sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Bruno Boghossian - Uma mão lava a outra

Folha de S. Paulo

Votação de PEC dos Precatórios mostra força de máquina de dinheiro público que pode beneficiar o presidente

O acordo generoso firmado com o centrão em 2020 blindou Jair Bolsonaro dos pedidos de impeachment que se acumulavam no Congresso. Na última madrugada, as duas partes assinaram um aditivo a esse contrato: em troca de uma boa recompensa, o bloco também mantém vivos os planos eleitorais do presidente.

A vitória na primeira votação da PEC dos Precatórios é o passo inicial para que o governo pegue um atalho no Orçamento e pague um Bolsa Família turbinado no ano que vem. Sem essa manobra, a derretida popularidade de Bolsonaro teria chances reduzidas de recuperação na disputa por mais um mandato.

O governo conseguiu aprovar o drible graças a uma operação liderada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Em sociedade com o Palácio do Planalto, ele prometeu liberar dinheiro para que os estados banquem salários de professores e sinalizou que haverá mais espaço nos cofres para as emendas indicadas pelos deputados.

Bem alimentados, os parlamentares da base governista demonstraram a esperada fidelidade a Bolsonaro, mas o centrão também trabalhou para conquistar votos da oposição e dos partidos que se dizem independentes —e, ao menos em tese, são contra a reeleição do presidente.

O PDT de Ciro Gomes deu 15 de seus 24 votos a favor do projeto que facilita a vida de Bolsonaro em 2022. O PSDB de João Doria e Eduardo Leite contribuiu com 22, e o PSD de Rodrigo Pacheco ajudou o governo com outros 31. Toda a bancada do Solidariedade votou a favor do texto, ainda que o presidente da sigla tenha declarado apoio a Lula.

A proposta passou num placar apertado (312 votos, quando eram necessários 308), que ainda pode ser revertido numa segunda votação na Câmara ou depois, no Senado. O resultado, porém, já mostrou a força de uma máquina de dinheiro público que é capaz de atropelar interesses políticos.

Algumas reações indicaram que existe um abismo dentro dos partidos. Ciro Gomes criticou os pedetistas por acreditar que o comportamento pró-governo nessa votação pode enfraquecer sua plataforma para 2022. Os deputados, no entanto, priorizaram o direcionamento de verba para as bases eleitorais, fundamental para sua própria sobrevivência política.

Ainda que o placar mude nas próximas votações, Bolsonaro e Lira já exibiram o jogo de ferramentas que têm em mãos para atingir seus objetivos políticos. O presidente quer abrir os cofres para melhorar suas chances de reeleição, enquanto o chefe da Câmara opera o Orçamento para ampliar sua influência dentro do Congresso. O feirão está aberto para impulsionar esse consórcio.

 

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