EDITORIAIS
Contrastes na Covid
Folha de S. Paulo
Estatísticas mostram Brasil em situação
favorável diante da desenvolvida Europa
Já se foi o tempo em que os números do
Brasil relativos ao coronavírus —casos, mortes ou vacinação— ficavam entre os
piores do mundo. A pandemia
parece controlada por aqui, e países como os Estados Unidos e vários da
Europa vivem situação muito pior, embora não esteja bem claro por
quê.
Hoje algo como 50 a cada 1 milhão de
brasileiros recebem confirmação de Covid-19 a cada dia. O país fica abaixo da
média mundial, superior a 60 por milhão.
A desenvolvida Europa ultrapassa a casa de
380 novos casos diários por milhão, mais de sete vezes o número do Brasil. O
Reino Unido tem 565/milhão, a Alemanha, 468, e os EUA, 253. São espantosas as
cifras da Holanda, 847, e ainda mais as de países do Leste Europeu, como a
República Tcheca (1.025).
As médias móveis de mortes também falam a
favor da saúde pública brasileira, com 16 por milhão de cidadãos falecidos a
cada dia. Um pouco acima da média global (12,7) e sul-americana (12,4),
verdade. Nada escandaloso, contudo, diante da cifra europeia (68,3) ou da
norte-americana (48,9).
O desempenho
do programa de vacinação nacional, que destacou o Brasil no panorama
mundial desde as últimas décadas do século 20, ajuda a explicar esse estado de
coisas. Mesmo com a desídia e a antipropaganda do presidente Jair Bolsonaro, o
Estado funciona à sua revelia e já garantiu a primeira dose a mais de três
quartos da população em dez meses.
Para comparação, pouco mais da metade das pessoas no mundo receberam a imunização parcial. Estamos à frente da Alemanha (70%) e dos EUA (68%), mas atrás do Chile (87%) e de Portugal (89%), onde a quantidade inferior de habitantes e sua distribuição por territórios menores facilitam a logística.
Não se encontra uma correlação direta e
linear entre vacinação e gravidade das epidemias nacionais, entretanto. Brasil
e Reino Unido, por exemplo, têm parcela similar de parcialmente imunizados (76%
e 74%, respectivamente), mas ocorre entre britânicos o dobro de mortes,
proporcionalmente, do que se vê por aqui.
Cada país passa por momentos diferentes da
pandemia. Uns veem arrebentar uma quarta onda mortífera, enquanto noutros ela
ou não se materializa ou não mata tanto. Está ainda por detectar boa explicação
para o fato de no Brasil a variante delta não ter dizimado tanta gente quanto
noutras paragens.
Seria rematada ilusão, diante de tanta
variabilidade mal compreendida, dar a Covid por domada no Brasil. Urge
completar o esquema vacinal, ainda abaixo de 60%, garantir doses para acelerar
o reforço e observar a devida cautela ao afrouxar regras de distanciamento
social e uso de máscaras.
A cara do Enem
Folha de S. Paulo
Declarações de Bolsonaro reforçam temores
de interferência ideológica no exame
Enquanto se mantém alheio a problemas de
que deveria ocupar-se, como a perda de credibilidade da política econômica e
seu impacto social, Jair Bolsonaro se desdobra para interferir em questões das
quais deveria manter-se afastado, como vimos agora no Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem).
Se elaborar uma prova já é uma tarefa
eminentemente técnica, da qual amadores deveriam ficar longe, a complexidade da
tarefa se mostra incrivelmente maior tratando-se de um exame baseado em Teoria
de Resposta ao Item (TRI), a metodologia utilizada no Enem.
Na TRI, é preciso levar em conta não só o
grau de dificuldade de cada questão como também sua capacidade de discriminar
entre os alunos mais e menos preparados.
Apenas suprimir itens incômodos para os
seguidores ideológicos do presidente, sem considerar seus aspectos técnicos,
resulta em romper o equilíbrio exigido pelos modelos matemáticos e reduzir a
eficácia do exame.
Nada disso parece ter intimidado o
presidente ou seus bajuladores, que dão mostras frequentes do propósito de
interferir no conteúdo do Enem —a ponto de o próprio Bolsonaro gabar-se, na
segunda (15), de ter criado uma prova "com a
cara do governo".
