EDITORIAIS
TSE defende a democracia
O Estado de S. Paulo
Duas decisões do TSE são um recado importante para 2022. Quem tentar fraudar a lisura das eleições, seja por qual for o meio, enfrentará as consequências da lei
Quem tentar fraudar lisura das eleições
enfrentará as consequências da lei.
Na quinta-feira passada, em duas decisões
aparentemente opostas – uma com pedido julgado improcedente e outra, procedente
–, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez enfática defesa da democracia diante
das novas táticas de difusão massiva de desinformação. Os dois casos revelam
tanto o esforço da Corte na proteção da lisura das eleições como as
insuficiências da atual legislação para lidar de forma efetiva com os novos
ataques digitais.
No primeiro caso, o TSE não cassou a chapa
Bolsonaro e Mourão, acusada de abuso de poder econômico e uso indevido de meios
de comunicação na campanha de 2018. Segundo a Corte, ainda que contivessem
elementos de ilicitude, as provas apresentadas eram insuficientes para atestar
a gravidade dos fatos, o que é requisito para a cassação da chapa.
O TSE aproveitou o caso para estabelecer
uma orientação para situações futuras. Segundo a nova tese fixada, as hipóteses
previstas no art. 22 da Lei Complementar (LC) 64/1990, a respeito de abuso de
poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, também podem
ocorrer pelo “uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando
promover disparos em massa contendo desinformação e inverdades em prejuízo de
adversários e em benefício de candidato”.
No segundo caso, o plenário do TSE cassou o mandato e tornou inelegível o deputado estadual Fernando Francischini, por divulgar informações mentirosas contra o sistema eletrônico de votação. No dia do primeiro turno das eleições de 2018, Francischini – então deputado federal pelo Paraná – fez uma live afirmando que urnas fraudadas não estavam aceitando votos em Jair Bolsonaro.
A tal denúncia, que gerou imediata
repercussão, baseava-se em vídeo flagrantemente falso, em que o eleitor tentava
votar “17” e o sistema classificava como inválido. O detalhe, inteiramente
visível na gravação, era que a digitação ocorria na votação de governador, e
não na de presidente da República.
Segundo a Corte, Francischini incorreu nas
hipóteses do art. 22 da LC 64/1990, de uso indevido dos meios de comunicação e
de abuso de poder político e de autoridade. Vale lembrar que era um deputado
federal divulgando informação mentirosa sobre as urnas no próprio dia da
votação. “Aqui está em questão, mais que o futuro de um mandato, o próprio
futuro das eleições e da democracia”, disse o ministro Edson Fachin.
Em seu voto, o ministro Luís Roberto
Barroso recordou um aspecto fundamental da liberdade de expressão. “As palavras
têm sentido e poder. As pessoas têm liberdade de expressão, mas elas precisam
ter responsabilidade pelo que falam”, disse. Certamente, um deputado federal
não pode divulgar impunemente informação mentirosa sobre as eleições,
especialmente no dia da votação. Além de tumultuar o processo eleitoral, a
prática mobiliza, de forma manipuladora, o eleitorado.
Na live, Francischini também relatou
enganosamente a apreensão de algumas urnas, o que, segundo ele, confirmaria a
participação da Justiça Eleitoral nas fraudes contra Bolsonaro. “É um
precedente muito grave – disse Luís Roberto Barroso – que pode comprometer todo
o processo eleitoral se acusar, de forma inverídica, a ocorrência de fraude e
se acusar a Justiça Eleitoral de estar mancomunada com isso.”
O julgamento dos dois casos é um recado
importante para o pleito de 2022. Quem tentar fraudar a lisura das eleições,
seja por qual for o meio, enfrentará as consequências da lei. Em consonância
com a nova orientação fixada, é importante que a Justiça Eleitoral seja mais
célere no julgamento dessas práticas. A figura da cassação existe para impedir
o exercício indevido do poder. Quando é decretada apenas no final do mandato,
seus efeitos ficam bastante mitigados.
Os ataques às eleições por meio das novas
tecnologias recordam também a necessidade de o Congresso realizar – com
cuidado, mas sem omissões – a atualização da legislação. Com leis defasadas, a
atuação da Justiça Eleitoral terá sempre a nota da insuficiência. E a democracia
merece proteção efetiva.
Irresponsabilidade deliberada
O Estado de S. Paulo
O preço da demagogia pesará
desproporcionalmente sobre os pobres. Por ironia (ou talvez justiça) do
destino, é possível que a fatura chegue antes das eleições
Responsabilidade fiscal e responsabilidade
social são aspectos da responsabilidade com os recursos públicos. A última
garante que eles servirão o bem comum, em especial aos vulneráveis,
auxiliando-os a conquistar sua independência. Mas para tanto é preciso que haja
recursos. É isso o que a disciplina fiscal garante, além da estabilidade
econômica, condição para que os negócios prosperem e, logo, para a ampliação do
melhor programa social que existe: o emprego.
