sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Claudia Safatle - Governo aumenta risco fiscal e reduz gasto social

Valor Econômico

Não há mobilização por reajuste salarial do servidor

As contas públicas estão melhores do que indica a percepção dos mercados. O déficit primário transformou-se em um superávit de R$ 14 bilhões no consolidado deste ano até setembro, com a ajuda do gordo superávit de Estados e municípios. A inflação tem sido de grande ajuda para essa performance e o governo tem “comprado” mais riscos para a política fiscal do que seria recomendável. É isso que atormenta os agentes econômicos. O projeto de lei do orçamento de 2022 foi enviado ao Congresso com uma subestimativa de despesas de cerca de R$ 80 bilhões seja com o Bolsa Família, com o impacto da inflação sobre os benefícios previdenciários ou com o prognóstico de gastos com vacinas. A esse montante agrega-se demanda por um lote de despesas que com certeza supera a margem de gastos permitida pela Proposta de Emenda Constitucional nº 23, conhecida como a PEC dos precatórios.

Ao levantar a hipótese de reajustar os salários do funcionalismo federal, congelados há três anos, o presidente Jair Bolsonaro acrescentou mais um risco na lista de problemas identificados no Orçamento do próximo exercício. Há o temor de que os pagamentos dos precatórios virem uma bola de neve, a partir da PEC que parcela a dívida e joga prestações para o futuro. Há, ainda, uma gama de pedidos de aumento do gasto público, do vale-gás ao auxílio dos caminhoneiros, da prorrogação da desoneração da folha de salários para 17 setores por mais dois anos a emendas do relator e o fundo eleitoral.

O governo Bolsonaro tem sido duro com os servidores, é verdade. É o único que não deu reajustes salariais. “Mas esse é um assunto fora do radar e não há qualquer mobilização dos servidores para entrar em greve por reajustes”, observa o economista Manoel Pires, do FGV Ibre. É importante lembrar que, enquanto no setor privado milhões de trabalhadores perderam o emprego, no setor público não tem demissão.

Se o governo aprovar um reajuste de 5%, que corresponde à metade da inflação acumulada até agora, aumentará a despesa da folha de salários em R$ 18 bilhões, estima ele.

O gasto com a folha de pagamentos, que correspondia a 4,3% do PIB em 2020, caiu para 3,8% do PIB neste ano e, sem reajuste em 2022, ficará em 3,7% do PIB, o menor valor da série histórica, obtido por conta da corrosão inflacionária.

O ministro Paulo Guedes argumenta que, a despeito de todas as pressões por aumento da despesa pública, ele vai entregar a pasta da Economia, no fim de 2022, com um gasto menor do que herdou. Era de 19,5% do PIB e ele deve entregar em cerca de 18,5 % do PIB. Gostaria de reduzi-lo para 17,5% do PIB, conforme seria se obedecesse estritamente a lei do teto de gastos, mas não vai dar. Porém, uma queda no gasto público de um ponto percentual do PIB nas circunstâncias em que está sendo feita, em meio à recessão e a pandemia, se confirmada, não é nada desprezível.

Entre os emergentes, o Brasil é o país que melhor performou nas contas primárias em relação a 2018 e a 2019, segundo dados do Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) coletados pelo economista.

Mas esses são os indicadores correntes, e o mercado está apavorado é com o futuro, onde enxerga uma desordem fiscal.

Depois de todo o barulho para criar o Auxílio Brasil no lugar do Bolsa Família e em substituição ao Auxílio Emergencial, Bolsonaro está propondo uma queda importante do gasto social, salienta Manoel Pires. Neste ano a soma do Auxílio Emergencial anualizado com o Bolsa Família resulta em um gasto social de cerca de R$ 140 bilhões. Para o próximo ano, a estimativa é de que esse gasto caia para a casa dos R$ 80 bilhões. Entre o universo de pessoas atendidas pelo Auxílio Emergencial e as 17 milhões de famílias que o novo programa pretende atender, muitos ficarão de fora do benefício. Milhares de pessoas ficarão sem qualquer assistência social, o que será devastador.

Dado que a inflação deverá ser superior a que foi considerada para calcular as contas públicas, pressupondo uma taxa de 9,7%, o espaço fiscal dado pela PEC dos Precatórios sobe para R$ 106,8 bilhões (sendo R$ 62,2 bilhões da mudança do teto e outros R$ 44,6 bilhões do adiamento dos precatório), segundo o economista. Desse valor, R$ 51 bilhões estão comprometidos com o pagamento do Auxílio Brasil, R$ 29,5 bilhões serão destinados à correção dos benefícios da Previdência Social, seguro-desemprego, Benefícios de Prestação Continuada (BPC) e abono salarial. E R$ 6,6 bilhões serão para a ampliação dos mínimos constitucionais para saúde e educação.

Sobram R$ 19,6 bilhões para serem disputados por reajuste dos servidores, desoneração da folha de 17 setores, auxílio gás, emendas do relator, auxílio caminhoneiros e tudo o mais.

A demanda por gasto público é infinita e a pressão sobre a panela orçamentária é crescente. Cabe ao governo estabelecer as prioridades e por elas lutar no Congresso. Não faz o menor sentido, por exemplo, deixar miseráveis sem nenhuma assistência para engordar as emendas do relator, que é por si só uma excrecência, ou o fundo eleitoral. E algo está muito errado quando a inflação deixa de ser um terrível problema para ser parte da solução.

 

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