Nesta quarta (17), o mandatário negou que
tenha conhecimento prévio das questões deste ano, o que obviamente não basta
para afastar as suspeitas de pressão sobre os responsáveis pela elaboração.
Pior, achincalhou o
exame. "Aquilo mede algum conhecimento? Ou é ativismo político
e na questão comportamental?", questionou.
Seria possível discutir, com método, a
ocorrência de vieses, de esquerda ou outros, no ensino médio e no Enem. O
bolsonarismo, porém, prefere usar o assunto como mais um cavalo de batalha
ideológica —não passou despercebida a ausência de menções à ditadura militar
nas provas mais recentes.
O prejuízo é terrivelmente concreto. O
exame corre grande risco de perder qualidade, e a pressão exercida sobre os
técnicos do Inep, o órgão encarregado de elaborar as provas, contribuiu para o
preocupante esvaziamento do instituto. Outros testes serão afetados.
Se mais pessoas tiveram, sem necessidade,
acesso prévio às questões do Enem, romperam-se padrões de segurança
imprescindíveis. Congresso e órgãos de controle farão bem em debruçar-se sobre
o caso e cobrar esclarecimentos do Ministério da Educação.
A falta de uma reforma administrativa
O Estado de S. Paulo
O desinteresse do presidente Bolsonaro na
reforma fica tão evidente que incomoda até o presidente da Câmara dos
Deputados, fiador do governo
O desinteresse de Jair Bolsonaro na reforma
fica tão evidente que incomoda até o presidente da Câmara dos Deputados, fiador
do governo.
Eleito sob a promessa de fazer um governo
liberal na economia e conservador nos costumes, o presidente Jair Bolsonaro
nunca foi um defensor de reformas. Seu histórico como deputado já mostrava
isso, mas o mercado se fiou na figura de Paulo Guedes e em seu suposto poder de
convencimento para apoiar o então candidato em 2018. Passados quase três anos,
a cada dia fica mais claro que as reformas não são prioridade para esta gestão
e, dada a qualidade daquilo que efetivamente foi aprovado, talvez seja melhor
deixá-las de lado.
Um dos 35 itens da lista de preferências
apresentada pelo governo ao Congresso em fevereiro, a reforma administrativa
não registra qualquer movimentação na Câmara há quase dois meses, desde que foi
aprovada em comissão especial. Há uma semana, Guedes reafirmou a investidores
que o texto será votado até o fim deste ano. Enquanto isso, em Dubai, o
presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de dar reajuste salarial aos
servidores públicos.
Os recursos para bancar essa política
eleitoreira viriam daquela que se tornou a tábua de salvação do governo: a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que institucionaliza o
calote de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça sob o pretexto de abrir
espaço para o pagamento do Auxílio Brasil. É estarrecedor que ninguém no
Executivo soubesse dos planos de Bolsonaro até dias atrás.
Nem mesmo os deputados, que já aprovaram a
PEC, tinham conhecimento de que estavam dando aval a um reajuste aos
servidores. Relator-geral do Orçamento de 2022, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ),
disse ao Estado que não há espaço para a criação de novas despesas de caráter
permanente no texto. Segundo ele, esse aumento não integra nenhuma das
planilhas preparadas pela Comissão Mista de Orçamento. E, se já havia
resistência no Senado à proposta antes disso, agora o cenário ficou
imprevisível.
No meio do ruído e do ceticismo com que a
promessa de reajuste foi recebida, o desinteresse do governo na reforma
administrativa fica tão evidente que incomoda até o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL). Nas últimas semanas, ele tem cobrado do Executivo apoio
para votar a matéria, pronta para ir a plenário.
Não são votos fáceis de conquistar. Embora
o texto final não afete quem já atua no setor público – o que por si só já
seria questionável em se tratando de uma pretensa reforma –, quem tem se
mobilizado mesmo são os servidores, com propaganda em rádio e TV e pressão
sobre parlamentares que desembarcam semanalmente no Aeroporto Juscelino
Kubitschek. Só quem não conhece Brasília despreza essa forma de atuação.
