quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Maria Cristina Fernandes - Em torno de Naji Nahas

Valor Econômico

Bolsonaro retoma, com erros alheios, o fôlego que perde com os seus

A chapa Michel Temer/Mamãe Falei devolveu Jair Bolsonaro ao jogo. O ex-presidente valeu-se da mediação entre o presidente da República e o ministro Alexandre de Moraes para assentar a plataforma de seu retorno à cena pública como “Temer, o pacificador”. A carta assinada por Bolsonaro que Temer não se fez de rogado em assumir a autoria, foi recebida com desolação pelo bolsonarismo raiz.

Desolados também ficaram os partidários de uma terceira via. Três dias depois do jantar, a manifestação oposicionista foi esvaziada pelo acordão. Não haverá frente ampla mas uma miríade de opções anti-Lula entre as quais Bolsonaro ainda é a mais competitiva.

O fiasco da manifestação do dia 12 mostrou também que os organizadores do evento, egressos da direita que se descolou de Bolsonaro, liderada pelo MBL do deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei, se revelaram incapazes de rivalizar com a capacidade de mobilização do presidente.

A bola voltaria para os pés de Bolsonaro na madrugada da terça-feira quando começou a circular, a partir do celular do marqueteiro de Temer, as cenas do jantar na casa de Naji Nahas. A começar pelo anfitrião, cuja liberdade atesta o valor de bons advogados e amigos no poder, tudo naquele jantar contribuiu para devolver a Bolsonaro a aura de quem se insurge contra as elites - um presidente da República sendo ridicularizado pelos mesmos homens ricos e brancos que o mantêm no poder.

Poderosos sempre inspiraram piadas de salão, mas não há registro de um mediador de acordos, num momento dramático como o de hoje, tomar a iniciativa de divulgá-las. A exposição dos demais alvos imitados no repasto está longe de conter os danos. Bolsonaro já se elegeu como vítima uma vez. Pode não ser capaz de fazê-lo novamente, mas recebeu, de mão beijada, uma oportunidade de manter sua militância num momento em que as condições reais de sua sobrevivência estão cada vez mais estreitas - nos tribunais, no Congresso e na economia.

Depois de Alexandre de Moraes ter sido exposto duas vezes, em 15 dias, em encontros protagonizados por Temer, a mediação com o ministro que hoje mais ameaça o presidente da República parece ter ficado prejudicada. O adiamento do julgamento do foro do senador Flávio Bolsonaro na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal é sinal de que ainda há canais com aquela Corte. O impasse em torno do preenchimento da vaga para a qual André Mendonça foi designado é outro. A vaga mexe no equilíbrio interno das togas.

Todos os casos mais sensíveis que poderiam ser impactados pela decisão do foro do senador, como aqueles que envolvem o senador licenciado José Serra (PSDB-SP), o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), ou mesmo aquele do ministro do TCU, Vital do Rêgo, já foram equacionados ou trancados, liberando as margens de manobra para o relator do caso, o ministro Gilmar Mendes. O desgaste de Temer coloca o ministro quase como a única alternativa de Bolsonaro na busca por uma mediação.

Se o Supremo mantém uma fresta aberta, a margem está cada vez mais restrita no Tribunal Superior Eleitoral, onde Moraes se valeu do julgamento de um caso de rachadinha no gabinete de uma vereadora, que ficou inelegível por oito anos, para dizer o que pensa sobre a prática: “É uma clara e ostensiva modalidade de corrupção”.

Se Moraes foi convencido de que o calor do pós-Sete de Setembro não era o momento de deflagrar nenhuma operação sobre a família do presidente não há quem aposte que o ministro tenha sido demovido. As pressões sobre os delegados da Polícia Federal que o auxiliam nos inquéritos que conduz no tribunal não apenas são inúteis, como reforçam, na equipe, o compromisso com os resultados dos inquéritos em curso.

Se o tempo do Judiciário está sujeito a modulações, o do Congresso e, principalmente, o da economia, não estão. A sessão desta terça-feira na Câmara dos Deputados que ouviu o presidente da Petrobras, Joaquim Luna e Silva, foi uma demonstração de que os aliados de Bolsonaro têm tido dificuldades em executar todas as notas promissórias que alicerçam esta aliança.

A sessão, convocada pelos mesmos parlamentares que lideraram a aprovação da MP da Eletrobras e presidida por Arthur Lira (PP-AL) serviu para emparedar Luna e Silva frente às dificuldades no fornecimento de gás a termelétricas largamente favorecidas naquela votação.

O debate sobre o tema é o clímax da esquizofrenia bolsonarista. Sócios dos negócios favorecidos por este governo cobram de um general da reserva mudanças numa política liberal de preços dos combustíveis. O general se defende usando o mesmo argumento falacioso do presidente, que atribui a flutuação nos preços a alíquotas estaduais de ICMS que não têm variado. E é criticado pelo presidente do Banco Central, que não tem mandato para se meter na Petrobras, dirá para atestar uma velocidade atípica no reajuste de preços da estatal.

Se o preço dos combustíveis corrói a base do presidente e quaisquer chances de manter as rédeas sobre a inflação, a dificuldade de fazer caber o descontrole geral no Orçamento ruma para abrir mais um rombo no teto de gastos sobre a nação. Um sinal do quanto a crise se aprofundou é a impossibilidade de se aceitar hoje um puxadinho para os precatórios no âmbito do Conselho Nacional de Justiça sem aval parlamentar.

Pendurado na conta da pandemia, quando é de inépcia que se trata, o Auxílio Brasil deve sair por crédito extraordinário. Com os precatórios não dá para fazer o mesmo. Os ministros do STF não aceitam solução que contorne a Constituição. Se o governo estiver disposto a encarar um calote ou qualquer nome que se dê a um pagamento mais alongado de dívidas já reconhecidas pela justiça, que encarregue suas lideranças a convencer as Casas desta rolagem.

É este custo, cada vez mais caro, que aparece em audiências como a da Petrobras ou na pressão pela liberalização dos jogos de azar. Se o estado terminal em que se encontra este governo não permitir que seus aliados aprovem tudo aquilo que já foi acordado, que lhes seja facultada a lavagem dos ganhos auferidos na temporada. Para que todos, enfim, possam se aglomerar em torno daquela mesa de Naji Nahas para brindar à saude de Ana Cristina Valle, ex-senhora Bolsonaro e sua parceira de tristezas e, principalmente, de alegrias, que deporá na CPI.

 

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