quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Contrastes na Covid

Folha de S. Paulo

Estatísticas mostram Brasil em situação favorável diante da desenvolvida Europa

Já se foi o tempo em que os números do Brasil relativos ao coronavírus —casos, mortes ou vacinação— ficavam entre os piores do mundo. A pandemia parece controlada por aqui, e países como os Estados Unidos e vários da Europa vivem situação muito pior, embora não esteja bem claro por quê.

Hoje algo como 50 a cada 1 milhão de brasileiros recebem confirmação de Covid-19 a cada dia. O país fica abaixo da média mundial, superior a 60 por milhão.

A desenvolvida Europa ultrapassa a casa de 380 novos casos diários por milhão, mais de sete vezes o número do Brasil. O Reino Unido tem 565/milhão, a Alemanha, 468, e os EUA, 253. São espantosas as cifras da Holanda, 847, e ainda mais as de países do Leste Europeu, como a República Tcheca (1.025).

As médias móveis de mortes também falam a favor da saúde pública brasileira, com 16 por milhão de cidadãos falecidos a cada dia. Um pouco acima da média global (12,7) e sul-americana (12,4), verdade. Nada escandaloso, contudo, diante da cifra europeia (68,3) ou da norte-americana (48,9).

O desempenho do programa de vacinação nacional, que destacou o Brasil no panorama mundial desde as últimas décadas do século 20, ajuda a explicar esse estado de coisas. Mesmo com a desídia e a antipropaganda do presidente Jair Bolsonaro, o Estado funciona à sua revelia e já garantiu a primeira dose a mais de três quartos da população em dez meses.

Para comparação, pouco mais da metade das pessoas no mundo receberam a imunização parcial. Estamos à frente da Alemanha (70%) e dos EUA (68%), mas atrás do Chile (87%) e de Portugal (89%), onde a quantidade inferior de habitantes e sua distribuição por territórios menores facilitam a logística.

Não se encontra uma correlação direta e linear entre vacinação e gravidade das epidemias nacionais, entretanto. Brasil e Reino Unido, por exemplo, têm parcela similar de parcialmente imunizados (76% e 74%, respectivamente), mas ocorre entre britânicos o dobro de mortes, proporcionalmente, do que se vê por aqui.

Cada país passa por momentos diferentes da pandemia. Uns veem arrebentar uma quarta onda mortífera, enquanto noutros ela ou não se materializa ou não mata tanto. Está ainda por detectar boa explicação para o fato de no Brasil a variante delta não ter dizimado tanta gente quanto noutras paragens.

Seria rematada ilusão, diante de tanta variabilidade mal compreendida, dar a Covid por domada no Brasil. Urge completar o esquema vacinal, ainda abaixo de 60%, garantir doses para acelerar o reforço e observar a devida cautela ao afrouxar regras de distanciamento social e uso de máscaras.

A cara do Enem

Folha de S. Paulo

Declarações de Bolsonaro reforçam temores de interferência ideológica no exame

Enquanto se mantém alheio a problemas de que deveria ocupar-se, como a perda de credibilidade da política econômica e seu impacto social, Jair Bolsonaro se desdobra para interferir em questões das quais deveria manter-se afastado, como vimos agora no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Se elaborar uma prova já é uma tarefa eminentemente técnica, da qual amadores deveriam ficar longe, a complexidade da tarefa se mostra incrivelmente maior tratando-se de um exame baseado em Teoria de Resposta ao Item (TRI), a metodologia utilizada no Enem.

Na TRI, é preciso levar em conta não só o grau de dificuldade de cada questão como também sua capacidade de discriminar entre os alunos mais e menos preparados.

Apenas suprimir itens incômodos para os seguidores ideológicos do presidente, sem considerar seus aspectos técnicos, resulta em romper o equilíbrio exigido pelos modelos matemáticos e reduzir a eficácia do exame.

Nada disso parece ter intimidado o presidente ou seus bajuladores, que dão mostras frequentes do propósito de interferir no conteúdo do Enem —a ponto de o próprio Bolsonaro gabar-se, na segunda (15), de ter criado uma prova "com a cara do governo".

