terça-feira, 17 de agosto de 2021

Eliane Cantanhêde - Apesar do ‘delay’

O Estado de S. Paulo

Assim como a PGR joga a resistência democrática para o Supremo, a Câmara joga para o Senado

Com as relações institucionais, republicanas e federativas estressadas e esgarçadas, o Senado Federal entrou na linha de frente das tropas de paz, para evitar uma guerra, barrar extravagâncias da Câmara e reduzir danos das crises criadas e alimentadas pelo presidente Jair Bolsonaro. O foco de resistência democrática está tanto no Supremo quanto no Senado.

A cédula impressa foi derrubada no plenário Câmara, mas Bolsonaro mantém o discurso fake das fraudes nas urnas eletrônicas e ameaça pedir o impeachment dos ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, também presidente do TSE, e Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news e dos ataques antidemocráticos – que atingem o Planalto e agora o próprio Bolsonaro. Mas ele que não conte com o Senado para a aventura.

Assim como o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem a prerrogativa de acatar pedidos de impeachment contra o presidente da República, o do Senado, Rodrigo Pacheco, tem a de abrir processos contra ministros do Supremo. Já são mais de cem pedidos contra Bolsonaro na Câmara e 17 contra ministros da Corte no Senado, mas nem Lira nem Pacheco demonstram o mínimo interesse em tocar isso adiante. Logo, Bolsonaro está blefando.

É também o Senado quem serve de anteparo para as maluquices da Câmara na legislação eleitoral. Avisou de véspera que derrubaria o “distritão” e os deputados acabaram optando por um mal menor, a volta das coligações partidárias, que caíram em 2017 para entrar em vigor em 2022. A votação em segundo turno na Câmara será hoje, mas as chances de a proposta vingar no Senado são poucas.

E há duas votações de interesse direto de Bolsonaro no Senado: a ida do ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma vaga no Supremo e a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para mais um mandato. O “terrivelmente evangélico” Mendonça enfrenta a má vontade do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre e de parte da Casa. O terrivelmente bolsonarista Aras enfrenta uma resistência mais difusa.

Aras não deu um “A” após as ameaças de Bolsonaro de agir contra a realização das eleições e “fora das quatro linhas da Constituição”. Em guerra com o STF, sofre críticas públicas de subprocuradores e é acusado de agradar a Bolsonaro o tempo todo porque só pensa naquilo: uma cadeira no STF. Perdeu a primeira e a segunda, mas investe na terceira, em 2022.

A expectativa é de que Mendonça passe para o STF e Aras seja aprovado para o segundo mandato na PGR, mas não será um passeio. Não custa lembrar que Bolsonaro teve de desistir da ideia maluca de botar Eduardo Bolsonaro, o 03, na Embaixada em Washington, porque iria perder feio no Senado.

Assim como a PGR joga a resistência democrática para o Supremo, a Câmara joga para o Senado, onde, aliás, a CPI da Covid revela ao País o quanto o governo Bolsonaro escancarou suas portas na pandemia para negociatas grosseiras e picaretas óbvios. Foi por isso que Bolsonaro deu a “alma do governo” a um senador, Ciro Nogueira, do Centrão, mas o efeito ainda não é visível a olho nu.

E Rodrigo Pacheco? Apesar de um “certo delay” (demora em reagir), ele deu um basta para as ameaças às eleições, defendeu STF, TSE e sistema eleitoral, abriu canais nas Forças Armadas, avisou que “distritão” e volta das coligações não passam e deixou bem claro: não contem com ele para impeachment de ministros do STF.

Ou seja: ele tem sido agente de moderação e uma barreira contra arroubos golpistas. Se é ou não porque está louco para disputar a Presidência da República, não interessa. O fato é que o Senado e Pacheco estão, até aqui, na mesma trincheira do Supremo e de crescentes setores da sociedade, pela Constituição e a democracia. Que assim permaneçam!

 

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