sábado, 11 de setembro de 2021

Demétrio Magnoli - Política como blefe

Folha de S. Paulo

Lira, Pacheco e Fux têm o dever de ativar a máquina do equilíbrio de Poderes

Jair Bolsonaro transformou o 7 de Setembro em Dia do Blefe. Diante de seus apoiadores, em Brasília, anunciou a convocação, para a manhã seguinte, do Conselho da República. Líderes corajosos falam claramente, para o bem ou para o mal. Líderes covardes que se julgam espertos falam por senhas.

A mensagem implícita do presidente era que ele preparava a decretação do estado de sítio. De fato, ele nem mesmo convocava o Conselho de República: um blefe embrulhado no celofane de uma farsa.

O Conselho de República compõe-se do presidente da República, de seu vice, do ministro da Justiça, dos presidentes da Câmara e do Senado, dos líderes da maioria e da minoria nas duas Casas e de seis cidadãos indicados pelo Executivo e pelo Congresso. Bolsonaro não havia convidado nenhum deles para a reunião que anunciou. A reunião não aconteceu. Era tudo mentirinha, uma farsa infantil.

Nos comícios de Brasília e São Paulo, o presidente farsesco proclamou que, na tal reunião, o presidente do STF, Luiz Fux, seria compelido a “enquadrar” seu colega Alexandre de Moraes. Ocorre que não há representante do STF no Conselho da República.

O Conselho da República é pouco mais que um nada. Instituído por lei de 1990, ele aconselha o presidente sobre as hipóteses de decretação de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio. Não tem poder deliberativo.

A Constituição de 1988 foi escrita à sombra do trauma recente da ditadura militar –e, por isso, fechou os caminhos para a concentração de poder no Executivo. Sem autorização prévia de maioria absoluta na Câmara e no Senado, o presidente não pode decretar estado de sítio. Sem respaldo posterior da maioria absoluta nas duas Casas, não pode sustentar nem sequer o estado de defesa. Blefe.

Bolsonaro é um líder populista, como Trump, Viktor Orbán ou Recep Erdogan. Mas, à diferença do americano, do húngaro e do turco, carece de um grande e sólido partido político e, crucialmente, navega nas águas sujas de avassaladora impopularidade.

O populista com povo avança sobre as trincheiras da democracia, subordinando as instituições à sua vontade. O populista sem povo recua aos berros, pateticamente, rumo ao abismo. Foi essa triste figura que discursou perante um núcleo muito minoritário de fiéis iludidos no Dia do Blefe.

A Constituição define os Poderes como “independentes e harmônicos entre si”. A democracia exige Poderes independentes, mas a noção de “harmonia” pertence à tradição brasileira da conciliação por cima, do pacto das elites.

Nos últimos tempos, diante de cada desatino retórico do presidente arruaceiro, emergiu a ideia de uma “reunião entre Poderes” para evitar o choque entre eles, fabricando a tão almejada “harmonia”. No Dia do Blefe, Bolsonaro apostou tudo no expediente de tentar aterrorizar as instituições a fim de conduzi-las à mesa do conchavo entre Poderes.

O presidente encurralado agarra-se ao medo dos outros, sua improvável boia de salvação. Fux, o presidente do STF, Lira e Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, flertaram várias vezes com o conchavo entre Poderes.

Bolsonaro precisa disso para alcançar um triunfo mínimo, como o relaxamento da prisão de seus cães raivosos, ou máximo, como o intercâmbio da desistência de seu pedido de impeachment de Alexandre de Moraes pela certeza do engavetamento dos pedidos de impeachment contra ele mesmo. Paradoxalmente, porém, a espuma roxa que saiu de sua boca no Dia do Blefe sabota sua única meta realista.

A política do blefe chegou a um limite. Bolsonaro gastou as escassas cartas que tinha na manga. A foto de uma multidão de trouxas não possui dons mágicos. Lira, Pacheco e Fux têm o dever de ativar a máquina do equilíbrio de Poderes –ou seja, as engrenagens da desarmonia democrática que conduz ao julgamento político e jurídico do bufão instalado no Planalto.

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