O Globo
Jair Bolsonaro não tem meios para promover
um golpe à 1964. Essa avaliação é unânime entre ministros do Supremo Tribunal
Federal, generais comprometidos com a democracia, parlamentares, pré-candidatos
a presidente, historiadores, cientistas políticos e empresários.
Diferentemente da época em que os generais
puseram os tanques na rua e instauraram uma longa e nefasta ditadura de 21
anos, o mundo não vive mais uma Guerra Fria. Não haverá, portanto, apoio,
explícito ou velado, de qualquer potência mundial a uma quartelada vinda de um
capitão reformado do Exército e de uma parcela das Forças Armadas, com
acréscimo, vá lá, de setores sublevados das polícias militares.
Outra importante demonstração de que não há na sociedade caldo de cultura para fermentar o golpismo consentido de outrora foi o manifesto em defesa da realização das eleições divulgado nesta semana, com apoio de pesos pesados do empresariado, do sistema financeiro, das artes e da academia. Não haverá, portanto, o braço empresarial do golpe, como houve em 64 e ao longo dos Anos de Chumbo.
Ainda assim, a situação que o Brasil vive é
de múltiplas fraturas no estado democrático de direito, e elas levarão muito
tempo para cicatrizar. Isso se não deixarem sequelas permanentes, com graves
consequências sociais, econômicas, políticas e civilizacionais.
Que Bolsonaro continuará agindo
diariamente, até outubro de 2022, para ameaçar as eleições e provocar balbúrdia
entre os Poderes, está dado. O Judiciário já caiu em si e dá benfazeja
demonstração de compromisso constitucional com sua reação coesa e com a dureza
necessária.
Luiz Fux fez o necessário ao desmarcar mais
uma reunião de cúpula dos Poderes, expediente a que Bolsonaro sempre recorre de
forma cínica para validar seus arreganhos golpistas, tendo os presidentes do
Judiciário e do Legislativo como coadjuvantes de fotos, para no dia seguinte
voltar a barbarizar sem ser contido. Não mais, disse Fux. Antes tarde do que
nunca.
Mas qual o horizonte para o cabo de guerra
entre esses dois Poderes? Dificilmente o inquérito das fake news, em que
Bolsonaro foi incluído, levará a que o presidente de fato vire réu. Porque à
frente do Ministério Público Federal está alguém conivente com os arroubos
golpistas do presidente, chamado Augusto Aras. E porque a Câmara, sob Arthur
Lira, é uma Casa disposta a patrocinar as obsessões do presidente, desde que
mediante pagamento adiantado na forma de emendas, fundão eleitoral e outras
benesses.
Então, a não ser que a coisa escale muito,
Bolsonaro será candidato em 22. E tem chance de ser competitivo, caso consiga
arrombar os cofres públicos com uma mãozinha de Paulo Guedes e pagar um Bolsa
Família de R$ 400 que não cabe no Orçamento, a menos que se mandem às favas os
escrúpulos fiscais.
Ganhe ou perca, Bolsonaro terá de tal forma
incitado o caos e a desconfiança de largos setores da sociedade nas
instituições, a radicalização do discurso e das relações, que poderá
desencadear um “efeito 2013” bastante amplificado.
Desordem social pré e pós-eleitoral. Isso
num país atingido em cheio pelas mortes da pandemia e pelo desmantelamento da
economia.
O projeto bolsonarista de destruição
avançou até aqui, um ponto que ninguém poderia vislumbrar antes de sua eleição.
O ponto positivo, que faz com que 1964 seja um tento difícil de o presidente
golpista lograr, é que cada vez mais setores que estavam em inexplicável
letargia estão acordando e reagindo. Vai ter eleição, sim. O que temos de fazer
agora é começar a cuidar da cura pós-Bolsonaro.
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