O País deve a essa disciplina sua maior
conquista econômica desde a redemocratização – o controle da inflação – e a
saída de sua pior crise – a recessão. O retorno da indisciplina o põe na rota
da inflação, juros altos, mais dívida pública, pressão tributária, fuga de
investimentos, desvalorização cambial, deterioração da renda e desemprego. O
alívio aos pobres hoje será pago com a multiplicação e a perpetuação da miséria
amanhã.
O rompimento do teto de gastos pode elevar
as despesas de R$ 1,647 trilhão para R$ 1,680 trilhão. “Não é o fim do mundo”,
ponderou Mansueto Almeida, um dos artífices da recuperação pós-recessão, “se
bem justificado tecnicamente.” Nesse “se” está o x da questão.
Uma “licença para gastar” deveria ser
provisória. Em tese, diz-se que o auxílio de R$ 400 valerá até o fim de 2022.
Na prática, está se constitucionalizando o calote (nos precatórios) e as
pedaladas (na manipulação retroativa do cálculo dos limites de gastos). Em
segundo lugar, essa licença deveria ser acompanhada por um plano convincente de
corte de gastos e racionalização dos programas sociais.
Se se preocupasse mais com a vida do que
com o voto dos pobres, o presidente Jair Bolsonaro teria iniciado seu mandato
articulando uma base parlamentar apta a implementar uma tributação progressiva
e uma máquina pública mais eficiente e menos custosa. Só a eliminação dos
privilégios do funcionalismo, como propõe a PEC 147/19, renderia um auxílio de
R$ 250.
A racionalização dos programas sociais
permitiria remanejar recursos sem custos e com mais eficiência, amparando
(continuamente) as pessoas em miséria crônica e (provisoriamente) as sujeitas à
volatilidade de renda em excepcionalidades como a pandemia. O projeto de Lei de
Responsabilidade Social, que jaz no Senado, foi formatado com esse fim.
Além de reformas para garantir a
sustentabilidade fiscal e social, o governo poderia ter investido contra gastos
como os Fundos Partidário e Eleitoral, emendas parlamentares exorbitantes ou os
inúmeros subsídios corporativos.
Essas medidas abririam espaço para gastos
sociais e permitiriam até antecipar a revisão do teto sem convulsões no
mercado. Mesmo sem elas, seria possível, segundo a Instituição Fiscal
Independente, reservar ao abrigo do teto R$ 30 bilhões, ampliando para R$ 250 o
Bolsa Família e incluindo os mais de 2 milhões de pessoas na sua fila.
Mas o presidente optou de saída pelo
confronto com o Congresso. Depois, sabotou a vacinação, retardando a retomada.
Enquanto sua popularidade derretia, o Centrão sequestrava o Orçamento e
submetia a política econômica a seus interesses paroquiais. As reformas foram
subvertidas em contrarreformas. Não se esboçou qualquer modernização dos
programas sociais. Os subsídios seguem intocados e os fundos partidários e
emendas parlamentares foram anabolizados.
A quebra da regra fiscal já está abrigando
mais demandas fisiológicas por fundos e emendas e novos benefícios
corporativistas, como o auxílio aos caminhoneiros. O teto despedaçado sofrerá
mais investidas, e a credibilidade fiscal do País irá para o espaço. Em plena
turbulência global, o Brasil entrará na rota da estagflação. As projeções do
PIB estão em queda livre, o desemprego pode aumentar e a inflação acabará
corroendo os ganhos com os benefícios sociais. O preço da demagogia pesará
desproporcionalmente sobre os pobres. Por ironia (ou talvez justiça) do
destino, é possível que a fatura chegue antes das eleições.
A população já paga caro pela crônica irresponsabilidade social do governo. Com o surto de irresponsabilidade fiscal, a conta vai explodir.
Tolerância zero
Folha de S. Paulo
TSE promete agir contra mensagens
eleitorais enganosas após isentar Bolsonaro por disparos
O Tribunal Superior Eleitoral se
comprometeu nesta semana a agir com
energia contra todos os que tentarem tumultuar o pleito de 2022
espalhando mentiras nas redes sociais. Antes tarde do que nunca.
Na quinta-feira (28), a corte arquivou as
ações que pediam a cassação do presidente Jair Bolsonaro e seu
vice, Hamilton Mourão, por causa da disseminação de propaganda enganosa contra
seus adversários na campanha de 2018.
