Valor Econômico
Em 14 anos, PT não fez ao PSDB o que
Bolsonaro causou em 3
Se o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) tinha
dúvida sobre a que cargo concorrer em 2022, dada a inexperiência política e a
facilidade de se eleger ao Senado, a crise nas hostes tucanas o empurrou para a
roda da corrida presidencial. Quanto maior o fiasco nas prévias do PSDB,
enredado em sucessão de equívocos, menor é a propensão de Moro figurar como
coadjuvante na eleição do próximo ano. O ex-ministro virou a tábua de salvação
da terceira via. Ninguém, nos últimos dias, o cogita mais como vice, um “conge”
ideal para a chapa ao Planalto. A posição antes privilegiada do PSDB, de vertebrador
do “centro democrático” - expressão curiosa que implicaria a existência de um
“centro não democrático” - vai se desfazendo.
O partido que representa um legado de políticas públicas ao país, responsável por controlar a hiperinflação e primar pela responsabilidade fiscal, não consegue organizar, por falhas tecnológicas, uma mera eleição com filiados para escolher seu pré-candidato a presidente. Com essa habilidade, o que fará o PSDB para aglutinar as forças que se movem contra os favoritos Lula e Bolsonaro? Capacidade de gestão começa em casa. A imagem cultivada pelos tucanos nas últimas décadas é posta à prova. Mas se falta eficiência técnica, a situação não é melhor no que diz respeito a coesão política e apoio no eleitorado.
As prévias expuseram as vísceras de uma
legenda dilacerada de variadas maneiras. Primeiro, com o facciosismo que separa
os principais líderes: os presidenciáveis João Doria e Eduardo Leite,
governadores de São Paulo e Rio Grande do Sul, respectivamente, e o fantasma de
Aécio Neves a pairar sobre os destinos do partido. A aliança entre Aécio e
Leite mostra como o velho faz sombra ao novo. Nas palavras do ex-prefeito de
Manaus Arthur Virgílio, o mineiro seria a “maçã podre” a estragar o PSDB.
São muitas as raízes, mas a tragédia em
torno da trajetória de Aécio é ponto central para a crise tucana. Foi crucial o
erro de cálculo ao radicalizar após a derrota para Dilma Rousseff em 2014. Ao
contestar o resultado e apostar no impeachment, aquele que seria o beneficiário
natural da iminente queda do petismo nas urnas em 2018 abriu caminho para sua
própria ruína. Feitiço contra o feiticeiro.
Com o mandato tampão de Michel Temer (MDB),
o PSDB tornou-se sócio da administração mais impopular desde a redemocratização
e entrou no dilema - o mesmo que o aflige agora - entre ser governo ou
oposição. Subalternizou o projeto próprio à Presidência em troca de emendas e
ministérios. Representou para Temer o que o MDB havia sido para o PT, com a presunção
adicional de que seria o próximo da fila.
Antes da saída tardia da base de apoio, o
abalo sísmico. Aécio, então principal líder do partido, quase presidente eleito
em 2014, cai em desgraça quando vem à tona o áudio da conversa em que acertava
com Joesley Batista, dono da JBS, num linguajar de submundo, o pagamento de R$
2 milhões para honrar honorários com seus advogados. O episódio levou de roldão
todo o discurso de suposta ética em que a maioria do eleitorado tucano confiava
para se diferenciar da corrupção mais alardeada do PT.
Em segundo lugar, a divisão tucana não é
apenas pelo poder interno. Reflete a mudança de perfil ideológico por que
passou ao longo das décadas, de um partido social-democrata, centrista até
chegar ao conservadorismo que compactua com a extrema direita bolsonarista.
Embora tenha migrado para a oposição ao presidente, o governador de São Paulo
fez campanha marcada pela dobradinha BolsoDoria, ainda fresca na memória.
Eduardo Leite, por sua vez, também declarou voto a Bolsonaro e não esconde
estar próximo de uma agenda governista no Congresso.
O PSDB de figuras históricas, como Mário
Covas e Fernando Henrique Cardoso, ou morreu ou está distante da vida
partidária. Por outro lado, é de difícil sustentação o argumento segundo o qual
o partido envelheceu e carece de renovação. Doria e Leite, os dois
protagonistas das prévias, representam uma troca de guarda para o manjado
rodízio que havia entre Serra, Alckmin e Aécio pelos cargos mais cobiçados nos
maiores redutos eleitorais de São Paulo e Minas Gerais e à Presidência.
Mas foi transição à direita, estranha à
origem e eivada de práticas antigas, que em pouco contribuiu para a união
partidária. Vide o duelo de criador e criatura em que um ativo importante da
agremiação como Alckmin foi rapidamente descartado por Doria, seu apadrinhado.
O ex-governador arrancou a candidatura presidencial em 2018 - também almejada
por Doria - mas herdou todo o desgaste de imagem e do clima antipolítica
estimulado pelo partido e que terminou por favorecer Bolsonaro.
Os míseros 4,7% das urnas há três anos são
até mais do que Doria e Leite registram hoje em algumas pesquisas. Apesar
disso, as prévias tucanas ganharam destaque no noticiário, em razão da história
do PSDB e da busca incessante por uma alternativa a Lula e Bolsonaro.
No entanto, o que a disputa interna
comprova - e as votações no Congresso já vinham indicando - é que parte
relevante da legenda não prioriza mais o projeto nacional. É um terceiro tipo
de divisão, em que o sobrevivente Aécio opera para converter o PSDB em mais uma
sigla fisiológica, como tantas do Centrão. O que o petismo não causou aos
tucanos durante 14 anos, o bolsonarismo derruba em menos de três.
Para piorar, nem com a perspectiva de
desidratação de Bolsonaro a expectativa de poder volta ao colo do PSDB. É para
o neófito Moro que se dirige a atenção da terceira via. De modo análogo ao que
ocorre pós-eleição num modelo parlamentarista, é aquele que liderar as
intenções de votos que terá a preferência de formar e encabeçar possíveis alianças.
Não à toa o União Brasil, que resultará da fusão entre PSL e DEM -
sintomaticamente um parceiro que saiu da órbita do PSDB - cogita oferecer seu
pré-candidato, Luiz Henrique Mandetta, para vice de Moro. O ex-juiz participou
ontem da cerimônia de filiação ao Podemos do general Santos Cruz, também
ex-ministro de Bolsonaro. Na direita, a plumagem do tucanato sai de moda em
prol da toga e mantém a farda.
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