sexta-feira, 24 de setembro de 2021

César Felício - Os fracos não têm vez

Valor Econômico

Erros de Bolsonaro o tornam menor do que o antipetismo

 “O Congresso não perdoa quem está fraco”. Com essa frase, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), reajusta suas previsões para as eleições do próximo ano. Até o ano passado, Casagrande estava pessimista com as perspectivas da oposição. Em conversa com este colunista, ele fez um prognóstico sombrio para quem é contra o presidente Jair Bolsonaro: “Vamos pensar em 2026. Melhor esquecer que existe 2022”, disse na ocasião.

Mais do que a pandemia, mais do que a economia anêmica, mais do que os arroubos golpistas do presidente, o que faz o governador capixaba a analisar o cenário de modo diferente é a captura do Orçamento pelo Congresso.

Casagrande não diz, mas o mercado também não perdoa governo fraco. Diante de um governo fraco, o teto de gastos se torna um anátema. Fica claro que há uma desconfiança profunda de que a equipe de Paulo Guedes consiga entregar o que vende: reformas do Estado que sejam de fato efetivas, contenção da despesa pública de modo estrutural, privatizações. Sobra a defesa do teto de gastos como a âncora.

Como pode um governo fraco e sem credibilidade flexibilizar o teto de gastos sem que a economia derreta? Não pode. É impossível, impensável. Por isso o mercado aceita melhor uma pedalada nos precatórios, como a que está sendo armada neste instante, do que uma solução mais simples, que seria a retirada dos precatórios do teto de gastos, como propõe o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), já que se trata de uma despesa obrigatória. Mas essa é uma solução inviável. Bolsonaro é um refém do mercado.

Se tivesse força, o governo também poderia enquadrar o Congresso, acabar com a farra das emendas de relator, aprovar a toque de caixa reformas de Estado drásticas e pagar os precatórios como corresponde, sem mexer no teto. Isso também é impossível. Bolsonaro é um refém dos hierarcas do Congresso.

Um governo fraco é conveniente por algum tempo, mas é um veio que se esgota, como ouro de aluvião. Faiscagem tem baixo rendimento. Os aliados de circunstância do presidente sabem o que podem conseguir estando do lado do governo e são capazes de sentir para onde o vento sopra.

Certa vez, em entrevista ao Valor, o ministro Ciro Nogueira disse que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, era “a pessoa mais solidária ao inevitável”, referindo-se à eleição de 2022. Ciro Nogueira está certo. A frase vale para ele também e para o Progressistas. O inevitável também é muito sedutor aos agentes da economia.

O ministro da Casa Civil, semanas antes de entrar no governo, acreditava - como Casagrande há algum tempo - que a eleição do próximo ano seria um passeio no bosque para Bolsonaro. Sentia-se confortável porque entendia que estava pegando um vento de cola.

“O Brasil vai crescer perto de 5% neste ano. Quem elege e reelege presidente é a economia. Vamos fazer um grande programa para ajudar as pessoas substituindo o Bolsa Família”, afirmou a Renan Truffi, Fernando Exman e Vandson Lima em 30 de maio, dois meses antes de ir para o Planalto. Bolsonaro, contudo, não tem instrumentos na mão para repetir a mágica de 2020, com um auxílio de R$ 600 na veia dos menos favorecidos. Onde está a margem? É fraco para romper o teto, é também fraco para criar espaço cortando outras despesas. Está difícil garantir até os R$ 300 anunciados. O que surge no horizonte é um pouco diferente de “um grande programa para ajudar as pessoas”.

Nada indica que a economia vá ajudar Bolsonaro como se pensava pouco tempo atrás. A Selic sobe, afetando as expectativas, e não se espera que o Banco Central de Roberto Campos Neto, por mais que tenha se mostrado muito próximo do universo da política, vá produzir uma virada de mão.

Por esse conjunto da obra a discussão por uma terceira via não se encerra nunca, por mais que as pesquisas desde março apontem a polarização consolidada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. A terceira via, em síntese, é uma articulação que, se bem sucedida, remove Bolsonaro da condição de candidato anti-Lula.

É por essa razão que Ciro Gomes sobe em boleia de caminhão, faz discurso com a Bíblia em punho, grava entrevistas com blogueiros de direita e bate sem parar no PT. Está de olho no eleitor antipetista., muito mais numeroso que o bolsonarista.

Por isso o governador de São Paulo, João Doria, começou a desviar o foco da sua artilharia de Bolsonaro para Lula. Tanto um como o outro percebem que o eleitor que repudia Lula pode procurar um candidato menos tóxico do que o atual presidente. O governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite vai pelo mesmo caminho, mas de maneira mais contida, dada as suas diferenças de estilo com Ciro e Doria.

“E é por se sentir ameaçado que Bolsonaro bate tanto nos governadores”, diz Casagrande. A pandemia de covid-19, que forçou a decretação de medidas restritivas, deixou os governadores contra as cordas. À medida em que ela arrefece - o colapso sugerido pela variante delta está demorando a chegar - os governadores sentem que jogam com o tempo a seu favor.

“O que era considerado um problema no passado, como o fechamento do comércio, a restrição de serviços, pode se tornar qualidade. Os governadores passam a ser vistos como os que enfrentaram de fato a pandemia”, comentou Casagrande, moderadamente otimista. Ele não acredita em repique da doença no que resta do ano, mas não se atreve a dizer que o pesadelo não se repetirá em 2022.

Se a roda da pandemia girar de novo, torna-se muito improvável a consolidação dos governadores como alternativa e ainda mais improvável a recuperação de Bolsonaro.

Um incumbente que não consegue chegar nem a 25% de intenções de voto, como demonstram os levantamentos do Ipec e do Datafolha, não sustenta a polarização.

A eleição tende a ficar com um único polo. O que vai se construindo é um cenário de vitória de Lula no primeiro turno. E sem que Lula tenha ido além de seus patamares históricos. Ele vai a um máximo de 48% no Ipec e 44% no Datafolha, e ambas as pesquisas mostram que ele parou de crescer.

A manutenção desse cenário dependerá da evolução da rejeição ao ex-presidente, hoje de 38%, estável, de acordo com a pesquisa do Datafolha. Se essa rejeição crescer, o eleitor antipetista terá que procurar um caminho. Pode ser que Bolsonaro não consiga sair do cercadinho de seus adoradores, como conseguiu em 2018.

 

 

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