terça-feira, 24 de agosto de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A convocação do golpe

O Estado de S. Paulo

O objetivo das manifestações de 7 de setembro não é manifestar apoio a Jair Bolsonaro. É para invadir o STF e o Congresso.

Como os próprios organizadores têm alertado, o objetivo das manifestações bolsonaristas previstas para o dia 7 de setembro não é manifestar apoio ao presidente Jair Bolsonaro. A convocação não é para expressar determinada posição política – defender, por exemplo, a aprovação da reforma administrativa ou do novo Imposto de Renda –, e sim para invadir o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso.

“Vamos entregá-los (STF e Congresso) às Forças Armadas, para que adotem as providências cabíveis”, disse um dos organizadores, que se apresenta como coronel Azim, em vídeo que circula nas redes sociais.

“Ninguém pode ir a Brasília simplesmente para passear, balançar bandeirinhas, tampouco ficar somente acampado”, advertiu o coronel Azim. No vídeo, menciona-se que a ação do dia 7 de setembro está sendo coordenada por alguns militares da reserva, com experiência em formar grupamentos de pessoas. “Vamos juntos adentrarmos no STF e no Congresso”, disse.

Segundo os organizadores, os manifestantes bolsonaristas não admitem que lhes impeçam de entrar no STF e no Congresso. “Iremos organizados e queremos entrar na paz, mas, caso haja reações, nós vamos ter que enfrentar, mesmo com a força. O que tiver lá para nos impedir nós poderemos atropelá-lo”, avisou o tal coronel Azim.

Em nenhum país civilizado, esse tipo de convocação é considerado “manifestação de pensamento” ou “expressão de opinião política”. Trata-se não apenas de incitação à violência contra as instituições – o que já configura crime –, mas de convocação para o golpe. Os organizadores estão dizendo abertamente que querem fechar o Supremo e o Congresso, entregando-os às Forças Armadas.

Desmentindo quem tenta relativizar as ameaças bolsonaristas às instituições – estaria havendo, segundo essas vozes, uma criminalização da opinião –, o coronel Azim explicitou o objetivo dos manifestantes bolsonaristas no dia 7 de setembro. “Eu não vou a lugar nenhum se não for para tomar atitude. Ficar no blá-blá-blá, no mimimi, dizendo vou fazer isso, vou fechar aquilo… isso aí não. Eu quero essa compreensão de todos os caminhoneiros”, pediu no vídeo o militar da reserva. “O mais importante é o nosso planejamento da ação. (...) Gente, chega de nós estarmos apenas amedrontando.”

As ameaças são gravíssimas pelo mero fato de terem sido feitas, e reclamam a atuação das autoridades correspondentes. Não se pode assistir passivamente à organização de uma manifestação cujo objetivo é invadir o Supremo e o Congresso, para “entregá-los às Forças Armadas”. A agravar a situação, o presidente Jair Bolsonaro em nenhum momento desautorizou a convocação golpista. Ao contrário, tem fomentado a adesão popular aos atos bolsonaristas de 7 de setembro.

Perante esse quadro, não basta a existência de um inquérito no STF para investigar organizações criminosas de ataque à democracia. É urgente que o Congresso reaja e que o Ministério Público acione a Justiça, de forma a impedir a ação criminosa contra as instituições.

Impõe-se o realismo. Depois de tudo o que já foi divulgado, eventual tentativa de golpe no dia 7 de setembro não será nenhuma surpresa. Será a estrita realização das táticas e objetivos anunciados, repetidas vezes, por bolsonaristas.

A quem reclama de falta de liberdade de expressão, caberia sugerir que experimente fazer na Alemanha ou na Inglaterra o que os bolsonaristas estão fazendo aqui, anunciando a invasão e o fechamento da Corte Constitucional e do Legislativo. O respeito às instituições democráticas não é uma opção, e sim um grave dever, cujo descumprimento acarreta severas consequências.

