sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Claudia Safatle - Governo quer se proteger de eventuais “pedaladas”

Valor Econômico

Guedes está “no seu limite” e pode juntar-se aos demissionários a qualquer momento

Há uma grande preocupação do governo em não criar espaços para interpretações de “pedaladas fiscais” no arranjo para pagar R$ 400 a título de Auxílio Brasil. Por isso, a forma será colocar o excedente na Constituição. Esse foi um plano B arrancado do ministro da Economia, Paulo Guedes, depois de ele ter se convencido de que não haverá a aprovação da reforma do Imposto de Renda neste ano, pelo Senado, a tempo de resolver a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil.

Assim, para atingir os R$ 400 definidos pelo presidente Jair Bolsonaro, o governo tem, grosso modo, R$ 190 já alocados no orçamento do Bolsa Família e R$ 110 que pretende acomodar na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios. Isso viabilizaria os R$ 300 originais que Guedes havia calculado. Agora, terão que ser justificados mais R$ 100 que o ministro da Economia sugere pedir um “waiver”, um pedido de dispensa para poder gastar acima do teto temporariamente.

Tudo terá que ser escrito na PEC dos Precatórios de maneira a não deixar espaço para a interpretação de que o governo estaria cometendo “pedaladas fiscais”, procedimento que derrubou a presidente Dilma Rousseff do cargo.

Como a justificativa dos R$ 100 será como despesa provisória, emergencial, tendo como discurso político combater as sequelas da pandemia sobre os mais pobres no ano que vem, eles serão gastos extrateto, perfazendo cerca de R$ 30 bilhões de crédito suplementar.

Um dos efeitos colaterais da covid-19 é a inflação que, aqui, já está em dois dígitos, e o Banco Central começou a elevar a taxa básica de juros (Selic) para conter a escalada dos preços, sobretudo de alimentos e energia, que penaliza os mais pobres. Foram cinco elevações consecutivas da taxa Selic, que hoje está em 6,25% ao ano, patamar que se mostra atrasado no controle da inflação.

Foi para concretizar esse acerto e escrever na PEC dos Precatórios o texto legal capaz de proteger o governo de eventuais acusações de “pedaladas fiscais” que o Palácio do Planalto cancelou o anúncio que seria feito na terça-feira.

As conversas não têm sido tranquilas. Guedes tem estado bastante tenso nesses dias, e as ameaças de pedidos de demissão de parte da equipe da pasta da Economia se confirmaram ontem, com quatro secretários pedindo as contas porque não pretendem assinar o fim do teto do gasto.

O ministro, que havia dito a assessores que seu limite para ficar no governo era o de não extrapolar o teto de gastos, agora teve que concordar com a ideia de furar o teto para abrigar uma despesa temporária. Mas ontem dizia-se que ele está “no seu limite”. Guedes pode se juntar a qualquer momento aos demissionários.

Outra preocupação é de não deixar o valor do Auxílio Brasil virar leilão do tipo: “Já que se fala em R$ 400 sendo uma parte extrateto, por que, então, não aumentarmos para R$ 500 ou R$ 600?”. Isso tem que estar muito bem amarrado com os parlamentares.

Outra parte do acordo deverá ser para garantir que a PEC dos Precatórios terá os 308 votos necessários para ser aprovada. Caso contrário, toda a tentativa de se fazer um acerto cairá por terra.

Como trata-se de um aumento temporário, para valer somente para o ano de 2022, fica a pergunta: quem vai ter coragem de anunciar que o auxílio de R$ 400 cairá para R$ 300 no fim do ano que vem?

Para que isso não tenha que acontecer, a ideia é construir um programa de transferência de renda efetivo, algo na linha de um programa de renda mínima, que pensou-se em ter neste ano, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a discussão sob o argumento de que “não tiraria dos mais pobres para dar aos paupérrimos”.

Uma das propostas da área econômica para financiar o então programa chamado originalmente de Renda Brasil era de cortar o abono salarial para quem ganha até dois salários mínimos. E outra sugestão era a de congelar as aposentadorias ligadas ao salário mínimo por dois anos. Diante de propostas polêmicas e altamente impopulares, que tinham o respaldo do ministro da Economia, Bolsonaro descartou a ideia e ameaçou dar “cartão vermelho” à equipe econômica.

Em contrapartida a todas as negociações em torno do Auxílio Brasil, como programa que deve suceder o Bolsa Família, o ministro da Economia livrou-se de ter que comparecer ao plenário da Câmara para explicar o fato de ter uma empresa offshore, onde está uma parcela do seu patrimônio protegida da desvalorização do real frente ao dólar, aqui. A empresa de Guedes está sediada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Agora, a explicação, se for para ser dada, terá que ser à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, no dia 10 de novembro.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos, também tem offshore em paraíso fiscal, mas o caso de Guedes tinha um apelo político maior. Afinal, é com ele que fica a chave do cofre da União. E a proposta era dar um aperto no ministro da Economia para ele abrir cofre. Até porque sabe-se que não é ilegal ter uma empresa em paraíso fiscal, desde que devidamente declarada à Receita Federal. Aqui, a questão é moral.

E o cofre está sendo arrombado!

 

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