Uma correção de 5% nos rendimentos do funcionalismo público custaria R$ 15 bilhões, segundo reportagem do Estado. A maioria dos servidores teve o último aumento em 2017, e parte deles, em 2019. Ainda que a inflação corroa os ganhos de todos e que haja desigualdade gritante entre as carreiras, eles recebem, em média, quase o dobro que o valor pago a trabalhadores do setor privado que exercem função semelhante. Estudo do Banco Mundial mostrou uma situação privilegiada também na comparação internacional. Enquanto o governo federal alocou cerca de 4,3% do PIB em salários em 2019, o México pagou 1,6%; a Colômbia, 2,3%; e a Argentina, 2,5%.
Discutir salários e o custo deles ao erário
é importante, mas é apenas parte do que se espera de uma reforma
administrativa. Uma proposta consistente vai além de mudanças de regras na
política de Recursos Humanos e passa por tornar o Estado mais eficiente e
moderno. Entregar serviços de qualidade para os cidadãos deve ser primordial,
assim como combater o patrimonialismo e o corporativismo.
Proteger castas vai de encontro a esses
objetivos. Favorecer agentes de segurança pública, não por sua relevância como
representantes do monopólio legítimo do uso da força, mas apenas por serem base
de apoio do bolsonarismo, fica longe desses princípios. Excluir o Judiciário e
o Ministério Público da reforma, donos das maiores benesses do setor público, é,
mais do que absurdo, imoral.
Retrocesso na vacinação de crianças
O Estado de S. Paulo
Ao suspender a obrigatoriedade de
imunização de filhos de beneficiários do Bolsa Família, governo avança na
destruição de políticas públicas
Em sua cruzada para destruir políticas
públicas consolidadas, o governo Jair Bolsonaro tem conquistado avanços
inegáveis, entre eles a queda no índice de vacinação infantil. Dados do
Ministério da Saúde apontam que 6,3 milhões de crianças com idade entre um e
cinco anos, o equivalente a 55,9% do total, não haviam sido imunizadas contra a
poliomielite até o fim de outubro, quando se encerrou a campanha nacional
contra a doença. A vacinação contra a pólio, que chegou a atingir um nível de
adesão de 98% em 2015, caiu para 76% em 2020, um retorno a patamares vistos
somente na década de 1980.
O problema com a poliomielite não é um caso
isolado. Reportagem do Estado mostrou que a quantidade de municípios com
cobertura vacinal adequada para crianças com menos de um ano de idade ficou
abaixo de 50% para sete imunizantes, inclusive os que combatem sarampo e
tuberculose. A pandemia de covid-19 atrapalhou, mas não causou o fenômeno.
Especialistas destacam a relevância das fake news, além da desarticulação dos
postos de saúde, e alertam para o risco de ressurgimento de doenças que já
haviam sido erradicadas.
Não é uma novidade que o presidente Jair
Bolsonaro sabote a vacinação, mas é perturbador o fato de que essa atitude seja
referendada por órgãos de governo. O ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni,
tentou proibir empresas de demitir funcionários que se recusassem a tomar
vacinas contra a covid-19, uma decisão muito “drástica”, na avaliação do
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
É exatamente o que faz agora o Ministério
da Cidadania. Sob o comando do ministro João Roma, a pasta decidiu manter
suspensas as medidas que bloqueiam o pagamento do Bolsa Família a beneficiários
que ignoram condições como a exigência de frequência escolar mínima e
descumprem o calendário de vacinação de seus filhos. O atendimento a essas
obrigações foi dispensado até março, no caso da imunização, e até abril, para a
presença nas escolas.
Para justificar a decisão, o Ministério da
Cidadania menciona, surpreendentemente, a pandemia de covid-19. A portaria, que
renova medida adotada desde março de 2020, cita a necessidade de conter
aglomerações e evitar a exposição ao vírus dos beneficiários do programa e dos
servidores que atuam nas unidades de cadastramento das famílias. Seria uma
preocupação válida e justa, não fosse o fato de que Bolsonaro sempre minimizou
a gravidade da doença. Ou seja, não é essa a razão da medida, mas a própria
desorganização do governo em retomar a regularidade dos pagamentos sem criar um
caos.