No Brasil, tem havido uma irresponsável tolerância com atos contrários à lei, a consolidar uma sensação de impunidade. Veja, por exemplo, a atuação política nas redes sociais do coronel Aleksander Lacerda, afastado da chefia do Comando de Policiamento do Interior-7 da Polícia Militar de São Paulo. Polícia que faz política está fora da lei – e merece ser responsabilizada com rigor, sem nenhuma indulgência.

O bom combate à desinformação

O Estado de S. Paulo

Disseminar desinformação sobre a segurança da urna eletrônica, como fazem o presidente Jair Bolsonaro e muitos de seus apoiadores nas redes sociais, abala a confiança dos cidadãos no sistema eleitoral e, portanto, atenta contra a democracia. Por si só, isto já seria muito grave, pois deteriora o debate público, que, para ser honesto, deve ser balizado pela verdade factual, vale dizer, por um consenso mínimo sobre o que é fato e o que é ficção.

Contudo, a perniciosa ação dos farsantes na internet vai além da mera tática para obter eventuais ganhos eleitorais para Bolsonaro. Ela também tem servido para enriquecer alguns de seus apoiadores à custa do vigor da democracia no Brasil e do sequestro da agenda nacional, atropelada que é pelos reiterados ataques do presidente da República contra as leis e a Constituição. Figuras-chave do bolsonarismo nas redes sociais reverberam as imposturas do presidente e alimentam suas teorias conspirativas para milhões de seguidores. E lucram com isso.

Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aproximou o Brasil dos países que estão na vanguarda do combate à desinformação e aos conteúdos de ódio veiculados na internet. Impedir a chamada monetização de canais que divulgam conteúdo perigoso tem sido vista como a melhor maneira de frear o fluxo de mentiras e mensagens de ódio que grassa em plataformas como Facebook, Twitter, Youtube, Twitch e Instagram.

Monetização é o repasse de dinheiro que é feito pelas empresas de tecnologia aos usuários que mais geram tráfego, ou seja, têm mais visualizações e interações. O grande público que atraem amplia a audiência da publicidade que é veiculada nas redes sociais. E a publicidade, como se sabe, é a principal forma de remuneração das empresas de tecnologia.

O corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, decidiu de forma cautelar que os repasses aos canais bolsonaristas que mais disseminam desinformação sobre a urna eletrônica nas redes sociais sejam suspensos. A decisão foi tomada no processo administrativo aberto para apurar a conduta de Bolsonaro durante a live em que afirmou ter havido fraudes nas eleições de 2014 e 2018. O dinheiro que estes usuários receberiam das empresas de tecnologia deverá ser depositado em uma conta judicial.

A medida do corregedor-geral é prudente e acertada. Primeiro, porque é temporária. A Corte Eleitoral ainda estuda editar uma resolução que aborde o tema de forma definitiva. Há conversas entre o TSE e as empresas. Segundo, porque não significa cerceamento da liberdade de expressão. Tudo o que se diz naqueles canais bolsonaristas seguirá sendo dito. Apenas foi sustada a possibilidade de os mentirosos ganharem dinheiro com suas mentiras. E se trata de muito dinheiro. Só no Youtube, os 14 canais atingidos pela decisão do ministro Salomão podem gerar quase US$ 3 milhões por ano – mais de R$ 16 milhões.

“Quanto mais se atacam as instituições e o sistema eleitoral, maior proveito econômico os envolvidos obtêm”, afirmou o ministro Salomão. Entre seus pares, há quem entenda que a política e a ideologia não são objetos de mercadejo. O interesse econômico estimula a polarização e polui o debate público.

A cautelar do ministro Salomão recebeu ampla aprovação entre especialistas no combate à desinformação. “A forma mais eficiente de combater a desinformação profissional é seguir o dinheiro. Em vez de dizer que não se pode usar esta ou aquela palavra, ou proibir determinado assunto, o melhor é ir atrás do dinheiro”, disse ao Estado Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS). Para Luiza Bandeira, pesquisadora do Digital Forensics Research Lab (DFRLAB), “o TSE anda em uma direção interessante” ao mirar na monetização, mas destaca que a ação precisa ser mais bem calibrada no futuro em relação ao período de desmonetização e aos critérios para definição dos alvos da medida.

