sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Claudia Safatle - O manifesto da Fiesp e a “viúva Porcina”

Valor Econômico

Avalia-se se ainda é necessária a divulgação do documento, depois que ele já foi publicado de maneira não oficial e teve repercussão inesperada na imprensa

Mesmo depois das manifestações de desagrado do governo Bolsonaro e, em particular, das ameaças do presidente da Caixa, Pedro Guimarães, aos bancos, não houve retirada de assinaturas do manifesto dos empresários, conduzido pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Ao contrário, na terça-feira, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, enviou e-mail às entidades empresariais reabrindo o prazo de adesão para até hoje, sexta-feira, sob o argumento de que, além das representações do setor privado que haviam apoiado o manifesto, inúmeras outras deixaram claro o desejo de serem signatárias. “Em menos de 24 horas recebemos mais de 200 adesões das mais representativas entidades brasileiras. Dezenas de outras entidades também manifestaram interesse em participar”, diz o e-mail assinado por Skaf.

Nem mesmo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), depois de alguns banqueiros terem recebido ameaças do presidente da Caixa de serem excluídos de negócios com o banco estatal - segundo reportagem da jornalista Malu Gaspar, publicada em “O Globo” -, retirou ou pretendia retirar sua adesão aos termos do manifesto. Aliás, Caixa e Banco do Brasil falaram em se desfiliar da Febraban, em protesto, caso a entidade mantivesse apoio ao texto, e pediram, ontem, uma nova reunião do conselho da federação para rediscutir o tema, o que foi negado. No fim do dia de ontem a Febraban soltou nota reafirmando os termos do manifesto e se desvinculando da Fiesp. O que significa que os bancos não se associam a eventual decisão da indústria de não mais divulgar oficialmente o texto.

Sob o título “A Praça é dos Três Poderes”, o texto, que seria divulgado na terça-feira passada, teve a publicação adiada, por decisão de Skaf, para depois do dia 7 de setembro, a pedido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sob pena de acirrar ainda mais os ânimos já beligerantes que ameaçam as manifestações do 7 de setembro. A mera leitura do manifesto não encontra razões para a reação do governo, a não ser a força das entidades que o apoiam.

O manifesto chama a atenção para o clima de tensão e de hostilidade criado pelas autoridades da República, não cita nomes, pede “serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional” e, sobretudo, foco nas medidas de combate à pandemia, de recuperação da economia e de superação das carências sociais.

Skaf teria dito para autoridades da área econômica que teve que atuar para amenizar as críticas feitas em um rascunho produzido na Febraban. A federação dos bancos nega que tenha participado da elaboração de um texto que contivesse ataques ao governo ou oposição à atual política econômica.

Tudo começou com um pequeno grupo de banqueiros e de empresários do setor produtivo que discutia o que fazer para interromper a escalada da irracionalidade que nos leva ao risco de uma ruptura institucional. Alguns já haviam assinado o manifesto de teor semelhante que tinha também o apoio de economistas, profissionais liberais e nomes representativos da cultura nacional. Era preciso, agora, ir além e envolver o setor empresarial nas suas mais diversas áreas.

Na semana passada discutiu-se o texto, e a Fiesp passou a ser protagonista do manifesto. Enviou e-mail a todas as entidades filiadas com o seu teor, assumiu os custos de sua divulgação na mídia e deu prazo para uma resposta de concordância até sexta feira, dia 27 de agosto, às 17 horas.

No sábado, Lauro Jardim, de “O Globo”, noticiou em sua coluna que Caixa e Banco do Brasil se desfiliariam da Febraban se ela se mantivesse como signatária do manifesto. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, avalizaram a decisão, concebida por Pedro Guimarães. O argumento é o de que a federação dos bancos está assumindo uma decisão política ao ser signatária de um manifesto que pede serenidade, diálogo e respeito à harmonia e equilíbrio dos três Poderes.

No fim de semana Lira ligou para Skaf, que pretendia divulgar o manifesto na terça-feira, para que suspendesse ou adiasse a data da sua publicação. O presidente da Fiesp adiou a divulgação, mas não marcou uma nova data.

Duas coisas aconteceram nesse episódio: 1) a reação do governo foi de tal ordem que deu uma visibilidade ao manifesto que provavelmente ele não teria, de uma semana de noticiário na mídia; e 2) expôs com clareza o modus operandi do governo, principalmente através da atuação do presidente da Caixa.

Avalia-se se ainda é necessária a divulgação do documento, depois que ele já foi publicado de maneira não oficial e teve repercussão inesperada na imprensa. Se isso ocorrer, será o manifesto “viúva Porcina” - aquela que foi sem nunca ter sido.

Havia, no fim do dia de ontem, intensa negociação para ver como solucionar esse caso sem que o desfecho gere grandes perdas.

Exemplo: na guerra de manifestos, se o da Fiesp não for mais publicado, a Caixa e o Banco do Brasil permaneceriam filiados à Febraban?

Há uma maneira mais dramática de ver todo esse episódio, olhando para o que pode acontecer no dia 7 de setembro.

 

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