Matheus Lara / O Estado de S. Paulo
A insistência bolsonarista no discurso de
que o Brasil vive sob uma “ditadura do STF” faz o cientista político
americano Steven
Levitsky, coautor do celebrado best seller Como as Democracias
Morrem (Zahar), deixar um alerta ao País neste 7 de Setembro:
“Ataques ao Judiciário costumam ser o primeiro passo de autocratas para tentar
ficar no poder”.
Em conversa com a Coluna do Estadão,
ele compara as investidas de Jair Bolsonaro contra
instituições democráticas a táticas de outras figuras, como o venezuelano Hugo
Chávez e o atual líder turco Recep Erdogan.
“Autocratas usam a violência, às vezes até
fictícia, como desculpa para tentar destruir pouco a pouco a democracia”, diz
Levitsky. Para ele, o feriado desta terça tende a ser mais um capítulo ruim
para a imagem do País no exterior. “A imagem do Brasil como uma democracia de
sucesso foi manchada.”
Leia a entrevista completa abaixo:
Por que uma liderança que está na política
há décadas, como Bolsonaro, tenta convencer seguidores de que agora as regras
democráticas que o elegeram e o mantiveram na vida pública estão erradas?
Bolsonaro sempre foi uma figura
autoritária. Há muito tempo ele aplaude ações autoritárias como o golpe de 1964
no Brasil e o autogolpe de Fujimori em 1992 no Peru e abraça as violações do
Estado de Direito, como tortura, violência policial e milícias. Ele nunca foi
comprometido com regras democráticas. Os brasileiros sabiam disso quando o
elegeram. O que estamos vendo hoje é exatamente o que foi anunciado na campanha
de 2018.
Há temor no Brasil em relação aos protestos
de 7 de Setembro porque as manifestações bolsonaristas ganharam ares golpistas,
com discursos do presidente e aliados na mesma linha. O STF e o sistema
eletrônico de votação são alvos constantes de ataques…
Os autocratas costumam usar a violência, às
vezes real e às vezes fictícia, como desculpa para tentar destruir pouco a
pouco a democracia. Adolf Hitler (Alemanha), Ferdinando Marcos (Filipinas),
Vladimir Putin (Rússia) e Recep Erdogan (Turquia) fizeram
isso. Donald Trump (EUA) tentou. É importante tentar evitar ser
provocado à violência. No momento, duvido que Bolsonaro tenha apoio público e
credibilidade suficientes para se safar de uma aventura desse tipo, mas é muito
importante estar vigilante.
Apoiadores do presidente falam em uma
suposta “ditadura do STF” no Brasil e criticam decisões contra aliados de
Bolsonaro. Como isso afeta a democracia?
Essa expressão também é muito comum entre
os autocratas. Erdogan, Fujimori, Juan Domingo Peron (Argentina), Hugo
Chávez (Venezuela), Álvaro Uribe (Colômbia), Viktor Orbán (Hungria),
Narendra Modi (Índia) e, mais recentemente, Nayib Bukele (El
Salvador) reclamaram de instituições judiciais que fiscalizaram seus
mandatos. Mas é exatamente isso que essas instituições democráticas devem fazer
– fiscalizar o poder dos presidentes. Os ataques ao Judiciário costumam ser o
primeiro passo dos autocratas para tentar ficar no poder. Minha esperança é
que, no caso brasileiro, Bolsonaro não tenha força para transformar palavras em
ação.
Somente quatro de 25 presidentes no Brasil
desde o fim da República Velha concluíram totalmente seus anos de mandato.
Alguns foram depostos por impeachment ou golpes. Parece que a regra no Brasil é
a instabilidade. O sistema presidencialista é mais suscetível a esse tipo de
problema?
Sim. Isso não é comum ao redor do mundo,
mas sim em partes da América Latina. Sistemas parlamentaristas como os da
Europa têm mecanismos institucionais para mudar os governos com mais
facilidade. Este é um problema em sistemas presidencialistas com sistemas
partidários fragmentados – como Brasil, Equador, Peru, Bolívia e Guatemala.
Achei que a democracia brasileira fosse superar esse tipo de instabilidade após
a queda de Fernando Collor. O presidencialismo de coalizão de 1993-2012
funcionou relativamente bem nessa direção, mas a crise iniciada com Dilma
Rousseff trouxe um retorno à instabilidade presidencial. Ainda assim, destaco
que processos de impeachment como vimos com Collor e Dilma são melhores do que
golpes militares como em 1964.
Como a instabilidade política e a tensão do
7 de Setembro afetam a imagem do Brasil no exterior?
A imagem do Brasil como uma democracia de
sucesso obviamente sofreu com os protestos iniciais contra Dilma e o escândalo
Lava Jato, e certamente foi manchada pela presidência de Bolsonaro, assim como
a imagem dos EUA sofreu sob Trump. Mas espero que ela se recupere depois que
Bolsonaro for derrotado.
Qual o papel da classe política democrática
e do Judiciário em casos de ameaças à democracia? E das Forças Armadas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário