quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Cristiano Romero - O fim da dicotomia crescer ou distribuir

Valor Econômico

Desigualdade queima capital humano e prejudica produtividade

O país a que chamamos de Brasil tem, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), a oitava pior distribuição de renda do planeta. Com coeficiente Gini pior há sete países africanos, com estágio de desenvolvimento econômico bem inferior ao nosso. O que explica isso é o modelo concentrador de renda predominante neste enorme povoado desde sempre, agravado pelo fato de que há 40 anos o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresce abaixo do ritmo de expansão média tanto da economia mundial quanto das nações emergentes e em desenvolvimento.

Quando olhamos os números mais de perto, percebemos que a tragédia tem contornos que demandarão esforço hercúleo - e inédito - da sociedade, do contrário, não só estaremos condenados a crescer a baixas taxas de crescimento econômico doravante, mas também a aprofundar as mazelas sociais que já nos caracterizam e distinguem negativamente no mundo.

Tomando-se, por exemplo, o conceito de pobreza de quem vive com menos de 5,5 dólares por dia (grosso modo, cerca de R$ 460 por mês), chegamos a uma realidade aterradora: 17 milhões de crianças brasileiras, isto, até 14 anos de idade, estão abaixo desse valor. “Pegando os dados da PNAD, temos que 41% das crianças brasileiras até 14 anos estão abaixo da linha de pobreza”, observa o economista gaúcho Aod Cunha, ex-secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, hoje, assessor econômico do governador Eduardo Leite, pré-candidato do PSDB à Presidência da República.

A dicotomia entre crescimento mais rápido e enfrentamento da desigualdade social é falsa porque, atrasado no tempo, o Brasil precisa enfrentar os dois desafios ao mesmo tempo.. “Precisamos acabar com esse negócio de que ou eu faço o crescimento ou acabo com desigualdade. Não é isso”, diz o economista. “O nível de desigualdade que você tem no Brasil destrói capital humano de tal jeito que o país não tem como crescer.”

O economista Robinson Moraes, do Valor Data, elaborou gráfico, publicado nesta coluna na semana passada (Valor, 18/11/2021), que revela o quanto a economia brasileira vem ficando para trás, há exatos 40 anos, quando se compara sua taxa de crescimento com a do restante do mundo. Resumidamente, temos que, na década de 1981-1990, o PIB brasileiro expandiu-se a uma média anual de 1,7%, face a 3,3% da economia mundial e a 3,2% do grupo dos países emergentes e em desenvolvimento. Na década seguinte (1991-2000), os desempenhos foram respectivamente 2,6%, 3,2% e 3,8%; na década (2001-2010) marcada pelo “boom” de commodities provocado pela forte expansão da economia chinesa, crescemos 3,7% ao ano, taxa inferior à média mundial (3,9%) e à dos emergentes e em desenvolvimento (6,2%); na última década (2011-2019), excluindo-se da conta 2020, o primeiro ano da pandemia, as médias anuais foram, respectivamente, as seguintes: 0,8%, 3,5% e 4,8%.

Aod Cunha lembra que, nos últimos 20 anos, o crescimento médio anual do Brasil ficou próximo de 2%. Apertem os cintos porque o piloto sumiu - se nada for feito imediatamente, em vários setores da vida nacional, não teremos condições de crescer nem os 2,5% ao ano que economistas têm previsto em suas projeções. Cunha explica o porquê.

“Se a gente quebra esse crescimento de 2% entre aumento da força de trabalho, que é a forma de olhar o papel da demografia no PIB, e de produtividade, temos 1,5% de avanço da força de trabalho e 0,5% da Produtividade Total dos Fatores (PTF). A produtividade do trabalhador está estagnada. Nesta década (2021-2030), estamos caindo de 1,5% para 0,5%; na próxima (2031-2040), zero. Crescimento de longo prazo virá só com aumento da produtividade. Nesta década, a produtividade está próxima de 1%”, explica economista.

A produtividade, para crescer, dependerá de uma revolução de prioridades na área de educação, no grau de abertura da economia brasileira (para reduzir drasticamente o custo de capital associado à compra de máquinas e equipamentos modernos), nos custos de produção etc.

“Quando olhamos as expectativas de crescimento do PIB para os próximos anos, a maioria dos analistas prevê 2,5% por ano. Mas, veja, só conseguiríamos crescer 2,5% se o bônus demográfico seguisse no auge, o que não vai ocorrer. O nosso problema de crescimento é um problema de produtividade. Antes, tínhamos esse 'empurrãozinho' do bônus demográfico”, diz Aod Cunha.

O receituário defendido por Cunha passa pelos seguintes tópicos:

1. Melhorar a qualidade da educação. “Vai demorar muito tempo para produzir resultados, mas não tem outra saída. No mundo inteiro foi assim;

2. Reforma tributária urgente para simplificar e reduzir custos de produção: “não tem outra saída”;

3. Abertura econômica; “não há mais porque adiá-la”;

4. Reforma administrativa: “não é uma questão apenas fiscal, mas a necessidade imperiosa de melhoria da qualidade dos serviços públicos, principalmente para quem mais necessita deles - os miseráveis e os pobres, a maioria entre nós”.

“São várias frentes e todas exigem capital político, muita capacidade de negociação com o Congresso e a sociedade”, assinala Aod Cunha. “Podemos ter proposta para tudo, dar explicação super sofiisticada, mas, se não tiver liderança, vontade e capacidade política, não vai acontecer nada do que estamos aqui estudando. Antes de aceitar o convite, olhei para o Eduardo Leite e vi essas qualidades, ver o que o Eduardo fez no Rio Grande do Sul.

“Seguindo a tradição do ciclo político brasileiro, Eduardo sabia que não conseguiria fazer tudo, portanto, a estratégia foi fazer as mudanças mais relevantes no primeiro ano e meio de mandato. Ele usou seu capital político para fazer a reforma administrativa, promover privatizações - você conhece, a máquina estatal no Rio Grande do Sul é gigantesca. Numa assembleia de 55 deputados estaduais, ele só tinha quatro do PSDB e, mesmo assim, conseguiu aprovar as mudanças institucionais mais relevantes”, enfatiza Cunha. “Fez a reforma do plano do magistério, que era da década de 1970. Mexeu com as distorções e, permitiu, por exemplo, pagar salários mais altos. O primeiro lugar que ele visitou quando assumiu o governo foram os sindicatos. Ele me disse: ‘Mesmo quando sei que não vou ter o voto daquele grupo político, daquele partido ou sindicato, o fato de eu ser leal, de conversar francamente, diminui o nível de resistência política’.”

 

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