terça-feira, 3 de agosto de 2021

Míriam Leitão - Pedaladas populistas

O Globo

Há vários riscos na maneira como o governo se prepara para lidar com os precatórios. Se a ideia for postergar o pagamento dessas dívidas para abrir espaço para mais gastos é uma forma de pedalada. Por outro lado, os precatórios têm aumentado muito a cada ano e nem sempre é possível prever, segundo dizem os especialistas. O problema é que neste momento o Ministério da Economia está tentando encontrar no Orçamento espaço para o populismo do presidente Bolsonaro, mas está sendo atropelado pelo centrão, que quer impor valores cada vez mais altos para o Bolsa Família. E isso seria financiado com o não pagamento de dívida.

O fato é que há erros por todos os lados na questão dos precatórios. O governo tem razão em questionar um crescimento de R$ 35 bilhões de despesas de um ano para o outro. Mas isso se deve a perdas que teve na Justiça, por falhas de sua própria defesa. O parcelamento pode criar um orçamento paralelo e, na prática, os credores desse dinheiro é que vão financiar os programas de governo. O STF, por sua vez, exigiu, de uma hora para outra, que o governo encontre espaço dentro do teto de gastos para um aumento de 64% nas dívidas bilionárias de precatórios. Isso irá tornar praticamente inviável a execução do orçamento de 2022.

Para se ter uma ideia, em 2014 foram R$ 20 bilhões de precatórios, em 2016, R$ 30 bilhões, este ano foram R$ 54 bi e no ano que vem serão R$ 89 bilhões. Com a regra do teto de gastos, quando essa despesa cresce, comprime as outras despesas e não há previsibilidade. Claro que o governo pode negociar melhor, mas nem sempre dá certo, como aconteceu com os estados na dívida do Fundef, uma velha ação judicial ainda da época do governo Fernando Henrique, que repassou menos do que devia para os estados.

— Há dois anos quando a gente já tinha perdido, alguns estados chamaram o governo federal para um acordo. Eles disseram que dariam um deságio de 15% na dívida, mas desde que o governo pagasse à vista. Não tinha dinheiro e iria estourar o teto. A gente propôs um desconto de 40% e a gente pagaria à vista, mas eles não quiseram — explicou um ex-integrante do governo.

Na visão do economista-chefe da RPS Capital, Gabriel de Barros, especialista em contas públicas, há uma completa descoordenação dos órgãos que defendem o governo no poder judiciário, já há vários governos:

— A gente só sabe do tamanho do passivo fiscal quando as ações já estão nas instâncias superiores. Na segunda instância não há informação. Falta transparência, coordenação, deveriam ser mais inteligentes órgãos como a AGU, a PGR e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O governo perde todo ano. O que estamos vendo este ano é um problema que já víamos e que ficou mais salgado. É uma questão estrutural que decorre dessa incompetência nos órgãos de defesa do governo.

A conjuntura política torna tudo mais complicado, porque Bolsonaro quer fazer um novo Bolsa Família, quer dar aumento de salário aos servidores e quer investimentos em obras que ele possa inaugurar. Evidentemente por razões eleitoreiras. Aumentar o Bolsa Família faz sentido. O programa é bem avaliado e é considerado barato para a dimensão do apoio que dá às famílias mais pobres. A pandemia elevou a necessidade dessa rede de proteção social. O simples e correto era elevar o valor e incluir mais pessoas no mesmo programa. Quando a equipe econômica concordou em dar um valor maior, o centrão turbinado com o controle da Casa Civil passou a atropelar a equipe econômica. Para a área política do governo se o valor foi bem maior isso trará ganhos eleitorais para Bolsonaro.

Há outra dificuldade orçamentária, o governo tem feito cada vez mais propostas de gastos para o tal espaço fiscal que será criado pela diferença entre a inflação do meio do ano, que reajusta o valor do teto de gastos, e o índice no final do ano, que corrige as despesas obrigatórias. A inflação de junho foi 8,4%, e o governo calculava um índice bem mais baixo em dezembro. As previsões estão sendo revistas para cima. Ou seja, o espaço fiscal está se fechando.

Somando-se o populismo autoritário de Bolsonaro com a pressão gastadora do centrão e a falta de pulso do ministro da Economia, o que está sendo montado é uma grande pedalada. Espera-se agora dos políticos, do TCU e do Judiciário o mesmo rigor que tiveram em outras pedaladas.

 

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