sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Cristian Klein - Sem tucanos, Moro estrutura terceira via

Valor Econômico

Em 14 anos, PT não fez ao PSDB o que Bolsonaro causou em 3

Se o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) tinha dúvida sobre a que cargo concorrer em 2022, dada a inexperiência política e a facilidade de se eleger ao Senado, a crise nas hostes tucanas o empurrou para a roda da corrida presidencial. Quanto maior o fiasco nas prévias do PSDB, enredado em sucessão de equívocos, menor é a propensão de Moro figurar como coadjuvante na eleição do próximo ano. O ex-ministro virou a tábua de salvação da terceira via. Ninguém, nos últimos dias, o cogita mais como vice, um “conge” ideal para a chapa ao Planalto. A posição antes privilegiada do PSDB, de vertebrador do “centro democrático” - expressão curiosa que implicaria a existência de um “centro não democrático” - vai se desfazendo.

O partido que representa um legado de políticas públicas ao país, responsável por controlar a hiperinflação e primar pela responsabilidade fiscal, não consegue organizar, por falhas tecnológicas, uma mera eleição com filiados para escolher seu pré-candidato a presidente. Com essa habilidade, o que fará o PSDB para aglutinar as forças que se movem contra os favoritos Lula e Bolsonaro? Capacidade de gestão começa em casa. A imagem cultivada pelos tucanos nas últimas décadas é posta à prova. Mas se falta eficiência técnica, a situação não é melhor no que diz respeito a coesão política e apoio no eleitorado.

As prévias expuseram as vísceras de uma legenda dilacerada de variadas maneiras. Primeiro, com o facciosismo que separa os principais líderes: os presidenciáveis João Doria e Eduardo Leite, governadores de São Paulo e Rio Grande do Sul, respectivamente, e o fantasma de Aécio Neves a pairar sobre os destinos do partido. A aliança entre Aécio e Leite mostra como o velho faz sombra ao novo. Nas palavras do ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, o mineiro seria a “maçã podre” a estragar o PSDB.

São muitas as raízes, mas a tragédia em torno da trajetória de Aécio é ponto central para a crise tucana. Foi crucial o erro de cálculo ao radicalizar após a derrota para Dilma Rousseff em 2014. Ao contestar o resultado e apostar no impeachment, aquele que seria o beneficiário natural da iminente queda do petismo nas urnas em 2018 abriu caminho para sua própria ruína. Feitiço contra o feiticeiro.

Com o mandato tampão de Michel Temer (MDB), o PSDB tornou-se sócio da administração mais impopular desde a redemocratização e entrou no dilema - o mesmo que o aflige agora - entre ser governo ou oposição. Subalternizou o projeto próprio à Presidência em troca de emendas e ministérios. Representou para Temer o que o MDB havia sido para o PT, com a presunção adicional de que seria o próximo da fila.

Antes da saída tardia da base de apoio, o abalo sísmico. Aécio, então principal líder do partido, quase presidente eleito em 2014, cai em desgraça quando vem à tona o áudio da conversa em que acertava com Joesley Batista, dono da JBS, num linguajar de submundo, o pagamento de R$ 2 milhões para honrar honorários com seus advogados. O episódio levou de roldão todo o discurso de suposta ética em que a maioria do eleitorado tucano confiava para se diferenciar da corrupção mais alardeada do PT.

Em segundo lugar, a divisão tucana não é apenas pelo poder interno. Reflete a mudança de perfil ideológico por que passou ao longo das décadas, de um partido social-democrata, centrista até chegar ao conservadorismo que compactua com a extrema direita bolsonarista. Embora tenha migrado para a oposição ao presidente, o governador de São Paulo fez campanha marcada pela dobradinha BolsoDoria, ainda fresca na memória. Eduardo Leite, por sua vez, também declarou voto a Bolsonaro e não esconde estar próximo de uma agenda governista no Congresso.

O PSDB de figuras históricas, como Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, ou morreu ou está distante da vida partidária. Por outro lado, é de difícil sustentação o argumento segundo o qual o partido envelheceu e carece de renovação. Doria e Leite, os dois protagonistas das prévias, representam uma troca de guarda para o manjado rodízio que havia entre Serra, Alckmin e Aécio pelos cargos mais cobiçados nos maiores redutos eleitorais de São Paulo e Minas Gerais e à Presidência.

Mas foi transição à direita, estranha à origem e eivada de práticas antigas, que em pouco contribuiu para a união partidária. Vide o duelo de criador e criatura em que um ativo importante da agremiação como Alckmin foi rapidamente descartado por Doria, seu apadrinhado. O ex-governador arrancou a candidatura presidencial em 2018 - também almejada por Doria - mas herdou todo o desgaste de imagem e do clima antipolítica estimulado pelo partido e que terminou por favorecer Bolsonaro.

Os míseros 4,7% das urnas há três anos são até mais do que Doria e Leite registram hoje em algumas pesquisas. Apesar disso, as prévias tucanas ganharam destaque no noticiário, em razão da história do PSDB e da busca incessante por uma alternativa a Lula e Bolsonaro.

No entanto, o que a disputa interna comprova - e as votações no Congresso já vinham indicando - é que parte relevante da legenda não prioriza mais o projeto nacional. É um terceiro tipo de divisão, em que o sobrevivente Aécio opera para converter o PSDB em mais uma sigla fisiológica, como tantas do Centrão. O que o petismo não causou aos tucanos durante 14 anos, o bolsonarismo derruba em menos de três.

Para piorar, nem com a perspectiva de desidratação de Bolsonaro a expectativa de poder volta ao colo do PSDB. É para o neófito Moro que se dirige a atenção da terceira via. De modo análogo ao que ocorre pós-eleição num modelo parlamentarista, é aquele que liderar as intenções de votos que terá a preferência de formar e encabeçar possíveis alianças. Não à toa o União Brasil, que resultará da fusão entre PSL e DEM - sintomaticamente um parceiro que saiu da órbita do PSDB - cogita oferecer seu pré-candidato, Luiz Henrique Mandetta, para vice de Moro. O ex-juiz participou ontem da cerimônia de filiação ao Podemos do general Santos Cruz, também ex-ministro de Bolsonaro. Na direita, a plumagem do tucanato sai de moda em prol da toga e mantém a farda.

 

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