Embora tenha sido comprovada a existência
de um esquema ilícito para disparar mensagens em benefício de Bolsonaro nas
vésperas do segundo turno da eleição, como a Folha revelou na época,
as provas reunidas foram consideradas insuficientes
para cassação.
Ao final do julgamento, o colegiado decidiu
que ações desse tipo passarão a ser tratadas como abuso de poder econômico e
uso indevido de meios de comunicação. Fixaram-se critérios para avaliar a
gravidade dos delitos caso a caso.
As punições dependerão da comprovação da
falsidade do conteúdo das mensagens, do seu alcance, do impacto no eleitorado,
do envolvimento dos candidatos com sua difusão e da participação de empresas no
financiamento da iniciativa.
O ministro Alexandre de
Moraes, que assumirá a presidência do TSE no próximo ano, foi
enfático: "Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será
cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentarem contra
as eleições e a democracia".
No mesmo dia, o tribunal cassou o mandato
do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (PSL-PR) e o tornou
inelegível, por ter divulgado notícias falsas sobre o funcionamento das urnas
eletrônicas na campanha de 2018.
É bom que Francischini tenha sido punido,
mas é fácil perceber que ele não fez nada muito diferente do que o próprio
Bolsonaro fez em julho deste ano, quando atacou as urnas numa de suas infames
transmissões semanais na internet —até aqui, impunemente.
Passados três anos desde a revelação dos
disparos de mensagens por WhatsApp, o resultado das
investigações do TSE não deixa de ser decepcionante. Pistas
importantes deixaram de ser seguidas, testemunhas não foram ouvidas e provas
valiosas foram ignoradas.
Desprevenido na campanha de 2018, o
tribunal parece ter hoje maior compreensão dos riscos que as novas tecnologias
criam para o processo eleitoral, mas é preciso também que aperfeiçoe os
instrumentos de que dispõe para coibir as práticas ilegais.
Se é bem vinda a disposição da Justiça
Eleitoral para deter os que só pensam em sabotar a democracia, é certo também
que a força de seu poder dissuasório ainda resta por ser demonstrada.
O burro e o confuso
Folha de S. Paulo
Bate-boca entre ministros expõe
descoordenação no governo e descaso com ciência e tecnologia
Até quem já se acostumou com a
incontinência verbal do governo Jair Bolsonaro se espantou ao saber que o
ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou de
burro o da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, numa reunião
com deputados.
A pauta do encontro era a retirada de R$
600 milhões do orçamento da pasta do astronauta para este ano. Os parlamentares
foram a Guedes apelar para que reconstituísse a verba subtraída e ouviram então
o ministro criticar o colega.
Pontes é um ministro decorativo, que mais
parece orbitar a pasta sem nunca ter nela aterrissado para liderar um setor
crucial para o desenvolvimento, sobretudo num governo dado à ignorância.
Em raro rompante na defesa da pesquisa, o
ministro disse no início do mês que pensara em se
demitir, chateado com a perda dos recursos, mas que a inclinação
tinha passado. A ameaça implícita teve parca repercussão. Ainda assim, foi o
que bastou para deixar Guedes irritado.
Pontes é irrelevante, mas a comunidade
científica tem razão para reclamar. Em 2020, o investimento em
ciência e tecnologia foi o menor em 12 anos, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), ligado ao Ministério da Economia.
Em 2013, no pico das verbas do setor,
investiram-se R$ 27 bilhões. Em 2020, a cifra retrocedeu para R$ 17 bilhões
—isso num ano de pandemia, em que seriam de esperar vultosos dispêndios na
pesquisa de vacinas e outras iniciativas.
Pontes, entretanto, preferiu ocupar-se com
terrenos na Lua, remédios ineficazes contra a Covid-19 e um spray à base de
nióbio para limpar as mãos e combater o coronavírus, que, como todos sabem, se
dissemina principalmente pelo ar.
Em agosto, Guedes enviou ao Congresso
projeto de lei abrindo crédito suplementar de R$ 690 milhões para o combalido
ministério do astronauta, na mesma época em que até a plataforma de currículos
acadêmicos Lattes saiu do ar por falta de recursos para manutenção.
Dois meses depois, Economia e Casa Civil decidiram
realocar R$ 600 milhões da verba para outras
pastas. Segundo Guedes, a medida foi tomada porque Pontes é
incompetente e não consegue gastar nem o que seu ministério recebe.
O ministro atacado se defendeu e disse que
o colega da Economia talvez esteja
confuso, dada a dificuldade para fechar as contas do Orçamento de
2022. Na ausência de diálogo, a investigação científica e tecnológica perdeu
mais uma.
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