Foi justamente o avanço da vacinação contra
o coronavírus e a confiança dos brasileiros na imunização, conquistada ao longo
de anos, que permitiram a redução dos índices de transmissão e de mortes e o
retorno das aulas presenciais em toda a rede pública e privada. Esse legado
está sob ameaça.
Depois de acabar com o Bolsa Família, um
programa elogiado por muitos especialistas, o governo decidiu substituí-lo pelo
Auxílio Brasil na tentativa de obter uma marca entre a população mais carente e
aumentar a chance de obter votos da parcela do eleitorado que lhe confere os
piores índices de aprovação. Apesar da promessa do governo de ampliar os
valores pagos, 5,4 milhões de beneficiários podem ter redução nos valores pagos
– cerca de 37% dos 14,7 milhões de atendidos, segundo o Estadão/broadcast.
Uma das maiores virtudes do Bolsa Família
era justamente o fato de, pelo menos em tese, exigir que os beneficiários se
preocupassem com a saúde e a educação de seus familiares. A ideia era fazer com
que a geração seguinte fosse mais saudável e educada, condições indispensáveis
para o desenvolvimento dos indivíduos. Portanto, mais do que uma contrapartida,
a obrigação de vacinar os filhos e a exigência de frequência escolar mínima que
marcaram o Bolsa Família são políticas fundamentais para proporcionar um futuro
melhor às crianças atendidas, razão pela qual não podem ser simplesmente
abandonadas.
Não tem cabimento conceder aumento ao
funcionalismo
O Globo
Se ainda faltava argumento para convencer
os senadores a barrar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos
Precatórios, ele foi dado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira em
viagem ao Oriente Médio. Bolsonaro informou ter pedido ao ministro Paulo
Guedes, da Economia, que acomodasse um reajuste aos servidores federais na
folga fiscal criada pela eventual aprovação da PEC. Foi um ímpeto oportunista,
irresponsável e eleitoreiro. A única meta é melhorar suas chances de ser
competitivo no pleito de 2022.
Assim como os trabalhadores do setor
privado, os funcionários públicos federais veem seus rendimentos ser corroídos
pela inflação elevada. Cruciais ao bom funcionamento da máquina estatal, eles
têm todo o direito de buscar reposição para o poder de compra dos seus
salários. Isso, porém, não significa que a defesa de um reajuste seja, no atual
momento, uma pauta justa.
O funcionalismo não perdeu nem nunca temeu
perder o emprego ou renda durante os períodos mais incertos da pandemia, ao
contrário dos que atuam no mercado de trabalho formal e no informal. Foi
poupado da redução de salários e jornadas a que foram submetidos os empregados
da iniciativa privada. Por fim, com todo o poder de pressão de que dispõe em
Brasília, a mais alta casta do funcionalismo — leia-se juízes, procuradores e
militares — conseguiu ser preservada até dos avanços mais tímidos propostos no
arremedo de reforma administrativa do governo. Priorizar quem passou
financeiramente imune pela recessão do ano passado em detrimento dos milhões de
desempregados é, no mínimo, imoral.
A redução nos gastos da União com sua folha
de pagamentos é recente e nem de longe satisfaz à necessidade de acomodar o
tamanho do Estado à capacidade da sociedade de arcar com seu custo. A reforma
administrativa é necessária justamente para garantir uma gestão mais
competente, que permita pagar melhor a quem tem melhor desempenho — em vez de
assegurar privilégios absurdos para todos. É exatamente isso que significaria
um aumento indiscriminado neste momento.
A PEC dos Precatórios não foi apelidada de
PEC do Calote à toa. Se aprovada, ela adia o pagamento de dívidas que já foram
contestadas pelo governo e sacramentadas pela Justiça. Pior: torna letra morta
a regra do teto de gastos, um instrumento usado para limitar a sanha gastadora
do governo e assegurar um futuro fiscalmente responsável para o país. Como já
tem ficado óbvio, ameaçar furar o teto tem efeitos imediatos, como o aumento
das expectativas de inflação, das taxas de juros e a redução das estimativas da
atividade econômica no médio prazo.
Incluir mais um gasto fixo (como o aumento
do funcionalismo) no espaço fiscal criado pelo furo do teto é o fim da picada.
