quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Merval Pereira - Política apequenada

O Globo

A obsessiva relutância do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre, contra a nomeação do ex-ministro de Bolsonaro André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo quando revestida de ares de “grande política”, não passa de uma ação isolada de um político que, mesmo presidindo a comissão mais importante da Casa, voltou ao baixo clero de onde proveio e tenta ganhar alguma relevância no cenário nacional.

Diz-se que Alcolumbre se espelha no caso do então presidente americano Barack Obama, que indicou à Suprema Corte o presidente do Tribunal de Recursos de Washington, Merrick Garland, para a vaga do conservador Antonin Scalia, e sua decisão foi barrada pela bancada dos republicanos, que se recusou a sabatiná-lo. Faltavam 11 meses para a eleição em que Trump foi vencedor, e a ação deu certo.



Coube a Trump, recém-eleito, nomear o novo ministro da Corte Suprema dos Estados Unidos, Neil Gorsuch, mantendo a maioria conservadora. E a ampliou com a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, um ícone da política liberal nos Estados Unidos, defensora da igualdade de direitos da mulher, combatente dos direitos humanos. Faltavam poucas semanas para a eleição em que Trump seria derrotado por Joe Biden, e os democratas tentaram revidar, exigindo que o novo ministro só fosse nomeado pelo futuro presidente.

Não conseguiram conter a ação republicana, que queria fixar uma “supermaioria” na Suprema Corte. Com a indicação da juíza Amy Coney Barrett, uma católica conservadora contrária ao aborto, a maioria republicana ficou mantida por muito tempo, já que, lá, o mandato é vitalício. A ponto de a nova administração democrata ter entre seus projetos uma reforma na formação da Suprema Corte, aumentando seus componentes para tentar desfazer a maioria de seis a três que hoje os conservadores têm.

Como no Congresso dos Estados Unidos vigora o bipartidarismo, a indicação de ministros da Corte Suprema pode mudar o pêndulo ideológico. No caso brasileiro, em que a fragmentação partidária é a tônica, a indicação para ministro do STF não tem essa força partidária. O julgamento do mensalão foi uma prova de que os juízes escolhidos pelos governos petistas — a certa altura eram oito de 11 — atuaram de maneira independente, valorizando suas atuações. Mesmo que Lula tenha se sentido “traído” por ministros indicados por ele, o que demonstra que não tinha a intenção de escolher juízes independentes, o plenário do Supremo portou-se com honra num momento histórico importante.

A postura do presidente Bolsonaro, que, de defensor do combate à corrupção, passou a ser o artífice de seu desmanche, num encontro de interesses com o petismo que alterou o equilíbrio no STF, está introduzindo os critérios religioso e de lealdade cega para suas indicações. André Mendonça é “terrivelmente evangélico”, e Nunes Marques, saído diretamente de desembargador para a última instância do Judiciário, é “terrivelmente leal”.

O que leva a desvirtuar até mesmo a Procuradoria-Geral da República, cujo titular, Augusto Aras, disputa uma vaga que teoricamente já está preenchida por André Mendonça. O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, prende há três meses a sabatina que só ele pode agendar, para forçar o presidente a ceder a seus desejos; o mais aparente deles, conseguir a nomeação de Aras para o posto.

Alcolumbre tenta colocar a sabatina de Mendonça no mesmo pacote antilavajato que vem sendo aprovado no Congresso, desmanchando a legislação e a estrutura de combate à corrupção montada a duras penas no país. Para dar um lustro na sua posição, alega agora que não pretende deixar que um juiz “lavajatista”, repetindo Odorico Paraguaçu, chegue ao STF. Essa teoria da conspiração de que André Mendonça é um apoiador da Operação Lava-Jato corre pelos bastidores do Congresso, como se fosse possível um homem de confiança de Bolsonaro ter esse predicado.

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