sábado, 9 de outubro de 2021

Hélio Schwartsman - O vírus da religião

Folha de S. Paulo

Sacerdotes são valiosos demais para ser mandados para a cadeia

Os números impressionam. Segundo a comissão independente que investigou atos de pedofilia na Igreja Católica francesa, membros do clero abusaram sexualmente de 216 mil crianças e adolescente nos últimos 70 anos. Isso dá 3.085 estupros por ano, ou 8,4 novos casos por dia.

Os responsáveis por isso teriam sido de 2.900 a 3.200 pedófilos entre os 115 mil padres que atuaram de 1950 a 2020. A comissão, vale destacar, foi criada por iniciativa da conferência dos bispos da França, que pediu perdão às vítimas e à sociedade.

O que chama quase tanta atenção quanto o volume de abusos é a política de acobertamento sistemático por parte das autoridades eclesiásticas. Elas não só não denunciavam os crimes como, em alguns casos, expunham crianças aos predadores sexuais. Por quê?

Uma boa explicação para esse padrão de comportamento é a de Darrel Rey em “The God Virus” (Deus, um vírus). O leitor religioso não precisa ficar bravo com Rey. Ele próprio esclarece que nem todos os vírus são patológicos, mas todos invadem células de hospedeiros e, uma vez dentro delas, sequestram o maquinário celular para produzir o maior número possível de cópias de si mesmos, que partirão em busca de novos hospedeiros.

Religiões, como vírus, precisam de um veículo para infectar as mentes dos humanos, que reproduzirão suas ideias. Sacerdotes são vetores particularmente eficientes. Eles, mais do que os fiéis ordinários, se dedicam a converter adeptos e preservar a “pureza” da religião, para que não seja conspurcada por mutações que a descaracterizem.

Tais vetores exigem muito investimento. Precisam ser treinados, o que consome tempo e recursos. Uma vez formados, tornam-se valiosos demais para ser mandados para a cadeia. É por isso que, por tanto tempo, a Igreja Católica preferiu proteger os padres às crianças. Só agora que os custos do acobertamento subiram muito é que os vetores se tornaram sacrificáveis.

 

Um comentário:

laurindo junqueira disse...

E para o céu e para o inferno...