sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Reinaldo Azevedo - TSE mira a Al Qaeda do Neofascismo

Folha de S. Paulo

Justiça Eleitoral acerta ao não cassar agora a chapa Bolsonaro-Mourão

O TSE tomou algumas decisões nesta semana que podem funcionar como um freio de arrumação na disputa eleitoral do ano que vem. A síntese poderia ser esta: "crime não é liberdade de expressão". O que chamo de "Al Qaeda Eletrônica do Neofascismo" está agora no radar da Justiça Eleitoral.

O tribunal cassou por 6 votos a 1 o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) por propagar "fake news" em 2018, no dia mesmo da disputa. Em contraste apenas aparente com esse voto majoritário, rejeitou, por unanimidade, a cassação da chapa que elegeu Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, respectivamente, presidente da República e vice.

Eis aí: os ministros não submeteram o passado a uma revisão que seria absurdamente tumultuada, mas estabeleceram parâmetros para o futuro. Já volto ao caso.

No dia da eleição, Francischini, então deputado federal e candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa do Paraná, fez uma live em que asseverava haver fraude nas urnas eletrônicas. Dizendo-se protegido pela imunidade parlamentar, afirmou: "a gente tá trazendo essa denúncia gravíssima antes do final da votação".

Obviamente estava mentindo. O Ministério Público Eleitoral pediu a sua cassação "por abuso de poder de autoridade e uso indevido de meio de comunicação". O TRE do Paraná, creiam, o absolveu. Mas não passou pelo crivo do TSE. A punição é inédita. O apelo às "fake news", como se vê, cassa um mandato.


Mais: a imunidade parlamentar que Francischini julgava protegê-lo de qualquer sanção, já é jurisprudência do Supremo, serve às questões relativas ao exercício do mandato. E, como deixou claro o ministro Luiz Felipe Salomão, não é prerrogativa de um deputado federal fazer falsas denúncias e ludibriar os eleitores. Bingo!

Quanto à chapa Bolsonaro-Mourão, os ministros entenderam que não ficou provada de modo inequívoco a vinculação entre os disparos irregulares de mensagens e a eleição. Não a ponto de justificar pena tão severa. Importa menos a absolvição do que a tese fixada pelo tribunal.

Por 5 voto a 2, disparos em massa de mensagens em aplicativos como o WhatsApp, por exemplo, constituirão evidência apta a condenar candidatos por abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação, o que pode implicar perda de mandato e inelegibilidade por oito anos.

Para tanto, estabeleceu-se um parâmetro de análise com cinco itens: a veracidade ou não das mensagens; o alcance do conteúdo eventualmente falso; a repercussão junto ao eleitorado; o comprometimento do candidato com os disparos; a existência ou não de empresas financiando a operação.

Num dado momento de sua exposição, Alexandre de Moraes, que estará na presidência do TSE durante a eleição do ano que vem, empregou a expressão "lapso temporal". É evidente que os ministros sopesaram seus respectivos votos, levando em conta também o princípio da razoabilidade, a que a Justiça há de estar sempre atenta: cassar o mandato de presidente e vice a menos de um ano da eleição contribuiria para que a próxima disputa se mantivesse nos trilhos? A resposta, obviamente, é não. O dano seria maior do que o perigo. Pergunta e resposta são minhas. A sentença é de Camões.

Cinco ministros, no entanto, deixaram claro que a campanha de Bolsonaro recorreu, sim, a ilícitos. Afirmou Moraes: "a neutralidade da Justiça, que tradicionalmente se configura como ‘a Justiça é cega’, não se confunde com tolice. A Justiça não é tola. Podemos absolver por falta de provas, mas nós sabemos o que ocorreu. Nós sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra. (...) Essas milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, conspiração, medo, influenciar eleições e destruir a democracia".

E advertiu: "Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil".

Entendo que a Justiça Eleitoral atuou com sabedoria e prudência. E está se preparando para enfrentar a "Al Qaeda Eletrônica do Neofascismo", que é internacional. Crime não é liberdade de expressão.

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