Nesta quarta (17), o mandatário negou que tenha conhecimento prévio das questões deste ano, o que obviamente não basta para afastar as suspeitas de pressão sobre os responsáveis pela elaboração.

Pior, achincalhou o exame. "Aquilo mede algum conhecimento? Ou é ativismo político e na questão comportamental?", questionou.

Seria possível discutir, com método, a ocorrência de vieses, de esquerda ou outros, no ensino médio e no Enem. O bolsonarismo, porém, prefere usar o assunto como mais um cavalo de batalha ideológica —não passou despercebida a ausência de menções à ditadura militar nas provas mais recentes.

O prejuízo é terrivelmente concreto. O exame corre grande risco de perder qualidade, e a pressão exercida sobre os técnicos do Inep, o órgão encarregado de elaborar as provas, contribuiu para o preocupante esvaziamento do instituto. Outros testes serão afetados.

Se mais pessoas tiveram, sem necessidade, acesso prévio às questões do Enem, romperam-se padrões de segurança imprescindíveis. Congresso e órgãos de controle farão bem em debruçar-se sobre o caso e cobrar esclarecimentos do Ministério da Educação.

A falta de uma reforma administrativa

O Estado de S. Paulo

O desinteresse do presidente Bolsonaro na reforma fica tão evidente que incomoda até o presidente da Câmara dos Deputados, fiador do governo

O desinteresse de Jair Bolsonaro na reforma fica tão evidente que incomoda até o presidente da Câmara dos Deputados, fiador do governo.

Eleito sob a promessa de fazer um governo liberal na economia e conservador nos costumes, o presidente Jair Bolsonaro nunca foi um defensor de reformas. Seu histórico como deputado já mostrava isso, mas o mercado se fiou na figura de Paulo Guedes e em seu suposto poder de convencimento para apoiar o então candidato em 2018. Passados quase três anos, a cada dia fica mais claro que as reformas não são prioridade para esta gestão e, dada a qualidade daquilo que efetivamente foi aprovado, talvez seja melhor deixá-las de lado.

Um dos 35 itens da lista de preferências apresentada pelo governo ao Congresso em fevereiro, a reforma administrativa não registra qualquer movimentação na Câmara há quase dois meses, desde que foi aprovada em comissão especial. Há uma semana, Guedes reafirmou a investidores que o texto será votado até o fim deste ano. Enquanto isso, em Dubai, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de dar reajuste salarial aos servidores públicos.

Os recursos para bancar essa política eleitoreira viriam daquela que se tornou a tábua de salvação do governo: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que institucionaliza o calote de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça sob o pretexto de abrir espaço para o pagamento do Auxílio Brasil. É estarrecedor que ninguém no Executivo soubesse dos planos de Bolsonaro até dias atrás.

Nem mesmo os deputados, que já aprovaram a PEC, tinham conhecimento de que estavam dando aval a um reajuste aos servidores. Relator-geral do Orçamento de 2022, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), disse ao Estado que não há espaço para a criação de novas despesas de caráter permanente no texto. Segundo ele, esse aumento não integra nenhuma das planilhas preparadas pela Comissão Mista de Orçamento. E, se já havia resistência no Senado à proposta antes disso, agora o cenário ficou imprevisível.

No meio do ruído e do ceticismo com que a promessa de reajuste foi recebida, o desinteresse do governo na reforma administrativa fica tão evidente que incomoda até o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nas últimas semanas, ele tem cobrado do Executivo apoio para votar a matéria, pronta para ir a plenário.

Não são votos fáceis de conquistar. Embora o texto final não afete quem já atua no setor público – o que por si só já seria questionável em se tratando de uma pretensa reforma –, quem tem se mobilizado mesmo são os servidores, com propaganda em rádio e TV e pressão sobre parlamentares que desembarcam semanalmente no Aeroporto Juscelino Kubitschek. Só quem não conhece Brasília despreza essa forma de atuação.

