sábado, 30 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

TSE defende a democracia

O Estado de S. Paulo

Duas decisões do TSE são um recado importante para 2022. Quem tentar fraudar a lisura das eleições, seja por qual for o meio, enfrentará as consequências da lei

Quem tentar fraudar lisura das eleições enfrentará as consequências da lei.

Na quinta-feira passada, em duas decisões aparentemente opostas – uma com pedido julgado improcedente e outra, procedente –, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez enfática defesa da democracia diante das novas táticas de difusão massiva de desinformação. Os dois casos revelam tanto o esforço da Corte na proteção da lisura das eleições como as insuficiências da atual legislação para lidar de forma efetiva com os novos ataques digitais.

No primeiro caso, o TSE não cassou a chapa Bolsonaro e Mourão, acusada de abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação na campanha de 2018. Segundo a Corte, ainda que contivessem elementos de ilicitude, as provas apresentadas eram insuficientes para atestar a gravidade dos fatos, o que é requisito para a cassação da chapa.

O TSE aproveitou o caso para estabelecer uma orientação para situações futuras. Segundo a nova tese fixada, as hipóteses previstas no art. 22 da Lei Complementar (LC) 64/1990, a respeito de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, também podem ocorrer pelo “uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato”.

No segundo caso, o plenário do TSE cassou o mandato e tornou inelegível o deputado estadual Fernando Francischini, por divulgar informações mentirosas contra o sistema eletrônico de votação. No dia do primeiro turno das eleições de 2018, Francischini – então deputado federal pelo Paraná – fez uma live afirmando que urnas fraudadas não estavam aceitando votos em Jair Bolsonaro.

A tal denúncia, que gerou imediata repercussão, baseava-se em vídeo flagrantemente falso, em que o eleitor tentava votar “17” e o sistema classificava como inválido. O detalhe, inteiramente visível na gravação, era que a digitação ocorria na votação de governador, e não na de presidente da República.

Segundo a Corte, Francischini incorreu nas hipóteses do art. 22 da LC 64/1990, de uso indevido dos meios de comunicação e de abuso de poder político e de autoridade. Vale lembrar que era um deputado federal divulgando informação mentirosa sobre as urnas no próprio dia da votação. “Aqui está em questão, mais que o futuro de um mandato, o próprio futuro das eleições e da democracia”, disse o ministro Edson Fachin.

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso recordou um aspecto fundamental da liberdade de expressão. “As palavras têm sentido e poder. As pessoas têm liberdade de expressão, mas elas precisam ter responsabilidade pelo que falam”, disse. Certamente, um deputado federal não pode divulgar impunemente informação mentirosa sobre as eleições, especialmente no dia da votação. Além de tumultuar o processo eleitoral, a prática mobiliza, de forma manipuladora, o eleitorado.

Na live, Francischini também relatou enganosamente a apreensão de algumas urnas, o que, segundo ele, confirmaria a participação da Justiça Eleitoral nas fraudes contra Bolsonaro. “É um precedente muito grave – disse Luís Roberto Barroso – que pode comprometer todo o processo eleitoral se acusar, de forma inverídica, a ocorrência de fraude e se acusar a Justiça Eleitoral de estar mancomunada com isso.”

O julgamento dos dois casos é um recado importante para o pleito de 2022. Quem tentar fraudar a lisura das eleições, seja por qual for o meio, enfrentará as consequências da lei. Em consonância com a nova orientação fixada, é importante que a Justiça Eleitoral seja mais célere no julgamento dessas práticas. A figura da cassação existe para impedir o exercício indevido do poder. Quando é decretada apenas no final do mandato, seus efeitos ficam bastante mitigados.

Os ataques às eleições por meio das novas tecnologias recordam também a necessidade de o Congresso realizar – com cuidado, mas sem omissões – a atualização da legislação. Com leis defasadas, a atuação da Justiça Eleitoral terá sempre a nota da insuficiência. E a democracia merece proteção efetiva.

Irresponsabilidade deliberada

O Estado de S. Paulo

O preço da demagogia pesará desproporcionalmente sobre os pobres. Por ironia (ou talvez justiça) do destino, é possível que a fatura chegue antes das eleições

Responsabilidade fiscal e responsabilidade social são aspectos da responsabilidade com os recursos públicos. A última garante que eles servirão o bem comum, em especial aos vulneráveis, auxiliando-os a conquistar sua independência. Mas para tanto é preciso que haja recursos. É isso o que a disciplina fiscal garante, além da estabilidade econômica, condição para que os negócios prosperem e, logo, para a ampliação do melhor programa social que existe: o emprego.