Sem dúvida, o aprimoramento é necessário. Mas um primeiro e importante passo foi dado.

A hemorragia da evasão escolar

O Estado de S. Paulo

A pandemia provocou a mais severa ruptura da educação global da história. As consequências mal começaram a ser calculadas, serão sentidas por anos e podem deixar sequelas permanentes em toda uma geração. Além da defasagem no aprendizado devida ao apagão escolar, no Brasil uma mazela crônica, que se tornou aguda na pandemia – e, dada a deterioração do orçamento das famílias de baixa renda, deve se agravar logo depois dela –, é a evasão escolar. Por isso, não poderia ser mais procedente o anúncio do governador de São Paulo, João Doria, de que o Estado oferecerá bolsas de estudo no valor de R$ 1.000 anuais ao longo de 2021 e 2022 a 300 mil alunos do ensino médio.

Já antes da pandemia, a taxa de conclusão dos alunos do ensino médio antes de completar 25 anos era de apenas 58%. A título de comparação, no Chile é de 86% e nos países da OCDE, de 79%.

Além da lesão ao direito fundamental de cada jovem à educação, base de todo desenvolvimento humano na vida adulta, a evasão tem consequências sociais e econômicas. Um estudo da Fundação Roberto Marinho calculou que cada ponto porcentual de redução dos índices de evasão equivale a 550 homicídios a menos por ano. O levantamento estima que o prejuízo causado pela evasão corresponda a R$ 372 mil ao ano por aluno, no total, R$ 214 bilhões por ano, ou 3% do PIB.

Um dos fatores estruturais que explicam as baixas taxas de conclusão é a pouca atratividade dos currículos. A maleabilidade da nova base curricular dará às escolas a oportunidade de oferecer conteúdos diversificados e robustecer opções de formação técnica ou profissional. Outros dois fatores são o excesso de reprovações e a necessidade de buscar trabalho. Ambos foram agravados pela pandemia.

Segundo o Unicef, em 2020, 5,5 milhões de brasileiros entre 6 e 17 anos não tiveram acesso a atividades escolares. Entre eles, 1,38 milhão abandonou o ensino. São 3,8% dos estudantes, enquanto em 2019 foram 2%. “A taxa de conclusão do ensino médio deve voltar ( na América Latina) aos níveis de 1971 a 1975 por conta da pandemia. Não estamos falando de uma regressão de alguns anos, estamos falando de décadas”, afirmou o secretário de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, no lançamento do programa Bolsa do Povo Educação.

O programa integra a Rede de Proteção Social de São Paulo, que beneficia mais de 2 milhões de pessoas em alta vulnerabilidade. As 300 mil bolsas cobrem os mais de 20% dos alunos do ensino médio em situação de pobreza e pobreza extrema. Os beneficiados deverão obedecer a uma frequência mínima de 80% e estudar duas horas por dia pelo aplicativo Centro de Mídias SP. Os alunos do 3.º ano também deverão realizar atividades preparatórias para o Enem. O foco no ensino médio é pertinente, porque, além de ser a área específica de responsabilidade dos governos estaduais, é onde se verificam as maiores taxas de evasão.

O programa também pagará R$ 500 mensais a 20 mil pais e mães de alunos para trabalharem quatro horas por dia nas escolas, em atividades como acompanhamento de protocolos sanitários, apoio à educação especial ou a busca ativa de estudantes que abandonaram os estudos. Além de reforçar as equipes escolares nas condições excepcionais da pandemia, o programa proporcionará renda para parte da população desempregada e será uma oportunidade de reforçar o vínculo entre alunos, pais e professores, o que também terá efeitos positivos contra a evasão.