Uma correção de 5% nos rendimentos do funcionalismo público custaria R$ 15 bilhões, segundo reportagem do Estado. A maioria dos servidores teve o último aumento em 2017, e parte deles, em 2019. Ainda que a inflação corroa os ganhos de todos e que haja desigualdade gritante entre as carreiras, eles recebem, em média, quase o dobro que o valor pago a trabalhadores do setor privado que exercem função semelhante. Estudo do Banco Mundial mostrou uma situação privilegiada também na comparação internacional. Enquanto o governo federal alocou cerca de 4,3% do PIB em salários em 2019, o México pagou 1,6%; a Colômbia, 2,3%; e a Argentina, 2,5%.

Discutir salários e o custo deles ao erário é importante, mas é apenas parte do que se espera de uma reforma administrativa. Uma proposta consistente vai além de mudanças de regras na política de Recursos Humanos e passa por tornar o Estado mais eficiente e moderno. Entregar serviços de qualidade para os cidadãos deve ser primordial, assim como combater o patrimonialismo e o corporativismo.

Proteger castas vai de encontro a esses objetivos. Favorecer agentes de segurança pública, não por sua relevância como representantes do monopólio legítimo do uso da força, mas apenas por serem base de apoio do bolsonarismo, fica longe desses princípios. Excluir o Judiciário e o Ministério Público da reforma, donos das maiores benesses do setor público, é, mais do que absurdo, imoral.

Retrocesso na vacinação de crianças

O Estado de S. Paulo

Ao suspender a obrigatoriedade de imunização de filhos de beneficiários do Bolsa Família, governo avança na destruição de políticas públicas

Em sua cruzada para destruir políticas públicas consolidadas, o governo Jair Bolsonaro tem conquistado avanços inegáveis, entre eles a queda no índice de vacinação infantil. Dados do Ministério da Saúde apontam que 6,3 milhões de crianças com idade entre um e cinco anos, o equivalente a 55,9% do total, não haviam sido imunizadas contra a poliomielite até o fim de outubro, quando se encerrou a campanha nacional contra a doença. A vacinação contra a pólio, que chegou a atingir um nível de adesão de 98% em 2015, caiu para 76% em 2020, um retorno a patamares vistos somente na década de 1980.

O problema com a poliomielite não é um caso isolado. Reportagem do Estado mostrou que a quantidade de municípios com cobertura vacinal adequada para crianças com menos de um ano de idade ficou abaixo de 50% para sete imunizantes, inclusive os que combatem sarampo e tuberculose. A pandemia de covid-19 atrapalhou, mas não causou o fenômeno. Especialistas destacam a relevância das fake news, além da desarticulação dos postos de saúde, e alertam para o risco de ressurgimento de doenças que já haviam sido erradicadas.

Não é uma novidade que o presidente Jair Bolsonaro sabote a vacinação, mas é perturbador o fato de que essa atitude seja referendada por órgãos de governo. O ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, tentou proibir empresas de demitir funcionários que se recusassem a tomar vacinas contra a covid-19, uma decisão muito “drástica”, na avaliação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

É exatamente o que faz agora o Ministério da Cidadania. Sob o comando do ministro João Roma, a pasta decidiu manter suspensas as medidas que bloqueiam o pagamento do Bolsa Família a beneficiários que ignoram condições como a exigência de frequência escolar mínima e descumprem o calendário de vacinação de seus filhos. O atendimento a essas obrigações foi dispensado até março, no caso da imunização, e até abril, para a presença nas escolas.

Para justificar a decisão, o Ministério da Cidadania menciona, surpreendentemente, a pandemia de covid-19. A portaria, que renova medida adotada desde março de 2020, cita a necessidade de conter aglomerações e evitar a exposição ao vírus dos beneficiários do programa e dos servidores que atuam nas unidades de cadastramento das famílias. Seria uma preocupação válida e justa, não fosse o fato de que Bolsonaro sempre minimizou a gravidade da doença. Ou seja, não é essa a razão da medida, mas a própria desorganização do governo em retomar a regularidade dos pagamentos sem criar um caos.

