sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Rogério Furquim Werneck - Risco de retrocesso

O Globo / O Estado de S. Paulo

Em Brasília, o jogo político torna-se a cada dia mais pesado. Os próximos dois meses serão fundamentais para se saber em que estado estará a economia no final do governo Bolsonaro.

O espaço de manobra para a condução da política econômica estreita-se a olhos vistos. Na esteira das urgências eleitorais do governo, o Ministério da Economia tem feito o possível para resistir à escalada de pressões políticas que vem tendo de enfrentar. Mas o jogo não lhe tem sido fácil.

De um lado, tanto o Planalto como o Centrão já não escondem sua disposição de entortar as regras fiscais em vigor, para acomodar, no Orçamento de 2022, expansões de dispêndio público que consideram cruciais para o bom desempenho do governo nas eleições.

De outro, em meio ao alarme do governo e do Congresso com a aceleração da inflação, exacerbam-se as pressões por artificialismos de todo tipo que possam atenuar altas de preços politicamente mais incômodas.

O que se teme é que tudo isso configure risco elevado de retrocesso no processo de reconstrução da condução da política econômica que vem tendo lugar no país há mais de cinco anos.

Não obstante o empenho com que Paulo Guedes sempre alardeou que sua gestão marcou ruptura fundamental com o que vinha sendo feito antes, é mais do que sabido que sua atuação à frente do Ministério da Economia vem, em linhas gerais, dando não mais que continuidade ao processo de reconstrução da política econômica que teve início no governo Temer.

E é essa continuidade que parece estar agora em risco.

No que tange às regras fiscais em vigor, tudo depende do grau em que, afinal, elas serão entortadas pelo Congresso. A equipe econômica vem tentando acomodar no Orçamento uma mera elevação do pagamento mensal do Bolsa Família — agora, sob o rótulo de Auxílio Brasil — para R$ 300.

Mas não falta, no governo e no Centrão, quem venha tentando convencer o Planalto de que tal reajuste teria efeito eleitoral desprezível. E de que o que se faz necessário, no momento, é uma reativação, por boa parte de 2022, do Auxílio Emergencial de R$ 600 mensais concedido pelo governo na pior fase da pandemia.

Se, no fim das contas, for essa a decisão do Congresso, é bem provável que o governo sofra perdas importantes na equipe econômica. Sem ir mais longe, o secretário especial de Tesouro e Orçamento, por exemplo, já deixou mais do que claro que não compactuará com tamanha irresponsabilidade.

Seria, de fato, muito difícil manter a credibilidade do regime fiscal nesse cenário. O que, por si só, já configuraria deplorável retrocesso.

Pior ainda seria se, em paralelo, no calor do alarme com a aceleração da inflação, houvesse também retrocessos em políticas importantes de formação de preços que pareciam ter sido consolidadas ao longo dos últimos cinco anos.

A política de alinhamento de preços internos de derivados de petróleo a preços internacionais passou a ser a bola da vez. Vem sofrendo críticas cerradas, da direita à esquerda do espectro político.

Arthur Lira, presidente da Câmara, achou oportuno lembrar à Petrobras que os brasileiros são seus acionistas (Folha, 14/9). Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, vem arguindo que, por ser empresa pública, a Petrobras tem de “cuidar também de interesses sociais” (Bloomberg, 13/10).

E, em entrevista coletiva na semana passada, Lula não deixou dúvidas sobre o que pensa acerca do que anda fazendo a Petrobras. “Não vejo nenhum sentido em querer agradar acionista minoritário americano e não querer agradar consumidor majoritário brasileiro”. (Folha, 9/10)

É fácil perceber que já há de novo no país denso caldo de cultura para deplorável retrocesso na política de preços de combustíveis. De pouco serviram as lições ainda recentes da longa, ruinosa e populista manipulação de preços imposta à Petrobras pelo governo Dilma Rousseff.

Mais uma vez se iludiram os que imaginavam que, no que diz respeito à mentalidade, o país só poderia andar para frente.

 

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