Valor Econômico
Guedes está “no seu limite” e pode
juntar-se aos demissionários a qualquer momento
Há uma grande preocupação do governo em não
criar espaços para interpretações de “pedaladas fiscais” no arranjo para pagar
R$ 400 a título de Auxílio Brasil. Por isso, a forma será colocar o excedente
na Constituição. Esse foi um plano B arrancado do ministro da Economia, Paulo
Guedes, depois de ele ter se convencido de que não haverá a aprovação da
reforma do Imposto de Renda neste ano, pelo Senado, a tempo de resolver a
substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil.
Assim, para atingir os R$ 400 definidos pelo presidente Jair Bolsonaro, o governo tem, grosso modo, R$ 190 já alocados no orçamento do Bolsa Família e R$ 110 que pretende acomodar na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios. Isso viabilizaria os R$ 300 originais que Guedes havia calculado. Agora, terão que ser justificados mais R$ 100 que o ministro da Economia sugere pedir um “waiver”, um pedido de dispensa para poder gastar acima do teto temporariamente.
Tudo terá que ser escrito na PEC dos
Precatórios de maneira a não deixar espaço para a interpretação de que o
governo estaria cometendo “pedaladas fiscais”, procedimento que derrubou a
presidente Dilma Rousseff do cargo.
Como a justificativa dos R$ 100 será como
despesa provisória, emergencial, tendo como discurso político combater as
sequelas da pandemia sobre os mais pobres no ano que vem, eles serão gastos
extrateto, perfazendo cerca de R$ 30 bilhões de crédito suplementar.
Um dos efeitos colaterais da covid-19 é a
inflação que, aqui, já está em dois dígitos, e o Banco Central começou a elevar
a taxa básica de juros (Selic) para conter a escalada dos preços, sobretudo de
alimentos e energia, que penaliza os mais pobres. Foram cinco elevações
consecutivas da taxa Selic, que hoje está em 6,25% ao ano, patamar que se
mostra atrasado no controle da inflação.
Foi para concretizar esse acerto e escrever
na PEC dos Precatórios o texto legal capaz de proteger o governo de eventuais
acusações de “pedaladas fiscais” que o Palácio do Planalto cancelou o anúncio
que seria feito na terça-feira.
As conversas não têm sido tranquilas.
Guedes tem estado bastante tenso nesses dias, e as ameaças de pedidos de
demissão de parte da equipe da pasta da Economia se confirmaram ontem, com
quatro secretários pedindo as contas porque não pretendem assinar o fim do teto
do gasto.
O ministro, que havia dito a assessores que
seu limite para ficar no governo era o de não extrapolar o teto de gastos,
agora teve que concordar com a ideia de furar o teto para abrigar uma despesa
temporária. Mas ontem dizia-se que ele está “no seu limite”. Guedes pode se
juntar a qualquer momento aos demissionários.
Outra preocupação é de não deixar o valor
do Auxílio Brasil virar leilão do tipo: “Já que se fala em R$ 400 sendo uma
parte extrateto, por que, então, não aumentarmos para R$ 500 ou R$ 600?”. Isso
tem que estar muito bem amarrado com os parlamentares.
Outra parte do acordo deverá ser para
garantir que a PEC dos Precatórios terá os 308 votos necessários para ser
aprovada. Caso contrário, toda a tentativa de se fazer um acerto cairá por
terra.
Como trata-se de um aumento temporário,
para valer somente para o ano de 2022, fica a pergunta: quem vai ter coragem de
anunciar que o auxílio de R$ 400 cairá para R$ 300 no fim do ano que vem?
Para que isso não tenha que acontecer, a
ideia é construir um programa de transferência de renda efetivo, algo na linha
de um programa de renda mínima, que pensou-se em ter neste ano, mas o
presidente Jair Bolsonaro vetou a discussão sob o argumento de que “não tiraria
dos mais pobres para dar aos paupérrimos”.
Uma das propostas da área econômica para
financiar o então programa chamado originalmente de Renda Brasil era de cortar
o abono salarial para quem ganha até dois salários mínimos. E outra sugestão
era a de congelar as aposentadorias ligadas ao salário mínimo por dois anos.
Diante de propostas polêmicas e altamente impopulares, que tinham o respaldo do
ministro da Economia, Bolsonaro descartou a ideia e ameaçou dar “cartão
vermelho” à equipe econômica.
Em contrapartida a todas as negociações em
torno do Auxílio Brasil, como programa que deve suceder o Bolsa Família, o
ministro da Economia livrou-se de ter que comparecer ao plenário da Câmara para
explicar o fato de ter uma empresa offshore, onde está uma parcela do seu
patrimônio protegida da desvalorização do real frente ao dólar, aqui. A empresa
de Guedes está sediada nas Ilhas Virgens Britânicas.
Agora, a explicação, se for para ser dada,
terá que ser à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, no
dia 10 de novembro.
O presidente do Banco Central, Roberto
Campos, também tem offshore em paraíso fiscal, mas o caso de Guedes tinha um
apelo político maior. Afinal, é com ele que fica a chave do cofre da União. E a
proposta era dar um aperto no ministro da Economia para ele abrir cofre. Até
porque sabe-se que não é ilegal ter uma empresa em paraíso fiscal, desde que
devidamente declarada à Receita Federal. Aqui, a questão é moral.
E o cofre está sendo arrombado!
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