Foi justamente o avanço da vacinação contra o coronavírus e a confiança dos brasileiros na imunização, conquistada ao longo de anos, que permitiram a redução dos índices de transmissão e de mortes e o retorno das aulas presenciais em toda a rede pública e privada. Esse legado está sob ameaça.

Depois de acabar com o Bolsa Família, um programa elogiado por muitos especialistas, o governo decidiu substituí-lo pelo Auxílio Brasil na tentativa de obter uma marca entre a população mais carente e aumentar a chance de obter votos da parcela do eleitorado que lhe confere os piores índices de aprovação. Apesar da promessa do governo de ampliar os valores pagos, 5,4 milhões de beneficiários podem ter redução nos valores pagos – cerca de 37% dos 14,7 milhões de atendidos, segundo o Estadão/broadcast.

Uma das maiores virtudes do Bolsa Família era justamente o fato de, pelo menos em tese, exigir que os beneficiários se preocupassem com a saúde e a educação de seus familiares. A ideia era fazer com que a geração seguinte fosse mais saudável e educada, condições indispensáveis para o desenvolvimento dos indivíduos. Portanto, mais do que uma contrapartida, a obrigação de vacinar os filhos e a exigência de frequência escolar mínima que marcaram o Bolsa Família são políticas fundamentais para proporcionar um futuro melhor às crianças atendidas, razão pela qual não podem ser simplesmente abandonadas.

Não tem cabimento conceder aumento ao funcionalismo

O Globo

Se ainda faltava argumento para convencer os senadores a barrar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, ele foi dado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira em viagem ao Oriente Médio. Bolsonaro informou ter pedido ao ministro Paulo Guedes, da Economia, que acomodasse um reajuste aos servidores federais na folga fiscal criada pela eventual aprovação da PEC. Foi um ímpeto oportunista, irresponsável e eleitoreiro. A única meta é melhorar suas chances de ser competitivo no pleito de 2022.

Assim como os trabalhadores do setor privado, os funcionários públicos federais veem seus rendimentos ser corroídos pela inflação elevada. Cruciais ao bom funcionamento da máquina estatal, eles têm todo o direito de buscar reposição para o poder de compra dos seus salários. Isso, porém, não significa que a defesa de um reajuste seja, no atual momento, uma pauta justa.

O funcionalismo não perdeu nem nunca temeu perder o emprego ou renda durante os períodos mais incertos da pandemia, ao contrário dos que atuam no mercado de trabalho formal e no informal. Foi poupado da redução de salários e jornadas a que foram submetidos os empregados da iniciativa privada. Por fim, com todo o poder de pressão de que dispõe em Brasília, a mais alta casta do funcionalismo — leia-se juízes, procuradores e militares — conseguiu ser preservada até dos avanços mais tímidos propostos no arremedo de reforma administrativa do governo. Priorizar quem passou financeiramente imune pela recessão do ano passado em detrimento dos milhões de desempregados é, no mínimo, imoral.

A redução nos gastos da União com sua folha de pagamentos é recente e nem de longe satisfaz à necessidade de acomodar o tamanho do Estado à capacidade da sociedade de arcar com seu custo. A reforma administrativa é necessária justamente para garantir uma gestão mais competente, que permita pagar melhor a quem tem melhor desempenho — em vez de assegurar privilégios absurdos para todos. É exatamente isso que significaria um aumento indiscriminado neste momento.

A PEC dos Precatórios não foi apelidada de PEC do Calote à toa. Se aprovada, ela adia o pagamento de dívidas que já foram contestadas pelo governo e sacramentadas pela Justiça. Pior: torna letra morta a regra do teto de gastos, um instrumento usado para limitar a sanha gastadora do governo e assegurar um futuro fiscalmente responsável para o país. Como já tem ficado óbvio, ameaçar furar o teto tem efeitos imediatos, como o aumento das expectativas de inflação, das taxas de juros e a redução das estimativas da atividade econômica no médio prazo.