O programa paulista é um modelo que deveria ser replicado em outros Estados. Com o auxílio federal e a arrecadação acima das expectativas, os entes subnacionais fecharam 2020 com o caixa abastecido. É difícil imaginar um destino melhor para esses recursos do que o combate à evasão escolar. Além de aumentar a pobreza no curto prazo, aprofundar as desigualdades sociais no médio prazo e deteriorar a formação de capital humano indispensável para o desenvolvimento sustentável, a evasão tolhe de cada jovem um horizonte virtualmente infinito de possibilidades. É uma perda irreversível e nenhum esforço para impedi-la é demais.

Sem trégua

Folha de S. Paulo

Mundo político adota cautela, mas acredite quem quiser em diálogo com Bolsonaro

Crescem as tensões em torno dos atos relacionados ao feriado do Dia da Independência, enquanto o presidente da República se mantém empenhado no conflito institucional e manifestações extremistas de seus seguidores vêm à tona.

Especialmente alarmante é o caso do coronel Aleksandro Lacerda, líder de sete batalhões da PM paulista, a fazer descarada pregação política em rede social, beirando a apologia da violência ao chamar sua audiência às ruas. “Precisamos de um tanque, não de um carrinho de sorvete”, escreveu, como noticiou O Estado de S. Paulo.

Trata-se de um policial militar de alta patente a desdenhar os limites e as responsabilidades da função —o que justifica seu afastamento imediato, determinado pelo governador João Doria (PSDB). Mais do que isso, reforçam-se os temores de politização das forças de segurança pública, entre as quais é conhecida a influência de Jair Bolsonaro.

Outros riscos parecem menos evidentes, mas não deixam de merecer atenção. Na sexta-feira (20), a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços de apoiadores do presidente, dos quais os mais célebres eram o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) e o músico Sérgio Reis.

Este fizera ameaças ao Supremo Tribunal Federal em uma reunião privada, e sua fala acabou por vir a público. “Se em 30 dias não tirarem os caras, nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra.”

Decerto é difícil precisar se uma declaração assim constitui mera bravata impensada —uma boçalidade protegida pela liberdade de expressão— ou se representa de fato uma incitação. Com ruralistas e caminhoneiros, o cantor planejava um ato em apoio a Bolsonaro e à bandeira do voto impresso.

Cumpre notar que a ação da PF foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, alvo de um pedido de impeachment apresentado pelo presidente, e pedida pela Procuradoria-Geral da República —numa exceção à costumeira complacência da instituição durante o mandato de Augusto Aras.

Já o mundo político ainda hesita em uma resposta mais dura aos arreganhos bolsonaristas. Não está claro, até aqui, como o Senado deliberará sobre a indicação de André Mendonça ao Supremo; o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), indicou que pretende dar nova chance a um encontro entre os chefes dos Poderes.

Reunidos nesta segunda (23), os governadores também preferiram uma atitude acomodatícia, defendendo o entendimento entre as cúpulas de Executivo, Legislativo e Judiciário para superar a crise.

Percebem-se a cautela e a preocupação em não acirrar ainda mais os ânimos, mas acredite quem quiser em diálogo com Bolsonaro.

Desastre repetido

Folha de S. Paulo

Estiagem e ação humana provocam outro ano de queimadas recordes no Pantanal

Após sofrer uma hecatombe em 2020, quando cerca de um terço de sua superfície foi consumida por chamas, o Pantanal caminha para repetir o maior desastre ambiental de sua história documentada.

Dados compilados pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostram que a destruição da mais extensa planície alagada do planeta segue ritmo semelhante ao do ano passado.

De 1º de janeiro deste ano até sábado (21), já haviam sido devastados pelo fogo 261.800 hectares do bioma —uma área praticamente igual à queimada no mesmo período de 2020, equivalente a duas vezes a do município do Rio.

Embora seja o menor dos seis biomas do país, com 150 mil km², o Pantanal concentra biodiversidade exuberante, com mais de 600 espécies de aves e mil de borboletas.

