Folha de S. Paulo
Lira, Pacheco e Fux têm o dever de ativar a
máquina do equilíbrio de Poderes
Jair
Bolsonaro transformou o 7 de Setembro em Dia do Blefe. Diante de
seus apoiadores, em Brasília, anunciou a convocação, para a manhã seguinte, do
Conselho da República. Líderes corajosos falam claramente, para o bem ou para o
mal. Líderes covardes que se julgam espertos falam por senhas.
A mensagem implícita do presidente era que
ele preparava a decretação do estado de sítio. De fato, ele nem mesmo convocava
o Conselho de República: um blefe embrulhado no celofane de uma farsa.
O Conselho de República compõe-se do
presidente da República, de seu vice, do ministro da Justiça, dos presidentes
da Câmara e do Senado, dos líderes da maioria e da minoria nas duas Casas e de
seis cidadãos indicados pelo Executivo e pelo Congresso. Bolsonaro não
havia convidado nenhum deles para a reunião que anunciou. A reunião não
aconteceu. Era tudo mentirinha, uma farsa infantil.
Nos comícios de Brasília e São Paulo, o presidente farsesco proclamou que, na tal reunião, o presidente do STF, Luiz Fux, seria compelido a “enquadrar” seu colega Alexandre de Moraes. Ocorre que não há representante do STF no Conselho da República.
O Conselho da República é pouco mais que um
nada. Instituído por lei de 1990, ele aconselha o presidente sobre as hipóteses
de decretação de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio. Não
tem poder deliberativo.
A Constituição de 1988 foi escrita à sombra
do trauma recente da ditadura militar –e, por isso, fechou os caminhos para a
concentração de poder no Executivo. Sem autorização prévia de maioria absoluta
na Câmara e no Senado, o presidente não pode decretar estado de sítio. Sem
respaldo posterior da maioria absoluta nas duas Casas, não pode sustentar nem
sequer o estado de defesa. Blefe.
Bolsonaro é um líder populista, como Trump,
Viktor Orbán ou Recep Erdogan. Mas, à diferença do americano, do húngaro e do
turco, carece de um grande e sólido partido político e, crucialmente, navega
nas águas sujas de avassaladora impopularidade.
O populista com povo avança sobre as
trincheiras da democracia, subordinando as instituições à sua vontade. O populista
sem povo recua aos berros, pateticamente, rumo ao abismo. Foi
essa triste figura que discursou perante um núcleo muito minoritário de fiéis
iludidos no Dia do Blefe.
A Constituição define os Poderes como
“independentes e harmônicos entre si”. A democracia exige Poderes
independentes, mas a noção de “harmonia” pertence à tradição brasileira da
conciliação por cima, do pacto das elites.
Nos últimos tempos, diante de cada desatino
retórico do presidente arruaceiro, emergiu a ideia de uma “reunião entre
Poderes” para evitar o choque entre eles, fabricando a tão almejada “harmonia”.
No Dia do Blefe, Bolsonaro apostou tudo no expediente de tentar aterrorizar as
instituições a fim de conduzi-las à mesa do conchavo entre Poderes.
O presidente encurralado agarra-se ao medo
dos outros, sua improvável boia de salvação. Fux, o
presidente do STF, Lira e Pacheco, presidentes da Câmara e do
Senado, flertaram várias vezes com o conchavo entre Poderes.
Bolsonaro precisa disso para alcançar um
triunfo mínimo, como o relaxamento da prisão de seus cães raivosos, ou máximo,
como o intercâmbio da desistência de seu pedido de impeachment de Alexandre de
Moraes pela certeza do engavetamento dos pedidos de impeachment contra ele
mesmo. Paradoxalmente, porém, a espuma roxa que saiu de sua boca no Dia do
Blefe sabota sua única meta realista.
A política do blefe chegou a um limite.
Bolsonaro gastou as escassas cartas que tinha na manga. A foto de uma multidão
de trouxas não possui dons mágicos. Lira, Pacheco e Fux têm o dever de ativar a
máquina do equilíbrio de Poderes –ou seja, as engrenagens da desarmonia
democrática que conduz ao julgamento político e jurídico do bufão instalado no
Planalto.
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