terça-feira, 7 de setembro de 2021

Entrevista | Steven Levitsky: ‘Ataques ao Judiciário são o primeiro passo de autocratas para tentar ficar no poder’, diz autor de ‘Como as democracias morrem’

Matheus Lara / O Estado de S. Paulo

A insistência bolsonarista no discurso de que o Brasil vive sob uma “ditadura do STF” faz o cientista político americano Steven Levitsky, coautor do celebrado best seller Como as Democracias Morrem (Zahar), deixar um alerta ao País neste 7 de Setembro: “Ataques ao Judiciário costumam ser o primeiro passo de autocratas para tentar ficar no poder”.

Em conversa com a Coluna do Estadão, ele compara as investidas de Jair Bolsonaro contra instituições democráticas a táticas de outras figuras, como o venezuelano Hugo Chávez e o atual líder turco Recep Erdogan.

“Autocratas usam a violência, às vezes até fictícia, como desculpa para tentar destruir pouco a pouco a democracia”, diz Levitsky. Para ele, o feriado desta terça tende a ser mais um capítulo ruim para a imagem do País no exterior. “A imagem do Brasil como uma democracia de sucesso foi manchada.”

Leia a entrevista completa abaixo:

Por que uma liderança que está na política há décadas, como Bolsonaro, tenta convencer seguidores de que agora as regras democráticas que o elegeram e o mantiveram na vida pública estão erradas?

Bolsonaro sempre foi uma figura autoritária. Há muito tempo ele aplaude ações autoritárias como o golpe de 1964 no Brasil e o autogolpe de Fujimori em 1992 no Peru e abraça as violações do Estado de Direito, como tortura, violência policial e milícias. Ele nunca foi comprometido com regras democráticas. Os brasileiros sabiam disso quando o elegeram. O que estamos vendo hoje é exatamente o que foi anunciado na campanha de 2018.

Há temor no Brasil em relação aos protestos de 7 de Setembro porque as manifestações bolsonaristas ganharam ares golpistas, com discursos do presidente e aliados na mesma linha. O STF e o sistema eletrônico de votação são alvos constantes de ataques…

Os autocratas costumam usar a violência, às vezes real e às vezes fictícia, como desculpa para tentar destruir pouco a pouco a democracia. Adolf Hitler (Alemanha), Ferdinando Marcos (Filipinas), Vladimir Putin (Rússia) e Recep Erdogan (Turquia) fizeram isso. Donald Trump (EUA) tentou. É importante tentar evitar ser provocado à violência. No momento, duvido que Bolsonaro tenha apoio público e credibilidade suficientes para se safar de uma aventura desse tipo, mas é muito importante estar vigilante.

Apoiadores do presidente falam em uma suposta “ditadura do STF” no Brasil e criticam decisões contra aliados de Bolsonaro. Como isso afeta a democracia?

Essa expressão também é muito comum entre os autocratas. Erdogan, Fujimori, Juan Domingo Peron (Argentina), Hugo Chávez (Venezuela), Álvaro Uribe (Colômbia), Viktor Orbán (Hungria), Narendra Modi (Índia) e, mais recentemente, Nayib Bukele (El Salvador) reclamaram de instituições judiciais que fiscalizaram seus mandatos. Mas é exatamente isso que essas instituições democráticas devem fazer – fiscalizar o poder dos presidentes. Os ataques ao Judiciário costumam ser o primeiro passo dos autocratas para tentar ficar no poder. Minha esperança é que, no caso brasileiro, Bolsonaro não tenha força para transformar palavras em ação.

Somente quatro de 25 presidentes no Brasil desde o fim da República Velha concluíram totalmente seus anos de mandato. Alguns foram depostos por impeachment ou golpes. Parece que a regra no Brasil é a instabilidade. O sistema presidencialista é mais suscetível a esse tipo de problema?

Sim. Isso não é comum ao redor do mundo, mas sim em partes da América Latina. Sistemas parlamentaristas como os da Europa têm mecanismos institucionais para mudar os governos com mais facilidade. Este é um problema em sistemas presidencialistas com sistemas partidários fragmentados – como Brasil, Equador, Peru, Bolívia e Guatemala. Achei que a democracia brasileira fosse superar esse tipo de instabilidade após a queda de Fernando Collor. O presidencialismo de coalizão de 1993-2012 funcionou relativamente bem nessa direção, mas a crise iniciada com Dilma Rousseff trouxe um retorno à instabilidade presidencial. Ainda assim, destaco que processos de impeachment como vimos com Collor e Dilma são melhores do que golpes militares como em 1964.

Como a instabilidade política e a tensão do 7 de Setembro afetam a imagem do Brasil no exterior?

A imagem do Brasil como uma democracia de sucesso obviamente sofreu com os protestos iniciais contra Dilma e o escândalo Lava Jato, e certamente foi manchada pela presidência de Bolsonaro, assim como a imagem dos EUA sofreu sob Trump. Mas espero que ela se recupere depois que Bolsonaro for derrotado.

Qual o papel da classe política democrática e do Judiciário em casos de ameaças à democracia? E das Forças Armadas?

Infelizmente, os políticos democráticos perderam a confiança pública. É triste reconhecer isso, mas as Forças Armadas são uma instituição muito mais confiável do que a classe política e os partidos estabelecidos. Isso não é um bom presságio para a democracia. Diante de ameaças como Bolsonaro, é essencial que os políticos democráticos se unam em uma frente comum em defesa da democracia. Para garantir a sobrevivência da democracia, deveria se formar uma ampla coalizão, do PT à centro-direita, por um único candidato – provavelmente Lula, que hoje lidera as pesquisas – já no primeiro turno das eleições de 2022. Para garantir que Bolsonaro sofra uma derrota massiva e não possa alegar fraude. Mas sei que é pedir muito. Para construir tal coalizão, Lula e o PT teriam que fazer concessões significativas, na economia e na Justiça, aos partidos de centro e centro-direita. Penso que eles deveriam ter feito isso em 2018 e não o fizeram – e vimos as consequências.

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