sexta-feira, 9 de julho de 2021

Ricardo Noblat - Bolsonaro caga para o que não quer ouvir e aposta no golpe

Blog do Noblat / Metrópoles

O presidente subestima a força do exército desarmado

A última vez que a sombra de um golpe militar cobriu o país foi no segundo semestre de 1984. O general João Figueiredo era o presidente da República. A ditadura de 64 agonizava. E seu substituto seria escolhido pelo Congresso. Havia dois candidatos: pela situação, Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, e pela oposição, Tancredo Neves, ex-governador de Minas Gerais.

Tancredo temia que a linha dura do regime se insurgisse contra a possibilidade de ele ser eleito. E não faltavam sinais de que isso não era descartável dada à fragilidade da candidatura de Maluf. Em anos anteriores, militares e grupos paramilitares promoveram atentados terroristas, inclusive com mortos. E Tancredo era acusado de ter o apoio de comunistas. Mas não houve golpe.

De lá para cá, o país atravessou sete trocas de presidente a céu aberto sem que os militares ameaçassem intervir: José Sarney deu lugar a Fernando Collor, que deu lugar a Itamar Franco, que deu lugar a Fernando Henrique, que foi reeleito. Lula se elegeu e se reelegeu, assim como Dilma, que deu lugar a Michel Temer, que deu lugar a Jair Bolsonaro. Houve dois impeachments.

A sombra do golpe militar, porém, está de volta. Eleito com o apoio compacto dos seus ex-colegas de farda, o ex-capitão afastado do Exército por conduta antiética ameaça não deixar o cargo se perder a eleição do ano que vem. E se depender das Forças Armadas, ele não perderá. E se perder, continuará no cargo por cima de pau e pedra ou com a ajuda de pau, pedra e brucutu.

Somente nesta semana, meia dúzia de pesquisas de intenção de voto mostraram que o governo Bolsonaro balança, balança, e que se não se cuidar a tempo poderá cair antes da hora. A pesquisa Datafolha, divulgada ontem à noite, conferiu o tamanho do estrago produzido na imagem do presidente pela associação entre a pandemia, a corrupção e a CPI da Covid-19.

Se em junho do ano passado 44% consideravam Bolsonaro competente, agora, só 36%. Se 52% o consideravam incompetente, agora, são 58%. Há um ano, 48% julgavam Bolsonaro honesto; agora, 38%; 40% o avaliavam como desonesto, agora 52%. Em abril de 2019, 24% disseram que ele respeitava mais os pobres; agora, 17%. Diziam 57% que Bolsonaro respeitava mais os ricos; agora, 66%.

No começo do governo, 58% achavam Bolsonaro muito inteligente; agora, 39%. O índice dos que o consideravam pouco inteligente era de 39%; agora, 57%. Em 2019, 59% dos brasileiros consideravam o presidente sincero. Nesta quinta, 39%. Para 35%, ele era falso. Agora, é falso para 55%. Quando ele assumiu a presidência, 52% o achavam preparado para exercer o cargo. Agora, só 34%.

Nas últimas 24 horas, Bolsonaro fez o melhor que sabe – cagou para a CPI que havia lhe enviado uma carta, atacou os senadores que a comandam, bateu duro em ministros do Supremo Tribunal Federal e repetiu que sem voto impresso não aceitará os resultados das eleições do próximo ano. Comportou-se, em resumo, como o engenheiro do caos, maximizando os conflitos.

Como espera recuperar parte da popularidade perdida para não ficar de fora do segundo turno das eleições? A essa altura, se não recuperar, a única coisa que lhe resta é apostar no golpe. Bolsonaro minimiza a força do exército desarmado – a Justiça, parte do Congresso, a opinião pública, a mídia e os movimentos sociais. Sem falar de uma conjuntura internacional avessa a golpes.

Em menos de três meses, Bolsonaro correu pela segunda vez para aconselhar-se com o ex-presidente José Sarney. Perdeu tempo. O que Sarney tem a dizer-lhe, Bolsonaro não quer escutar. Ele só ouve a própria voz.

Aloysio, vice de Aécio Neves em 2014, desmente que houve fraude

“Perdemos porque tivemos menos votos, foi por isso e nada a mais”

Em 12 de outubro de 1968, Aloysio Nunes Ferreira Filho dirigia o carro que conduzia Carlos Marighella, um dos líderes da luta armada contra o regime militar, quando ouviu pelo rádio a notícia sobre a prisão de mais de 800 estudantes que participavam de mais um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Sim, àquela época, embora a ditadura ainda fosse branda, a UNE fora posta fora da lei. Todas as suas atividades eram clandestinas. E os estudantes, ingênuos bastante para acreditar que poderiam se reunir em grande número em um sítio rural sem chamar a atenção da ditadura supostamente fraca.

Em outubro de 2014, 46 anos depois, Aloysio era candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Aécio Neves (PSDB), ex-governador de Minas Gerais. Foi nessa condição que ele se apresentou para negar, ontem, que houve fraude na eleição vencida por Dilma Rousseff (PT) com o apoio de Lula.

 

 

– Perdemos porque tivemos menos votos, foi por isso e nada mais.

A declaração de Aloysio contraria o que o presidente Bolsonaro tem repetido dia sim e outro também, e constrange Aécio por duas razões. Primeiro, porque Aécio foi o autor do pedido que levantou suspeição sobre a eleição presidencial daquele ano. Segundo, porque Aécio, agora, é a favor da volta do voto em cédula.

Depois do que Aloysio disse, Aécio foi obrigado a concordar com ele: “Eu não acredito que tenha havido fraudes nas urnas em 2014, tampouco acredito que nós estejamos fadados a viver eternamente com as urnas eletrônicas de primeira geração”. Concedeu que o voto em cédula possa ficar para as eleições de 2026.

Derrotado porque Dilma teve cerca de 3,5 milhões de votos a mais do que ele, Aécio telefonou para ela e a cumprimentou pela vitória. Meses mais tarde, esqueceu o que fizera e bateu às portas da justiça eleitoral para reaver o que não tinha direito.

 

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