sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Vera Magalhães - Vai ter eleição; mas e depois?

O Globo

Jair Bolsonaro não tem meios para promover um golpe à 1964. Essa avaliação é unânime entre ministros do Supremo Tribunal Federal, generais comprometidos com a democracia, parlamentares, pré-candidatos a presidente, historiadores, cientistas políticos e empresários.

Diferentemente da época em que os generais puseram os tanques na rua e instauraram uma longa e nefasta ditadura de 21 anos, o mundo não vive mais uma Guerra Fria. Não haverá, portanto, apoio, explícito ou velado, de qualquer potência mundial a uma quartelada vinda de um capitão reformado do Exército e de uma parcela das Forças Armadas, com acréscimo, vá lá, de setores sublevados das polícias militares.

Outra importante demonstração de que não há na sociedade caldo de cultura para fermentar o golpismo consentido de outrora foi o manifesto em defesa da realização das eleições divulgado nesta semana, com apoio de pesos pesados do empresariado, do sistema financeiro, das artes e da academia. Não haverá, portanto, o braço empresarial do golpe, como houve em 64 e ao longo dos Anos de Chumbo.

Ainda assim, a situação que o Brasil vive é de múltiplas fraturas no estado democrático de direito, e elas levarão muito tempo para cicatrizar. Isso se não deixarem sequelas permanentes, com graves consequências sociais, econômicas, políticas e civilizacionais.

Que Bolsonaro continuará agindo diariamente, até outubro de 2022, para ameaçar as eleições e provocar balbúrdia entre os Poderes, está dado. O Judiciário já caiu em si e dá benfazeja demonstração de compromisso constitucional com sua reação coesa e com a dureza necessária.

Luiz Fux fez o necessário ao desmarcar mais uma reunião de cúpula dos Poderes, expediente a que Bolsonaro sempre recorre de forma cínica para validar seus arreganhos golpistas, tendo os presidentes do Judiciário e do Legislativo como coadjuvantes de fotos, para no dia seguinte voltar a barbarizar sem ser contido. Não mais, disse Fux. Antes tarde do que nunca.

Mas qual o horizonte para o cabo de guerra entre esses dois Poderes? Dificilmente o inquérito das fake news, em que Bolsonaro foi incluído, levará a que o presidente de fato vire réu. Porque à frente do Ministério Público Federal está alguém conivente com os arroubos golpistas do presidente, chamado Augusto Aras. E porque a Câmara, sob Arthur Lira, é uma Casa disposta a patrocinar as obsessões do presidente, desde que mediante pagamento adiantado na forma de emendas, fundão eleitoral e outras benesses.

Então, a não ser que a coisa escale muito, Bolsonaro será candidato em 22. E tem chance de ser competitivo, caso consiga arrombar os cofres públicos com uma mãozinha de Paulo Guedes e pagar um Bolsa Família de R$ 400 que não cabe no Orçamento, a menos que se mandem às favas os escrúpulos fiscais.

Ganhe ou perca, Bolsonaro terá de tal forma incitado o caos e a desconfiança de largos setores da sociedade nas instituições, a radicalização do discurso e das relações, que poderá desencadear um “efeito 2013” bastante amplificado.

Desordem social pré e pós-eleitoral. Isso num país atingido em cheio pelas mortes da pandemia e pelo desmantelamento da economia.

O projeto bolsonarista de destruição avançou até aqui, um ponto que ninguém poderia vislumbrar antes de sua eleição. O ponto positivo, que faz com que 1964 seja um tento difícil de o presidente golpista lograr, é que cada vez mais setores que estavam em inexplicável letargia estão acordando e reagindo. Vai ter eleição, sim. O que temos de fazer agora é começar a cuidar da cura pós-Bolsonaro.

 

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