Tem como característica mais marcante as cheias que se iniciam em fevereiro e chegam a alagar mais de 90% da região, avançando lentamente de Mato Grosso para a porção sul-matogrossense.

Porém em 2021, o terceiro ano consecutivo de estiagem severa, as chuvas foram insuficientes para recuperar rios e inundar baías e corixos. O mais importante rio do Pantanal, o Paraguai, registrou no dia 20 de agosto em Cáceres (MT) seu nível mais baixo, 0,44 metro. A média para a época é de 1,49 metro.

Essa tragédia hídrica, conquanto pareça atingir o ápice agora, vem sendo engendrada ao longo das últimas décadas. De 1985 a 2020, o Pantanal perdeu assombrosos 74% de superfície de água, segundo levantamento recente do MapBiomas Água. O fenômeno não apenas compromete toda a dinâmica ecológica do bioma como favorece a propagação de incêndios.

À seca se soma a mão do homem. Relatório do Instituto Centro de Vida mostrou que, em 2020, 46% da área incendiada ocorreu em propriedades registradas no Cadastro Ambiental Rural, e outros 7%, em assentamentos rurais, ou seja, terra ocupada —evidência de que queimadas surgiram de maneira intencional e criminosa.

Tal situação, tudo indica, vai se repetindo neste ano. Em meio às chamas que ora castigam a cidade de Corumbá (MS), o governo estadual declarou que “infelizmente, há indícios de ação (des)humana”.

Faltando pouco para o início de setembro, quando os focos de incêndio costumam atingir o pico, é urgente que o poder público se mobilize para evitar nova catástrofe.

É abuso reajustar Fundo Eleitoral acima da inflação

O Globo

Em mais um sinal de desconexão absoluta da vontade popular, parte dos parlamentares se mobiliza para garantir ao menos R$ 4 bilhões para as campanhas eleitorais de 2022. Depois de o presidente Jair Bolsonaro acertadamente vetar trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que destinava R$ 5,7 bilhões ao fundo eleitoral, o Congresso, infelizmente, se prepara agora para contra-atacar.

O valor pretendido é mais que o dobro do que os candidatos tiveram para gastar em 2018 . Nada justifica um aumento maior que a simples correção pelo índice de inflação. Considerando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde 2018 e a projeção para os próximos 12 meses, o valor não deveria exceder os R$ 2,1 bilhões, como defende Bolsonaro.

O debate até aqui tem sido marcado pela confusão de parâmetros. Alguns parlamentares têm argumentado que os gastos no ano que vem não podem ficar no mesmo patamar que o registrado em 2020, de R$ 2 bilhões. A justificativa é que se trata de uma eleição geral. Serão eleitos deputados federais, estaduais, distritais, senadores, governadores e o presidente da República. Portanto, seguem os defensores dessa tese, um pleito mais caro que o municipal, que escolheu apenas prefeitos e vereadores em 2020. Os congressistas esquecem apenas que o ponto de comparação para 2022 é 2018, quando se gastou R$ 1,7 bilhão.

O curioso — e triste —nessa discussão é a ausência de um debate respaldado por planilhas de custos e análises independentes sobre a eficiência do gasto em disputas anteriores. As campanhas eleitorais no Brasil são consideradas paupérrimas quando comparadas às de outros grandes países de renda média? Existe alguma evidência de que as disputas e o debate democrático aqui sejam prejudicados por falta de dinheiro? Ao que parece, nenhuma.

A choradeira dos congressistas fica ainda mais escandalosa quando se constata que, hoje, as campanhas eleitorais são imensamente mais baratas do que já foram, quando a legislação eleitoral permitia a impressão de vasto material gráfico e previa mais tempo de propaganda eleitoral em rádios e televisões. O custo de produção de material para internet e redes sociais é muito menor, sem nenhuma perda de eficácia na transmissão da mensagem política — ao contrário.

