sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Pedro Doria - Fora, Zuckerberg

O Globo / O Estado de S. Paulo

O depoimento de Frances Haugen perante o Senado americano, na última terça-feira, marcou uma virada na relação de Washington com o Facebook. Ela, que era responsável pela questão de desinformação cívica na plataforma, não trouxe para os políticos coisa que eles não soubessem. O que trouxe foram pistas sobre o caminho a seguir para regular. E isso tem imenso valor. Desse depoimento, saem pelo menos duas conclusões muito importantes.

A primeira é que Haugen ajudou republicanos e democratas a encontrar um caminho comum. Em tese, o que apresentou foi uma delação. Dentro da companhia, ela ocupava uma gerência responsável por compreender e oferecer soluções para os problemas que o Facebook causa à sociedade.

Os problemas foram mapeados e não são novos. Jornalistas que trabalham com desinformação, sociólogos que investigam o impacto do meio digital na vida das pessoas ou cientistas políticos que estudam a intersecção entre radicalismo e internet já os conheciam bem e com profundidade. A diferença é que, agora, sabemos que dentro do Facebook as mesmas conclusões foram tiradas.

Sabemos, também, que o Facebook sabe como resolver ao menos parcialmente os problemas. A questão de como as redes incitam ódio político. Ou o impacto pesado na autoimagem de meninas adolescentes. A solução, porém, teria custo em crescimento menor. E isso, Mark Zuckerberg não quer. A solução tem de aparecer sem custo ao crescimento do Face.

Mas uma coisa são os problemas reais, outra distinta são os problemas dos políticos. Democratas e republicanos consideram que o Facebook é um problema. Os democratas veem na incitação ao ódio e na desinformação aquilo que tem de ser resolvido. Para os republicanos, a questão é outra — censura a vozes de direita nas redes. O resultado é que não se entendem e, assim, nenhuma regulação tem como sair.

Pois Haugen ofereceu a saída: transparência. Empresas como o Facebook têm de tornar transparentes seus algoritmos. Por que este post chegou a você, e não outro? Que critérios o programa seguiu para escolher o que vemos com maior ou menor frequência?

Pela primeira vez em muito tempo se viu algo como aquilo no Senado americano: republicanos e democratas seguindo uma mesma linha de inquirição, interessados nos mesmos ângulos, percebendo que algo novo surgiu ali. A transparência do algoritmo, se todos entendermos como os algoritmos chegam a suas conclusões, resolve o problema de ambos os grupos.

Na verdade, o potencial de leis que obriguem a transparência pode ser ainda maior. Se a explicação for clara, quem usa as redes compreenderá que elas atuam para nos deixar vidrados, para alcançar nas profundezas de nossos cérebros aqueles pontos inconscientes que atiçam algo similar à dependência química. O impacto em suas imagens seria tão grande que as próprias empresas teriam de ceder. De abrir mão. De nos permitir recuperar tempo em nossas vidas longe das telinhas que viciam. E que nos deixam neste estado constante de irritação com todos que são diferentes, que pensam doutro jeito.

Mas há uma segunda conclusão inevitável. Para o bem da companhia Facebook, seu fundador tem de sair. O drive por crescer que Mark Zuckerberg impôs nos primeiros anos de vida do Face criou uma companhia formidável e poderosa. Zuck é brilhante. Mas o tipo de CEO que uma empresa precisa quando tem 3,5 bilhões de clientes é distinto do CEO de uma startup.

Os problemas que a empresa Facebook está causando no mundo imporão um custo pesado para sua imagem nos próximos anos. Bill Gates demorou a entender que tinha de sair da Microsoft. Mas foi bom para a companhia que ele criou. Zuck faz mal ao Face no longo prazo.

 

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