O País deve a essa disciplina sua maior conquista econômica desde a redemocratização – o controle da inflação – e a saída de sua pior crise – a recessão. O retorno da indisciplina o põe na rota da inflação, juros altos, mais dívida pública, pressão tributária, fuga de investimentos, desvalorização cambial, deterioração da renda e desemprego. O alívio aos pobres hoje será pago com a multiplicação e a perpetuação da miséria amanhã.

O rompimento do teto de gastos pode elevar as despesas de R$ 1,647 trilhão para R$ 1,680 trilhão. “Não é o fim do mundo”, ponderou Mansueto Almeida, um dos artífices da recuperação pós-recessão, “se bem justificado tecnicamente.” Nesse “se” está o x da questão.

Uma “licença para gastar” deveria ser provisória. Em tese, diz-se que o auxílio de R$ 400 valerá até o fim de 2022. Na prática, está se constitucionalizando o calote (nos precatórios) e as pedaladas (na manipulação retroativa do cálculo dos limites de gastos). Em segundo lugar, essa licença deveria ser acompanhada por um plano convincente de corte de gastos e racionalização dos programas sociais.

Se se preocupasse mais com a vida do que com o voto dos pobres, o presidente Jair Bolsonaro teria iniciado seu mandato articulando uma base parlamentar apta a implementar uma tributação progressiva e uma máquina pública mais eficiente e menos custosa. Só a eliminação dos privilégios do funcionalismo, como propõe a PEC 147/19, renderia um auxílio de R$ 250.

A racionalização dos programas sociais permitiria remanejar recursos sem custos e com mais eficiência, amparando (continuamente) as pessoas em miséria crônica e (provisoriamente) as sujeitas à volatilidade de renda em excepcionalidades como a pandemia. O projeto de Lei de Responsabilidade Social, que jaz no Senado, foi formatado com esse fim.

Além de reformas para garantir a sustentabilidade fiscal e social, o governo poderia ter investido contra gastos como os Fundos Partidário e Eleitoral, emendas parlamentares exorbitantes ou os inúmeros subsídios corporativos.

Essas medidas abririam espaço para gastos sociais e permitiriam até antecipar a revisão do teto sem convulsões no mercado. Mesmo sem elas, seria possível, segundo a Instituição Fiscal Independente, reservar ao abrigo do teto R$ 30 bilhões, ampliando para R$ 250 o Bolsa Família e incluindo os mais de 2 milhões de pessoas na sua fila.

Mas o presidente optou de saída pelo confronto com o Congresso. Depois, sabotou a vacinação, retardando a retomada. Enquanto sua popularidade derretia, o Centrão sequestrava o Orçamento e submetia a política econômica a seus interesses paroquiais. As reformas foram subvertidas em contrarreformas. Não se esboçou qualquer modernização dos programas sociais. Os subsídios seguem intocados e os fundos partidários e emendas parlamentares foram anabolizados.

A quebra da regra fiscal já está abrigando mais demandas fisiológicas por fundos e emendas e novos benefícios corporativistas, como o auxílio aos caminhoneiros. O teto despedaçado sofrerá mais investidas, e a credibilidade fiscal do País irá para o espaço. Em plena turbulência global, o Brasil entrará na rota da estagflação. As projeções do PIB estão em queda livre, o desemprego pode aumentar e a inflação acabará corroendo os ganhos com os benefícios sociais. O preço da demagogia pesará desproporcionalmente sobre os pobres. Por ironia (ou talvez justiça) do destino, é possível que a fatura chegue antes das eleições.

A população já paga caro pela crônica irresponsabilidade social do governo. Com o surto de irresponsabilidade fiscal, a conta vai explodir.

Tolerância zero

Folha de S. Paulo

TSE promete agir contra mensagens eleitorais enganosas após isentar Bolsonaro por disparos

O Tribunal Superior Eleitoral se comprometeu nesta semana a agir com energia contra todos os que tentarem tumultuar o pleito de 2022 espalhando mentiras nas redes sociais. Antes tarde do que nunca.

Na quinta-feira (28), a corte arquivou as ações que pediam a cassação do presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, por causa da disseminação de propaganda enganosa contra seus adversários na campanha de 2018.