Deputados e senadores interessados em aumentar o dinheiro que poderá ser gasto no ano que vem discutem agora a melhor maneira de reverter o veto presidencial. Dando continuidade à aprovação do Orçamento, o governo federal deverá mandar em breve ao Congresso a proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA), que fixa quanto poderá ser gasto em cada rubrica no próximo ano, informando de onde virão os recursos. É provável que Bolsonaro mantenha a posição de corrigir pela inflação os valores de 2018.

Com o país mergulhado na maior crise econômica da sua história, desempregados e desalentados em patamar recorde, há seguramente necessidades mais urgentes do que aumentar o dinheiro público disponível às campanhas eleitorais. A melhor forma para deputados e senadores conquistarem a própria reeleição não é garantir mais dinheiro para as campanhas, mas tratar de dar soluções aos problemas reais que afligem a população.

Resistência à venda do Capanema ignora papel cultural do setor privado

O Globo

Na gritaria que se armou contra a venda do Palácio Gustavo Capanema, símbolo da arquitetura modernista no Centro do Rio, havia argumentos razoáveis. O mais convincente é que ela interromperia uma reforma em andamento que prevê, além da preservação do edifício e das obras de arte a ele integradas, a destinação a atividades públicas, boa parte rentáveis, sem colocar no lugar uma estratégia equivalente. Infelizmente, o plano de vender o Capanema foi massacrado pelas razões erradas. Atacou-se a venda como se a transferência da propriedade ao setor privado equivalesse à destruição do patrimônio cultural. Nada mais distante da realidade.

Não faltam exemplos bem-sucedidos de monumentos arquitetônicos mantidos pelo setor privado. É o caso de um prédio igualmente importante na história da arquitetura brasileira: a sede do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista. Projetada por Lina Bo Bardi, também é “objeto de estudo em faculdades”, “símbolo da cidade”, “tesouro da cultura”, “marco”, “patrimônio nacional”, “atração turística” e tudo o que se diz do edifício idealizado por Lucio Costa e outros modernistas sob supervisão de Le Corbusier.

O fato de o Masp ser mantido por uma instituição privada nunca diminuiu nenhum desses atributos. Pelo contrário. No mês que vem, começam as obras de seu anexo, orçadas em R$ 180 milhões, 90% garantidos via doações privadas. A previsão de entrega é em 2024. A reforma do Capanema já custou mais de R$ 100 milhões aos cofres públicos, dura sete anos — e o prédio segue fechado.

No mundo todo, empresas e fundações são essenciais para difusão da cultura e preservação do patrimônio. Os exemplos vão de Bilbao a Nova Délhi. Um dos ícones do modernismo americano é a rotunda que Frank Lloyd Wright projetou para o Guggenheim, museu privado em Nova York. O Met, principal museu nova-iorquino, é outro mantido pelo capital privado. Em São Paulo, depois da privatização do Banespa, seu edifício-símbolo, rebatizado Farol Santander, passou a receber milhares de visitantes. Também no Rio não faltam exemplos de obras arquitetônicas criadas ou preservadas com apoio do setor privado, caso do Museu de Arte do Rio (MAR) — parte dele fica num prédio tombado, o Palacete Dom João VI — e do Museu do Amanhã, projeto do espanhol Santiago Calatrava.

Antes de a comoção em torno do Capanema ganhar proporções histéricas, o secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, disse ao GLOBO que “caso houvesse interesse da iniciativa privada em acolher o prédio, isso com certeza viria com uma série de encargos, inclusive a obrigação de abertura à população do jardim suspenso do Burle Marx, para visitação dos painéis de Portinari”.

É inevitável que a situação fiscal crítica da União continue a atrasar a reforma do Capanema. Foi por isso espantosa, no debate dos últimos dias, a ausência de defensores da venda do edifício, desde que em termos que garantam a preservação e o caráter público desse patrimônio cultural inestimável.