Incluir mais um gasto fixo (como o aumento do funcionalismo) no espaço fiscal criado pelo furo do teto é o fim da picada. Torna ainda mais evidente a argumentação falaciosa do governo para defender a PEC, cujo pretexto é ajudar os mais pobres com o Auxílio Brasil. A declaração de Bolsonaro no Oriente Médio desmascarou suas intenções puramente eleitoreiras. O presidente quer distribuir regalias aparentemente grátis antes do pleito de 2022, mas a conta por uma tentativa de estelionato eleitoral chegará e será pesada. O Brasil espera que os senadores não compactuem com essa farsa.

Instituições de ensino federais erram ao protelar volta às aulas presenciais

O Globo

É inacreditável que a esta altura ainda se perca tempo discutindo se as aulas presenciais devem ou não ser retomadas. Por incrível que pareça, o falso dilema mobiliza sete instituições federais do Rio, a Justiça e organismos da União. No dia 25 de outubro, uma liminar do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) determinou que todas — entre elas UFRJ, UniRio, Colégio Pedro II, Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) e Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) — retomassem o ensino presencial. Em algumas, as aulas haviam voltado parcialmente; noutras, nem isso. No tradicional Pedro II, que reúne 13 mil estudantes no estado, o apagão no ensino levou pais e alunos a promover ruidosas manifestações implorando pelo retorno das atividades.

O enredo já surreal ganhou contornos mais bizarros quando, na semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da decisão do TRF2. Impressiona a disposição da AGU para seguir na contramão do que o Brasil inteiro vem fazendo. As maiores redes de ensino do país — em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro — já retomaram as aulas presenciais, seguindo os protocolos recomendados de distanciamento, higiene e uso de máscaras. E tardiamente, diga-se. Por que instituições federais haveriam de ser diferentes?

Há uma contradição evidente na posição defendida pela União. Em abril, um dos meses mais letais da pandemia, quando brasileiros morriam aos milhares, a AGU defendeu no Supremo Tribunal Federal a liberação de cultos e missas, opondo-se a decretos de governadores e prefeitos. Em decisão sensata, a Corte manteve as restrições. Para a AGU, parece que o vírus ameaça mais as escolas que os templos. Patético.

A resistência à volta às aulas já não fazia sentido nos meses críticos da pandemia. Em lugares que mantiveram as escolas abertas não houve aumento significativo de casos de Covid-19. Compreende-se que, num país onde a gestão desastrosa da crise sanitária provocou mais de 610 mil mortes, pais, professores e diretores tenham ficado receosos. Mas aonde se chegou com isso? Um ano e meio de escolas fechadas levou a um estrago no ensino que será difícil recuperar.

Nas condições atuais, não há motivo para não retomar aulas 100% presenciais. O avanço da vacinação tem proporcionado queda constante no número de infectados e mortos. Na segunda-feira, recebeu alta no Rio o último paciente internado no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, unidade de referência para a doença. Estados e municípios do Brasil inteiro já liberaram tudo o que havia para liberar. Estádios, academias de ginástica, boates, bares. Vida quase normal. Por que com a educação tem de ser diferente?

As sete instituições federais que tentam protelar a volta às aulas presenciais podem até ter seus argumentos. Mas tiveram quase dois anos para se planejar. É tempo suficiente. Estados e municípios enfrentaram os mesmos desafios e, mal ou bem, os superaram. O episódio nos ensina que, para as autoridades que comandam o país, tudo parece ser mais prioritário do que a educação.

Após furar teto, Bolsonaro propõe mais despesas

Valor Econômico

Com a volta dos aumentos dos gastos públicos em anos eleitorais, o teto de gastos se tornará letra morta em pouco tempo

O presidente Jair Bolsonaro deixou claro, se ainda houvesse dúvidas, que o Orçamento de 2022 é uma peça desenhada sob medida para sua tentativa de reeleição. Por dois dias no Oriente Médio, Bolsonaro elaborou a ideia. Tirou do nada que há dinheiro sobrando se a PEC dos Precatórios, ou PEC do calote, for aprovada como está, o que, além de tudo, é duvidoso dadas as reticências do Senado. Depois, disse que seria possível dar um reajuste para todos os servidores, ainda que menor ao que “todos merecem”. Tornou-se mais que evidente que o presidente quer ampliar os gastos segundo sua vontade e que o ministro Paulo Guedes e a base governista que tentem encontrar novas maneiras de furar o teto de gastos.

