terça-feira, 21 de setembro de 2021

Pedro Cafardo - Socorro de Paulo Guedes lembra súplica de Paulson

Valor Econômico

Só um político habilidoso e com trânsito no Congresso será capaz de liderar o programa de reformas no próximo mandato presidencial

Em um momento quase cômico, na semana passada, o ministro Paulo Guedes fez “um pedido desesperado de socorro” ao Judiciário e ao Legislativo para resolver o impasse do Orçamento de 2022. Ele se referia ao já enfadonho problema dos precatórios, que surpreendeu o governo com uma conta a pagar de R$ 89,1 bilhões em 2022, e não de R$ 54 bilhões como previa o Ministério da Economia.

O socorro solicitado, portanto, seria de R$ 35,1 bilhões, valor que Guedes tenta parcelar ou adiar com auxílio do Congresso e do Judiciário.

O pedido de Guedes virou uma fábrica de memes porque a conversa se deu em um encontro aberto no qual participava, além do ministro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. Bem-humorado, Fux defendeu o diálogo entre as instituições e disse: [Guedes] é “tão amigo que coloca no meu colo um filho que não é meu”.

Guedes em geral fala, por impulso, o que lhe vem à cabeça. Mas nessa vez pode ter se inspirado em uma marcante passagem do primeiro volume de memórias do ex-presidente dos EUA Barack Obama: “Uma Terra Prometida”.

Vale contar para quem não leu e relembrar para quem leu os detalhes de uma dramática reunião na Casa Branca, narrados por Obama, durante a campanha eleitoral de 2008, em plena crise financeira americana.

George W. Bush, então presidente dos EUA, chamou para a reunião seus assessores econômicos, líderes do Congresso e os dois candidatos à Presidência, o democrata Obama e o republicano John McCain.

O banco Lehman Brothers, avaliado em US$ 639 bilhões, havia anunciado, no fatídico 15 de setembro, que entraria com pedido de falência. O mundo desabava diante do avanço daquela que viria a ser a maior crise econômica desde 1929.

A reunião na Casa Branca era para tentar convencer os líderes políticos de que havia urgência na aprovação do Programa de Socorro a Ativos Depreciados (Tarp, na sigla em inglês), criando um fundo de emergência de US$ 700 bilhões. Esse seria o preço a ser pago para evitar o apocalipse na economia global. O Tesouro dos EUA seria autorizado a usar esses recursos para comprar ativos desvalorizados e reanimar a economia.

Bush não tinha chance de aprovar o projeto no Legislativo, porque havia muito mais resistências no Partido Republicano, do governo, do que no Democrata, de oposição.

Durante a reunião, os ânimos se exaltaram. Quando todos começaram a falar ao mesmo tempo, Bush se levantou: “Está na cara que perdi o controle desta reunião, vamos encerrar por aqui”. E saiu da sala.

O clima era de velório. Enquanto os republicanos deixavam a Casa Branca, Obama chamou Nancy Pelosi, presidente da Câmara, e outros democratas para uma conversa. A ideia era tentar reduzir o impacto negativo da divulgação dos detalhes da catastrófica reunião. Entrou na sala também o secretário do Tesouro, Henry Paulson. Deu-se, então, a cena marcante. Com seus 2 metros de altura e 62 anos de idade, relata Obama, Paulson se apoiou sobre um dos joelhos diante de Nancy e disse: “Estou suplicando. Não ponha tudo a perder”. Nancy sorriu, disse que não sabia ser ele católico e replicou: “Você deve ter notado que não somos nós [democratas] que estamos tentando pôr tudo a perder”.

Nancy tinha razão. Em 29 de setembro, a Câmara rejeitou o projeto que criava o Tarp por uma diferença de 13 votos. Dois terços dos democratas votaram a favor, e dois terços dos republicanos, contra. O índice Dow Jones, da bolsa de Nova York, caiu 778 pontos e a repercussão na imprensa foi devastadora. Isso levou muitos parlamentares a mudar de ideia e a aprovar o projeto alguns dias depois, uma decisão essencial para a salvação do sistema financeiro.

Guardadas as devidas proporções, o pedido de socorro de Guedes e a súplica de Paulson são amostras de um mesmo problema: o difícil relacionamento entre Executivo e Legislativo. Arrogâncias e comportamentos inflexíveis normalmente têm péssimos resultados nas relações entre poderes. Há momentos em que os ministros da Economia ou de qualquer outra pasta precisam abandonar seu tom professoral e de infalibilidade e suplicar, como Paulson, pela aprovação de medidas necessárias.

Vem aí uma nova campanha eleitoral para a Presidência da República. Falar em reformas é cansativo. Desde 1963, quando João Goulart propunha suas “reformas de base”, o assunto não sai da mídia. Mas o país continua precisando de reformas. Seja quem for o eleito no ano que vem, elas não avançarão se não houver diálogo entre poderes. O ex-presidente Lula já avisou que, se for eleito, nomeará um político para o Ministério da Economia. Nenhuma novidade: Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e político, foi ministro da Fazenda e liderou o bem-sucedido Plano Real. Antonio Palocci, médico e político, teve elogiado desempenho na Fazenda no primeiro mandato de Lula.

Só um político habilidoso e com trânsito no Congresso será capaz de liderar o programa de reformas no próximo mandato presidencial, ainda que não sejam tão amargas quanto as propostas pelo neoliberalismo. As medidas não poderão estar alheias, por exemplo, às mudanças no humor macroeconômico global. Não passarão no Congresso se mantiverem a crença neoliberal que moldou a economia americana e europeia nos últimos 40 anos e sofre revisão geral.

Chamado de “fundamentalismo de mercado” pelo economista turco Dani Rodrik em artigo no Valor de 11/9, a política macroeconômica neoliberal desenhada no Consenso de Washington, em 1989, está sendo substituída por outras muito diferentes de rigidez fiscal, estabilidade rigorosa de preços, culto à produtividade, baixos salários, redução de poder de trabalhadores e sindicatos, desregulamentação, Estado mínimo e apoio amplo às monopolistas empresas globais de tecnologia.

O mundo pós-pandemia vai ser diferente. Já está sendo. O gesto de Guedes, ao pedir socorro para aprovar medidas e cumprir o teto de gastos não merece crítica. Mas talvez fosse mais adaptada a esse novo mundo a súplica pela substituição do teto de gastos por um instrumento menos ortodoxo. O teto impede o governo de usar a política fiscal de maneira contracíclica, que exige mais gastos públicos para suavizar crises, instrumento banal em qualquer país, defendido por Paulson, de joelhos, em 2008.

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