Polêmicas de Ribeiro ignoram os desafios da educação

Valor Econômico

Coleção de equívocos acumulados em quase 14 meses no cargo é ampla

Milton Ribeiro manteve-se quieto por muito tempo, o suficiente para se desconfiar que o Brasil não tinha um ministro da Educação. Engano: Ribeiro ultimamente se esforça para não ficar atrás de seus péssimos antecessores na pasta, Ricardo Velez Rodrigues e o indescritível Abraham Weintraub. O mais recente movimento de Ribeiro foi um ataque ao sonho dos estudantes de cursar a universidade, ignorando que quem tem curso superior ganha até o dobro de quem concluiu o médio. Mas a coleção de equívocos acumulados em quase 14 meses no cargo é ampla.

No fim de semana Ribeiro voltou à carga nas críticas à busca por uma formação universitária. O ministro disse, no interior de São Paulo, que os estudantes usam financiamento para pagar o curso universitário e depois ficam endividados “porque não têm emprego”. Anteriormente já havia falado que “a universidade deveria, na verdade, ser para poucos”, e que havia muitos engenheiros trabalhando no Uber porque não encontravam emprego. Com o mesmo alheamento e soberba ignorância do presidente e de alguns ministros, Ribeiro disse que são os ricos que custeiam as universidades públicas, como se o ICMS (que banca a USP, por exemplo) fosse um tributos sobre as elites. Lava as mãos para a existência de quase 15 milhões de desempregados.

Nas mesmas ocasiões, o ministro também defendeu o ensino técnico como mais eficiente, indicando a Alemanha como modelo. A Alemanha, porém, tem mais universitários do que o Brasil, 30% da população em comparação com 20% no Brasil. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média é de 44% de universitários. Em relação ao ensino técnico tão defendido, não consta investimento digno de nota na área feito pelo governo Bolsonaro.

A questão da formação técnica já foi enfrentada quando se elaborou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que poderia ter sido o mecanismo mais adequado para Ribeiro colocar sua posição. Sabe-se que há realmente uma distância entre a mão de obra que as empresas demandam atualmente e o ensino oferecido. Com a flexibilidade proporcionada pela BNCC, é possível reforçar as áreas de formação mais necessárias, inclusive técnicas profissionalizantes.

Ribeiro, em outro acesso, criticou a participação de crianças especiais nas salas de aulas, argumentando que prejudicavam o avanço do ensino das demais e que era difícil conviver com algumas delas, uma fala que ignora as vantagens da inclusão para todas as crianças, e até estranha para o pastor presbiteriano que é. Foram declarações tão chocantes que o levaram a pedir desculpas públicas dias depois.

Ao perder tempo com temas desse tipo, Milton Ribeiro deixa de enfrentar as questões centrais da sua pasta, a respeito das quais poderia fazer muitas coisas e não faz - outra característica comum ao governo Bolsonaro. Uma delas é a volta ao ensino presencial. Aparentemente, o ministro se deu conta do assunto ao participar de uma reunião internacional em que descobriu que o Brasil era um dos países em que os estudantes ficaram mais tempo sem aula presencial - durante a pandemia nada disse a respeito, como se o assunto não tivesse relação com sua área. Passou então a falar sobre a necessidade da retomada nas escolas, atribuindo a demora em tomar providências aos governos estaduais e municipais. Ao mimetizar seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, o ministro passou então a defender, enfim, a volta das aulas presenciais - desde que sem a obrigatoriedade da vacina.

Quando Ribeiro assumiu o cargo, as escolas estavam fechadas havia cerca de três meses por causa da pandemia. Secretários e especialistas cobram desde o ano passado uma coordenação federal para garantir a infraestrutura adequada para a volta às aulas presenciais com segurança e conectividade para alunos e plataformas educacionais. Neste ano, a comissão externa da Câmara dos Deputados constatou que o ministério não usou nenhum centavo do R$ 1,2 bilhão reservado para ações de apoio à infraestrutura da educação básica.

A pandemia deixa um legado de mais evasão escolar, defasagem na aprendizagem entre ensino público e privado, desaparelhamento da rede pública. Ribeiro nada faz de relevante contra isso e prefere tocar adiante projetos secundários como o homeschooling.

 

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