sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Armando Castelar Pinheiro* - Um PIB sem surpresas

Valor Econômico

Há incerteza sobre os impactos do clima e preocupação com os efeitos da forte alta no risco político

O PIB divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE, com contração de 0,05% no segundo trimestre, ante o anterior, gerou consternação e levou a revisões, para baixo, das projeções de crescimento para este e o próximo ano. O principal motivo para isso foi o resultado ter vindo não apenas negativo, mas abaixo das previsões, que apontavam para alta de 0,17%, na média das 61 instituições consultadas pelo Valor (globo/3zEaDy4).

Quanto essa aparente surpresa com o resultado do PIB justifica essa reação? Nada, ou muito pouco, julgo eu. Os analistas parecem estar focando no viés de suas previsões; mas, como lembram D. Kahneman, O. Sibony e C. Sunstein em seu ótimo “Noise: A Flaw in Human Judgement”, o julgamento humano, especialmente o preditivo, é em geral não apenas viciado, mas também “noisy” - ou seja, não costuma acertar o alvo, mesmo quando é não viciado.

O que aconteceu desta vez, viés ou a variância implícita em qualquer previsão? Ora, o desvio padrão das 61 projeções coletadas pelo Valor é de 0,17 ponto percentual (p. p.). Portanto, qualquer intervalo de confiança razoável conteria o resultado do PIB obtido pelo IBGE. Podemos concluir, assim, que o resultado veio em linha com as previsões do mercado, revelando, como apontaram Anaïs Fernandes e Marta Watanabe no Valor, “atividade estável”, “com avanço dos serviços e declínio de indústria e agropecuária”.

Dessa forma, a pergunta que me parece mais interessante é: que fatores levaram os analistas a preverem essa estabilidade da atividade e como esses fatores devem se comportar à frente?

Pelo lado da demanda, houve otimismo com os componentes domésticos e pessimismo quanto aos externos. Começando por estes últimos, constata-se que as exportações de bens e serviços (+9,4%) aumentaram acima do esperado (+6,4%), enquanto as importações caíram (-0,6%), em vez de subir (+5,9%), como se esperava. Isso significa que a demanda externa, sozinha, teria levado a alta do PIB de cerca de 2 p. p.

A surpresa com as importações se relaciona com o resultado também ruim do investimento, que caiu 3,6%, mais do que os 2,2% previstos. Como explica Leonardo M. de Carvalho, do Ipea, essa queda é uma questão contábil: “As importações (de máquinas e equipamentos) caíram 65,9% no segundo trimestre, afetadas pela alta base de comparação no primeiro trimestre do ano, quando o impacto das importações de plataformas de petróleo associadas às mudanças no regime aduaneiro Repetro ainda foi bastante significativo” (ver bit.ly/3mXbxSM). De fato, a produção nacional de máquinas e equipamentos teve alta de 3,4%, enquanto a construção civil cresceu 11,2%, nas contas do Ipea, mostrando que foi, domesticamente, um bom trimestre para o investimento.

A principal decepção, na verdade, foi com o consumo. O do governo até veio em linha, com expansão de 0,7%, contra projeção de +0,8%, mas o das famílias frustrou, ficando estagnado, quando se previa alta de 1,2%. A escalada inflacionária, corroendo o poder aquisitivo das famílias, em contexto em que o emprego permaneceu bem abaixo do nível pré-pandemia, foi um dos motivos para isso. Porém, o fato de a taxa de poupança ter sido a mais alta em toda série histórica disponibilizada pelo IBGE, começando em 2000, indica que não foi a falta de renda que inibiu o consumo.

Muito mais importante foi a segunda onda da pandemia, que teve seu ápice justamente no segundo trimestre. Isso não apenas fez as pessoas quererem sair menos, como levou à imposição oficial de restrições a certas atividades. Esse é exatamente o padrão que observamos em outros países. A Área do Euro, por exemplo, teve queda do PIB no primeiro trimestre (-0,3%), no auge da pandemia por lá, crescendo 2% no segundo, quando a vacinação liberou as atividades. A Ásia, por sua vez, deve ir mal no 3º tri, quando verá o pico de sua segunda onda.

Pelo lado da oferta, o desempenho da indústria veio melhor que o previsto, com queda de -0,2%, em vez do -1,5% previsto, ainda que a indústria de transformação, com a falta de componentes, tenha caído mais (-2,2%). A agropecuária veio um tanto pior, contraindo 2,8%, contra previsão de -2,5%, resultado explicado pela geada de junho e a falta de chuvas, que também causou a retração de eletricidade e outros serviços industriais (-0,9%).

Mais frustrante foi o desempenho dos serviços, de longe o setor mais importante, que cresceu 0,7%, contra projeção de 0,9%. O setor de serviços é, de fato, o único em que o nível de atividade ficou, no trimestre passado, abaixo do nível do 4º tri de 2019 (-0,9%). E, dentro dos serviços, a recuperação segue incompleta apenas em transportes (-1,0%), administração pública (-4,5%) e demais serviços (-7,2%), de longe os setores mais afetados pela pandemia.

Olhando à frente, há, portanto, espaço para otimismo com a recuperação dos serviços, com o avanço da vacinação. Por outro lado, há incerteza sobre os impactos do clima (chuva!) e a normalização no fornecimento de componentes, e motivo para preocupação com os efeitos negativos da forte alta no risco político. O que vai prevalecer saberemos depois, mas sigo um pouco mais otimista que a mediana de meus colegas.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

 

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