Folha de S. Paulo
Sacerdotes são valiosos demais para ser
mandados para a cadeia
Os números impressionam. Segundo a comissão
independente que investigou atos de pedofilia na Igreja
Católica francesa, membros do clero abusaram sexualmente de 216 mil
crianças e adolescente nos últimos 70 anos. Isso dá 3.085 estupros por ano, ou
8,4 novos casos por dia.
Os responsáveis por isso teriam sido de
2.900 a 3.200 pedófilos entre os 115 mil padres que atuaram de 1950 a 2020. A
comissão, vale destacar, foi criada por iniciativa da conferência dos bispos da
França, que pediu perdão às vítimas e à sociedade.
O que chama quase tanta atenção quanto o volume de abusos é a política de acobertamento sistemático por parte das autoridades eclesiásticas. Elas não só não denunciavam os crimes como, em alguns casos, expunham crianças aos predadores sexuais. Por quê?
Uma boa explicação para esse padrão de
comportamento é a de Darrel Rey em “The God Virus”
(Deus, um vírus). O leitor religioso não precisa ficar bravo com Rey. Ele
próprio esclarece que nem todos os vírus são patológicos, mas todos invadem
células de hospedeiros e, uma vez dentro delas, sequestram o maquinário celular
para produzir o maior número possível de cópias de si mesmos, que partirão em
busca de novos hospedeiros.
Religiões, como vírus, precisam de um veículo
para infectar as mentes dos humanos, que reproduzirão suas ideias. Sacerdotes
são vetores particularmente eficientes. Eles, mais do que os fiéis ordinários,
se dedicam a converter adeptos e preservar a “pureza” da religião, para que não
seja conspurcada por mutações que a descaracterizem.
Tais vetores exigem muito investimento.
Precisam ser treinados, o que consome tempo e recursos. Uma vez formados,
tornam-se valiosos demais para ser mandados para a cadeia. É por isso que, por
tanto tempo, a Igreja Católica preferiu proteger os padres às crianças. Só
agora que os custos do acobertamento subiram muito é que os vetores se tornaram
sacrificáveis.
E para o céu e para o inferno...
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