Folha de S. Paulo
Justiça Eleitoral acerta ao não cassar
agora a chapa Bolsonaro-Mourão
O TSE tomou algumas decisões nesta semana
que podem funcionar como um freio de arrumação na disputa eleitoral do
ano que vem. A síntese poderia ser esta: "crime não é liberdade de
expressão". O que chamo de "Al Qaeda Eletrônica do Neofascismo"
está agora no radar da Justiça Eleitoral.
O tribunal cassou por 6 votos a 1 o mandato
do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) por propagar
"fake news" em 2018, no dia mesmo da disputa. Em contraste apenas
aparente com esse voto majoritário, rejeitou,
por unanimidade, a cassação da chapa que elegeu Jair Bolsonaro e Hamilton
Mourão, respectivamente, presidente da República e vice.
Eis aí: os ministros não submeteram o
passado a uma revisão que seria absurdamente tumultuada, mas estabeleceram
parâmetros para o futuro. Já volto ao caso.
No dia da eleição, Francischini, então
deputado federal e candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa do Paraná,
fez uma live em que asseverava haver fraude nas urnas eletrônicas. Dizendo-se
protegido pela imunidade parlamentar, afirmou: "a gente tá trazendo essa
denúncia gravíssima antes do final da votação".
Obviamente estava mentindo. O Ministério Público Eleitoral pediu a sua cassação
"por abuso de poder de autoridade e uso indevido de meio de
comunicação". O TRE do Paraná, creiam, o absolveu. Mas não passou pelo
crivo do TSE. A punição é inédita. O apelo às "fake news", como se
vê, cassa um mandato.
Mais: a imunidade parlamentar que Francischini julgava protegê-lo de qualquer sanção, já é jurisprudência do Supremo, serve às questões relativas ao exercício do mandato. E, como deixou claro o ministro Luiz Felipe Salomão, não é prerrogativa de um deputado federal fazer falsas denúncias e ludibriar os eleitores. Bingo!
Quanto à chapa Bolsonaro-Mourão, os
ministros entenderam que não ficou provada de modo inequívoco a vinculação
entre os disparos irregulares de mensagens e a eleição. Não a ponto de
justificar pena tão severa. Importa menos a absolvição do que a tese fixada
pelo tribunal.
Por 5 voto a 2, disparos em massa de mensagens em aplicativos como o WhatsApp,
por exemplo, constituirão evidência apta a condenar candidatos por abuso de
poder econômico e uso indevido de meios de comunicação, o que pode implicar
perda de mandato e inelegibilidade por oito anos.
Para tanto, estabeleceu-se um parâmetro de análise com cinco itens: a
veracidade ou não das mensagens; o alcance do conteúdo eventualmente falso; a
repercussão junto ao eleitorado; o comprometimento do candidato com os
disparos; a existência ou não de empresas financiando a operação.
Num dado momento de sua exposição, Alexandre de Moraes, que estará na
presidência do TSE durante a eleição do ano que vem, empregou
a expressão "lapso temporal". É evidente que os ministros
sopesaram seus respectivos votos, levando em conta também o princípio da
razoabilidade, a que a Justiça há de estar sempre atenta: cassar o mandato de
presidente e vice a menos de um ano da eleição contribuiria para que a próxima
disputa se mantivesse nos trilhos? A resposta, obviamente, é não. O dano seria
maior do que o perigo. Pergunta e resposta são minhas. A sentença é de Camões.
Cinco ministros, no entanto, deixaram claro que a campanha de Bolsonaro
recorreu, sim, a ilícitos. Afirmou Moraes: "a neutralidade da Justiça, que
tradicionalmente se configura como ‘a Justiça é cega’, não se confunde com tolice.
A Justiça não é tola. Podemos absolver por falta de provas, mas nós sabemos o
que ocorreu. Nós sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso
ocorra. (...) Essas milícias digitais continuam se preparando para disseminar o
ódio, conspiração, medo, influenciar eleições e destruir a democracia".
E advertiu: "Se houver repetição do
que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem
irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil".
Entendo que a Justiça Eleitoral atuou com sabedoria e prudência. E está se preparando para enfrentar a "Al Qaeda Eletrônica do Neofascismo", que é internacional. Crime não é liberdade de expressão.
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