sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Claudia Safatle - Guedes fica enquanto prevalecer o teto de gasto

Valor Econômico

“Estamos no limite da responsabilidade”, afirma uma fonte

O ministro da Economia, Paulo Guedes, mesmo sob fogo cruzado, não pretende deixar o governo. Para seus principais assessores, porém, ele já demarcou até onde poderá ir e não ficará no cargo se, por ventura, houver a decisão de furar a lei do teto do gasto público. Pela lei, o Orçamento anual não pode contemplar aumento real de despesa. Esta será corrigida tão somente pela inflação, medida pela variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulada em 12 meses até o mês de junho de cada ano.

O ministro entende que estourar o teto de gasto será um flagelo para a economia e para o país, que se traduzirá em mais inflação. A inflação é uma maneira muito cara para a população resolver o conflito distributivo. Depois de aumentar 1,16% em setembro - a maior variação para um mês de setembro desde 1994, ano da edição do Plano Real, o IPCA acumula inflação de dois dígitos em 12 meses: 10,25%.

A estratégia que o ministro pretende seguir continua sendo a da aprovação da reforma do Imposto de Renda e dos precatórios. Só assim ele terá as condições objetivas para a criação do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, que nasceria com o valor de R$ 300 e que começaria a ser pago ainda neste ano. Trata-se de uma missão delicada, pois o Senado não quer aprovar o projeto de lei do Imposto de Renda de afogadilho. Caberia ao Executivo convencer os senadores de que essa é a bandeira branca que deveria ser erguida. E o Senado não poderia, dada a urgência do assunto, mexer no projeto aprovado na Câmara, que, diga-se de passagem, é muito ruim.

A expectativa do governo é que a inflação comece a cair e, para que isso ocorra, é preciso afirmar o controle do gasto público como contribuição à politica monetária. Caso contrário, os preços tenderão a subir mais, exigindo maior dose de aperto monetário.

Hoje ela é uma inflação de custos. Tem aumento de preços com redução do nível de atividade que patina, se arrasta. O quadro clássico de uma inflação de custos é de aumentar os preços e reduzir as quantidades produzidas. E há a esperança de que, na falta de demanda, o processo inflacionário se esgote.

Em meio a isso, Guedes e Roberto Campos, presidente do Banco Central, enfrentam a denúncia de que ambos têm uma empresa “offshore” em que colocam uma parcela do seu patrimônio protegido da desvalorização cambial. A assessoria do ministro entende que o centrão está usando essa informação para lhe dar um susto e ver se ele abre a bolsa. Mas o fato é que ele está sendo convocado a dar explicações no plenário da Câmara, em data a ser definida.

A disputa por verbas do Orçamento colocou o ministro da Economia sob fogo cruzado. “Estamos no limite da responsabilidade”, disse uma fonte, parafraseando o então ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, no escândalo do grampo do BNDES, ocorrido durante o governo de FHC. Referindo ao processo de privatização do sistema Telebras, que ocorreu em julho de 1998, durante a fase de habilitação dos consórcios que disputariam o leilão, Mendonça de Barros usou essa frase em conversa telefônica com o então presidente do BNDES, André Lara Resende. Discutia-se, ali, a formação de um consórcio alternativo. Agora é o teto do gasto que está no limite da responsabilidade.

De um lado estão os representantes do centrão - núcleo de partidos que operam com a “governabilidade”, se mantêm próximos ao Poder Executivo para obter vantagens e distribuir privilégios. O centrão tem como aliados ministros militares próximos ao presidente Jair Bolsonaro, que condenam a política econômica conduzida pelo ministro da Economia que não está levando o país a crescer. Eles gostariam de abrir os cofres públicos para gastar mais sobretudo no ano que vem, quando haverá eleições. Nesse caso, seria um maná para os políticos elevar o Auxílio Brasil para a faixa dos R$ 600. Do outro lado, estão os evangélicos que querem cargos e pressionam o governo para recriar o velho Ministério da Indústria e do Comércio, absorvido pela pasta da Economia.

Guedes é a fonte de racionalidade no jogo eleitoral, cuja principal função é dizer “não”.

Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, dizia “eu quebro o Banespa mas elejo o Fleury”. Foi dito e feito. Na lógica da irracionalidade, Luiz Antônio Fleury Filho foi eleito governador de São Paulo e o Banco do Estado de São Paulo acabou sofrendo intervenção do Banco Central em 1994 e foi privatizado em 2000, em leilão arrematado pelo Santander.

O ministro da Economia acredita, portanto, que ainda tem uma missão a cumprir, que é manter a responsabilidade fiscal - que hoje tem como âncora a lei do teto de gastos - como a principal contribuição para o controle da inflação.

Falta, também, resolver como vai se manter um auxílio emergencial aos mais pobres. Pelo caminho escolhido por Guedes, o Auxílio Brasil, programa sucedâneo do Bolsa Família, está vinculado à reforma do Imposto de Renda. Mas o Senado não gostaria de examinar esse projeto de lei de maneira açodada.

Há, portanto, uma questão de prazo para que não haja interrupção dos programas de transferência de renda. Uma confusão implementada apenas para se acabar com o Bolsa Família, programa identificado com o PT de Lula, principal adversário de Bolsonaro na corrida pela reeleição.

Ainda há um caminho a percorrer até ficar claro se as demandas políticas e sociais cabem no teto do gasto. Assessores do ministério da Economia garantem que não haverá estouro do teto, mas esta é uma das fontes de incerteza que corroem as expectativas dos agentes econômicos.

 

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