Embora tenha sido comprovada a existência de um esquema ilícito para disparar mensagens em benefício de Bolsonaro nas vésperas do segundo turno da eleição, como a Folha revelou na época, as provas reunidas foram consideradas insuficientes para cassação.

Ao final do julgamento, o colegiado decidiu que ações desse tipo passarão a ser tratadas como abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação. Fixaram-se critérios para avaliar a gravidade dos delitos caso a caso.

As punições dependerão da comprovação da falsidade do conteúdo das mensagens, do seu alcance, do impacto no eleitorado, do envolvimento dos candidatos com sua difusão e da participação de empresas no financiamento da iniciativa.

O ministro Alexandre de Moraes, que assumirá a presidência do TSE no próximo ano, foi enfático: "Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia".

No mesmo dia, o tribunal cassou o mandato do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (PSL-PR) e o tornou inelegível, por ter divulgado notícias falsas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas na campanha de 2018.

É bom que Francischini tenha sido punido, mas é fácil perceber que ele não fez nada muito diferente do que o próprio Bolsonaro fez em julho deste ano, quando atacou as urnas numa de suas infames transmissões semanais na internet —até aqui, impunemente.

Passados três anos desde a revelação dos disparos de mensagens por WhatsApp, o resultado das investigações do TSE não deixa de ser decepcionante. Pistas importantes deixaram de ser seguidas, testemunhas não foram ouvidas e provas valiosas foram ignoradas.

Desprevenido na campanha de 2018, o tribunal parece ter hoje maior compreensão dos riscos que as novas tecnologias criam para o processo eleitoral, mas é preciso também que aperfeiçoe os instrumentos de que dispõe para coibir as práticas ilegais.

Se é bem vinda a disposição da Justiça Eleitoral para deter os que só pensam em sabotar a democracia, é certo também que a força de seu poder dissuasório ainda resta por ser demonstrada.

O burro e o confuso

Folha de S. Paulo

Bate-boca entre ministros expõe descoordenação no governo e descaso com ciência e tecnologia

Até quem já se acostumou com a incontinência verbal do governo Jair Bolsonaro se espantou ao saber que o ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou de burro o da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, numa reunião com deputados.

A pauta do encontro era a retirada de R$ 600 milhões do orçamento da pasta do astronauta para este ano. Os parlamentares foram a Guedes apelar para que reconstituísse a verba subtraída e ouviram então o ministro criticar o colega.

Pontes é um ministro decorativo, que mais parece orbitar a pasta sem nunca ter nela aterrissado para liderar um setor crucial para o desenvolvimento, sobretudo num governo dado à ignorância.

Em raro rompante na defesa da pesquisa, o ministro disse no início do mês que pensara em se demitir, chateado com a perda dos recursos, mas que a inclinação tinha passado. A ameaça implícita teve parca repercussão. Ainda assim, foi o que bastou para deixar Guedes irritado.

Pontes é irrelevante, mas a comunidade científica tem razão para reclamar. Em 2020, o investimento em ciência e tecnologia foi o menor em 12 anos, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério da Economia.

Em 2013, no pico das verbas do setor, investiram-se R$ 27 bilhões. Em 2020, a cifra retrocedeu para R$ 17 bilhões —isso num ano de pandemia, em que seriam de esperar vultosos dispêndios na pesquisa de vacinas e outras iniciativas.

Pontes, entretanto, preferiu ocupar-se com terrenos na Lua, remédios ineficazes contra a Covid-19 e um spray à base de nióbio para limpar as mãos e combater o coronavírus, que, como todos sabem, se dissemina principalmente pelo ar.

Em agosto, Guedes enviou ao Congresso projeto de lei abrindo crédito suplementar de R$ 690 milhões para o combalido ministério do astronauta, na mesma época em que até a plataforma de currículos acadêmicos Lattes saiu do ar por falta de recursos para manutenção.

Dois meses depois, Economia e Casa Civil decidiram realocar R$ 600 milhões da verba para outras pastas. Segundo Guedes, a medida foi tomada porque Pontes é incompetente e não consegue gastar nem o que seu ministério recebe.

O ministro atacado se defendeu e disse que o colega da Economia talvez esteja confuso, dada a dificuldade para fechar as contas do Orçamento de 2022. Na ausência de diálogo, a investigação científica e tecnológica perdeu mais uma.

 

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