segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Ana Cristina Rosa - Uma mesma nação, muitos Brasis

Folha de S. Paulo

Há a nação dos povos originários, dos trabalhadores, dos pretos e pardos e dos que desfrutam de privilégios e se julgam no direito de tudo

Entre outras coisas, uma nação é definida por suas tradições, costumes e características sociais, políticas e culturais que compõem a identidade do povo. No caso brasileiro, nunca esteve tão claro que somos uma mesma nação na qual coexistem muitos Brasis.

Há o Brasil dos povos originários, que há mais de 500 anos lutam para defender o próprio direito à vida e seus territórios constantemente invadidos, ocupados e explorados ilegalmente.

Há a pátria dos trabalhadores que por mais que se esforcem não conseguem garantir uma vida digna aos seus frente a uma inflação galopante e prestes a alcançar a casa dos dois dígitos ano.



Tem também o país dos mais de 14 milhões de desempregados, que sonham em receber ao menos o salário mínimo, dos 5,6 milhões de desalentados, que desistiram de procurar uma recolocação, e da população em situação de rua, que aumentou na pandemia.

Existe a terra natal dos milhões de pretos e pardos descendentes de africanos escravizados e depois largados à própria sorte a perambular sem destino pelas ruas de uma pátria que há séculos criminaliza quem anda por aí a “vadiar”, mas nunca soube oferecer alternativas reais de desenvolvimento social como contrapartida pela usurpação da liberdade.

Há o território dos que se sentem superiores e se julgam no direito de condenar e até de fazer justiça com as próprias mãos, amarrando, arrastando e agredindo um quilombola a pontapés. Esse é o país no qual uma Câmara de Vereadores, a de Santarém, no Pará, considera aceitável render homenagem a descendentes de confederados, os racistas escravocratas sulistas dos EUA que se instalaram aqui depois de perderem a Guerra Civil no século 19.

E há o Brasil dos que desfrutam de privilégios, defendem a meritocracia, falam que preconceito racial é “mimimi”, são contra ações afirmativas, acreditam em “racismo reverso”, não veem problema em pagar mais caro pela conta de luz e defendem a educação para poucos.

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