sábado, 9 de outubro de 2021

Pablo Ortellado - Facebook e a polarização

O Globo

Na última terça-feira, Frances Haugen, ex-funcionária da divisão de integridade cívica do Facebook, depôs no Senado americano. Seu depoimento aconteceu depois da publicação de uma série de reportagens no jornal The Wall Street Journal a partir de documentos internos da empresa vazados por ela.

As reportagens mostraram que uma mudança no Facebook passou a promover conteúdos politicamente divisivos e que a empresa preferiu não reverter essa mudança, mesmo sabendo dos seus efeitos, para não afetar a lucratividade do negócio. A denúncia foi comparada ao escândalo da descoberta de que as empresas de tabaco tinham feito estudos atestando que os cigarros eram viciantes e os esconderam do público para proteger a indústria.

Ela diz respeito às mudanças no algoritmo do Facebook que determina a ordem das postagens apresentadas ao usuário quando desce a barra de rolagem. Ao mudar o ordenamento, postagens e interações (curtidas, comentários e compartilhamentos) de pessoas mais próximas passaram a ser destacadas, em detrimento de conteúdos de amigos mais distantes ou páginas de instituições.

O Facebook disse que fez a mudança porque acreditava que certos conteúdos “passivos”, como vídeos profissionais, estavam ganhando muita audiência, e isso poderia trazer prejuízo para a saúde dos usuários. Documentos internos mostram, porém, que a verdadeira causa da mudança foi a necessidade de aumentar o engajamento dos usuários, expondo mais postagens que estimulassem comentários — o que ampliaria o uso diário do Facebook e, consequentemente, as oportunidades para apresentar publicidade.

Com a mudança do algoritmo, a interação das postagens efetivamente disparou. Só que o tipo de postagem que gerava mais engajamento era desinformativo ou politicamente divisivo. Um memorando interno da empresa alertou que “desinformação e conteúdo tóxico e violento estão extraordinariamente se destacando entre os compartilhamentos”.

Um estudo sobre os efeitos da mudança do algoritmo na Espanha destacou que os partidos políticos aprenderam que “ataques duros a oponentes geram maior engajamento” e que, embora digam que tentam evitar o comportamento, no final terminam “fazendo o que funciona”.

Um diretor do site BuzzFeed alertou um executivo do Facebook de que os piores conteúdos do site estavam viralizando na plataforma, incentivando a criação de conteúdos ruins. Um grupo de partidos políticos europeus escreveu ao Facebook pedindo para reverter a mudança no algoritmo porque seus apoiadores estavam ficando muito radicalizados, o que os obrigava a adotar posições políticas mais extremas.

Apesar dos alertas internos e externos, a direção do Facebook optou por manter a medida, priorizando seus interesses comerciais.

A denúncia de Haugen está servindo para recolocar o debate sobre onde deve incidir a regulação estatal. Embora se fale muito em regular a moderação de conteúdo, Haugen mostrou a urgência de regular os algoritmos que ordenam as postagens nas mídias sociais.

 

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