cascata pelo governo.
Os militares, por desígnio ou mera
oportunidade, voltaram a ser uma casta poderosa e politicamente influente. Não
é um processo sem riscos, obviamente.
Isso ficou claro no episódio em que o
presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), queixou-se do “lado podre”
das Forças Armadas, ao citar a prevalência de militares no alvo da
apuração de irregularidades no Ministério da Saúde.
O senador foi precipitado ao usar um termo
pejorativo associado aos milicianos que rondam o clã Bolsonaro —não passou
despercebido.
Mas não tirou nada da cabeça. Nas
investigações sobre a compra da vacina indiana Covaxin e no cipoal referente à
suposta cobrança de propina por imunizantes inexistentes, saltam aos olhos as
patentes envolvidas: são três coronéis da reserva e um tenente-coronel da ativa
do Exército, além de um sargento reformado da Aeronáutica.
Todos operando no ambiente então comandado
por um general da ativa, o nada saudoso Eduardo Pazuello, aliás aboletado em um
cargo no Planalto —assim como um dos coronéis investigados, o seu ex-número 2
Elcio Franco.
Ainda faltam muitos elementos probatórios,
mas os indícios que surgiram até aqui nos casos e a reação do governo ao
demitir envolvidos sugerem que algo está errado.
Se Aziz generalizou sobre um universo de
360 mil pessoas, a maioria absoluta certamente proba, a reação fardada foi
exagerada e sintomática da dificuldade em lidar com o fato de que a opção de
associação com Bolsonaro tem preço.
A resposta do Ministério da Defesa,
subscrita pelos três comandantes militares, flerta com o autoritarismo
bolsonarista: arroga aos fardados tutela sobre a liberdade civil e busca
admoestar o Senado.
É peça retórica vazia, espera-se, dado que
a opção será acreditar que generais estão dispostos a invadir o Congresso. A
reação de Aziz ante a intimidação foi contemporizada num encontro do ministro
da Defesa com o presidente do Senado, e parece que a crise amainou.
A lição que fica é que a crispação das relações civil-militares no país sob o cada dia mais acuado Bolsonaro —que sequestrou uma insatisfação pontual e transformou-a em aríete em frente ao edifício democrático— é um tema que precisará ser abordado de forma sóbria pelas Forças e pelo poder político antes que algo mais sério ocorra.
A crise está contratada
O Estado de S. Paulo
É muitíssimo grave que o presidente da República diga com um ano e quatro meses de antecedência que a eleição de 2022 só será limpa se ele sair vitorioso
Considerado um “mau militar”, Jair
Bolsonaro saiu do Exército em desonra para entrar na política de forma
explosiva. Sua longa e desenxabida carreira no Poder Legislativo ficou
notabilizada pela politicagem miúda, pela vulgaridade e pelo desrespeito aos princípios
mais comezinhos da democracia. Ao longo dos últimos 33 anos, sempre que
Bolsonaro chamou a atenção para sua figura foi por razões que envergonhariam os
grandes nomes que ajudaram a escrever a história do Parlamento brasileiro.
Ora, se entrou na política estimulando a
baderna, construiu sua bem-sucedida (do ponto de vista pessoal) carreira
parlamentar lamentando o fato de no Brasil viger plena democracia e chegou à
Presidência da República como um líder sectário, por que cargas d’água
Bolsonaro haveria de sair dela como um estadista?
Semana sim e outra também, o presidente tem
lançado suspeitas sobre a higidez do sistema eleitoral eletrônico, que, segundo
ele, seria suscetível a fraudes. Isto não é outra coisa se não pretexto para
criar mais confusão no País caso não seja reeleito. E Bolsonaro tem razões para
ficar preocupado com esta possibilidade. Pesquisas de intenção de voto
realizadas por diferentes institutos têm indicado que não é mais remota a
possibilidade de Bolsonaro sequer chegar ao segundo turno da eleição de 2022.
Evidentemente, ainda falta tempo para o pleito e tudo pode mudar. Fato é que a
rejeição sofrida pelo incumbente, pesquisa após pesquisa, tem caminhado mais
para o ponto de irreversibilidade do que de inflexão.
Em entrevista à Rádio Guaíba na
quarta-feira passada, Bolsonaro tornou a dizer mentiras sobre nosso sistema
eleitoral e a ameaçar a Nação. “Sem o voto impresso, algum lado pode não
aceitar o resultado (da eleição). Esse lado, obviamente, é o nosso lado”, disse
o presidente.
É muitíssimo grave que o presidente da
República diga com 1 ano e 4 meses de antecedência que a eleição de 2022 só
será limpa se ele sair vitorioso. Como se não bastasse, Bolsonaro acusou o
Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente o ministro Luís Roberto
Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de fazer parte
de um conluio para permitir a volta do petista Lula da Silva à Presidência.
“Não podem botar em votação (o voto
impresso) porque vão perder por causa da interferência do ministro Barroso, um
péssimo ministro”, disse Bolsonaro à Rádio Guaíba. “Quando Barroso vai negociar
com lideranças partidárias para que não tenha voto impresso, o que ele quer com
isso? Fraude nas eleições”, afirmou o presidente. Bolsonaro encerrou a
entrevista com nova ameaça: “Sem voto auditável, haverá problemas”. Que
problemas seriam estes? Até quando a Nação aceitará este tipo de chantagem
vindo da mais alta autoridade da República?
O ministro Barroso não respondeu. Coube ao
presidente do STF, ministro Luiz Fux, dar a devida resposta institucional ao
ataque proferido por Bolsonaro. “O Supremo Tribunal Federal ressalta que a
liberdade de expressão, assegurada pela Constituição a qualquer brasileiro,
deve conviver com o respeito às instituições e à honra de seus integrantes,
como decorrência imediata da harmonia e da independência entre os Poderes”,
disse Fux por meio de nota. “O STF rejeita posicionamentos que extrapolam a
crítica construtiva e questionam indevidamente a idoneidade das juízas e dos
juízes da Corte Suprema”, concluiu o ministro.
A despeito de seu comportamento reprovável,
por vezes repulsivo, Bolsonaro obteve sucessivos êxitos eleitorais. E não
apenas para si, mas também para sua prole masculina, que não trai sua origem. É
lícito inferir, portanto, que no entender do presidente o estímulo à confusão e
a agressividade são ativos importantes para a construção de uma carreira
política de sucesso. Afinal, Bolsonaro foi eleito mandatário supremo do País
sendo exatamente quem sempre foi.
Fiel à sua natureza, Bolsonaro segue estimulando a balbúrdia e já contratou a crise do próximo ano. Se será uma grave crise institucional ou choramingo de um eventual mau perdedor, as forças vivas da Nação vão dizer.
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