Os rompantes de Bolsonaro tumultuam o ambiente econômico e estão custando caro ao país. Com variados graus de alarme, os investidores mostraram que as incertezas fiscais são o motor da desconfiança que embala o dólar cada vez mais para cima, o principal movimento que fez com que a inflação tenha ultrapassado os dois dígitos. O presidente, no entanto, não enxerga restrições fiscais e viu uma brecha para gastar com um expediente rasteiro que empurra despesas que deveriam ser pagas agora para o futuro. Se for respeitado o teto de gastos, falta dinheiro agora, e não pouco.

Com o inacreditável calote que o governo quer instituir na Constituição, tornando decisões do Judiciário subordinadas à vontade do Executivo, abriu-se um espaço de R$ 91,6 bilhões (cálculos do Ministério da Economia) para despesas que contornam o teto de gastos. Elas estão mais que comprometidas, porém. O Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, que terá pagamento mensal de R$ 400 - número calibrado eleitoralmente - aos inscritos no programa, deverá consumir cerca de R$ 45 bilhões. O vale-gás custará R$ 5 bilhões, o pagamento de auxílio aos caminhoneiros outro tanto, e R$ 24 bilhões serão usados para cobrir o aumento da inflação que incidirá sobre gastos previdenciários e outros benefícios sociais indexados à inflação.

A rigor, o dinheiro disponível, supondo que o calote seja aprovado, é de menos de R$ 10 bilhões. Mas a principal razão para o furo no teto de gastos ainda tem de entrar nessa conta. O Centrão, base de apoio do governo, pretende colocar R$ 16 bilhões como emendas do relator em 2022 - o pagamento de emendas em 2021 foi em boa hora e por boas razões fulminadas pelo Supremo Tribunal Federal. A pretensão de mais que dobrar o fundo eleitoral, de R$ 2 bilhões para pelo menos R$ 5 bilhões, que também beneficiará, claro, o partido ao qual o presidente se filiar para disputar a reeleição, também não está incluído na “sobra” dos cálculos de Bolsonaro. E entra nova despesa, com o reajuste do funcionalismo.

Um aumento de 5%, cogitado quando a lei orçamentária foi discutida em meados do ano, corresponderia a despesas adicionais de R$ 15 bilhões. A Instituição Fiscal Independente do Senado tem números semelhantes - cada ponto percentual de reajuste equivale a dispêndios de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões. Pode ser mais: algumas categorias ainda usufruem do privilégio de terem seus salários corrigidos pelos mesmos índices obtidos pelos funcionários da ativa.

Supondo um reajuste aos servidores de 5%, faltam mais de R$ 20 bilhões para atender todas as demandas político-eleitorais, mesmo após o calote de R$ 50 bilhões nos precatórios. Ninguém entendeu a aritmética de Bolsonaro, nem mesmo os governistas. Espantado, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, disse que o presidente precisaria definir prioridades - algo de que Bolsonaro tem sido incapaz, exceto quando são as suas próprias - porque ao acrescentar novos gastos será preciso subtrair gastos na rubrica que encolhe ano a ano, a das despesas discricionárias. “O cobertor está muito curto”, disse ele ontem. “Todo o esforço que estamos fazendo não é para atender ao reajuste dos servidores”.

Com a volta dos aumentos dos gastos públicos em anos eleitorais, o teto de gastos se tornará letra morta em pouco tempo a partir das investidas crescentes do Planalto. As demandas tendem a aumentar não apenas pelo fisiologismo dos partidos do Centrão, mas também para tentar inverter a popularidade decrescente de Bolsonaro, um problema que ativará a “engenharia criativa” do governo para colocar em prática medidas populistas. O presidente não hesitará em arruinar a economia se isto lhe der alguma chance de vitória e já começou a seguir esta trilha.

 

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