Torna ainda mais evidente a argumentação falaciosa do governo para defender a
PEC, cujo pretexto é ajudar os mais pobres com o Auxílio Brasil. A declaração
de Bolsonaro no Oriente Médio desmascarou suas intenções puramente
eleitoreiras. O presidente quer distribuir regalias aparentemente grátis antes
do pleito de 2022, mas a conta por uma tentativa de estelionato eleitoral
chegará e será pesada. O Brasil espera que os senadores não compactuem com essa
farsa.
Instituições de ensino federais erram ao
protelar volta às aulas presenciais
O Globo
É inacreditável que a esta altura ainda se
perca tempo discutindo se as aulas presenciais devem ou não ser retomadas. Por
incrível que pareça, o falso dilema mobiliza sete instituições federais do Rio,
a Justiça e organismos da União. No dia 25 de outubro, uma liminar do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região (TRF2) determinou que todas — entre elas UFRJ,
UniRio, Colégio Pedro II, Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) e
Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) — retomassem o ensino presencial.
Em algumas, as aulas haviam voltado parcialmente; noutras, nem isso. No
tradicional Pedro II, que reúne 13 mil estudantes no estado, o apagão no ensino
levou pais e alunos a promover ruidosas manifestações implorando pelo retorno
das atividades.
O enredo já surreal ganhou contornos mais
bizarros quando, na semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu
da decisão do TRF2. Impressiona a disposição da AGU para seguir na contramão do
que o Brasil inteiro vem fazendo. As maiores redes de ensino do país — em São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro — já retomaram as aulas presenciais,
seguindo os protocolos recomendados de distanciamento, higiene e uso de
máscaras. E tardiamente, diga-se. Por que instituições federais haveriam de ser
diferentes?
Há uma contradição evidente na posição
defendida pela União. Em abril, um dos meses mais letais da pandemia, quando
brasileiros morriam aos milhares, a AGU defendeu no Supremo Tribunal Federal a
liberação de cultos e missas, opondo-se a decretos de governadores e prefeitos.
Em decisão sensata, a Corte manteve as restrições. Para a AGU, parece que o
vírus ameaça mais as escolas que os templos. Patético.
A resistência à volta às aulas já não fazia
sentido nos meses críticos da pandemia. Em lugares que mantiveram as escolas
abertas não houve aumento significativo de casos de Covid-19. Compreende-se
que, num país onde a gestão desastrosa da crise sanitária provocou mais de 610
mil mortes, pais, professores e diretores tenham ficado receosos. Mas aonde se
chegou com isso? Um ano e meio de escolas fechadas levou a um estrago no ensino
que será difícil recuperar.
Nas condições atuais, não há motivo para
não retomar aulas 100% presenciais. O avanço da vacinação tem proporcionado
queda constante no número de infectados e mortos. Na segunda-feira, recebeu
alta no Rio o último paciente internado no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla,
unidade de referência para a doença. Estados e municípios do Brasil inteiro já
liberaram tudo o que havia para liberar. Estádios, academias de ginástica,
boates, bares. Vida quase normal. Por que com a educação tem de ser diferente?
As sete instituições federais que tentam protelar a volta às aulas presenciais podem até ter seus argumentos. Mas tiveram quase dois anos para se planejar. É tempo suficiente. Estados e municípios enfrentaram os mesmos desafios e, mal ou bem, os superaram. O episódio nos ensina que, para as autoridades que comandam o país, tudo parece ser mais prioritário do que a educação.
Após furar teto, Bolsonaro propõe mais
despesas
Valor Econômico
Com a volta dos aumentos dos gastos
públicos em anos eleitorais, o teto de gastos se tornará letra morta em pouco
tempo
O presidente Jair Bolsonaro deixou claro,
se ainda houvesse dúvidas, que o Orçamento de 2022 é uma peça desenhada sob
medida para sua tentativa de reeleição. Por dois dias no Oriente Médio,
Bolsonaro elaborou a ideia. Tirou do nada que há dinheiro sobrando se a PEC dos
Precatórios, ou PEC do calote, for aprovada como está, o que, além de tudo, é
duvidoso dadas as reticências do Senado. Depois, disse que seria possível dar
um reajuste para todos os servidores, ainda que menor ao que “todos merecem”.
Tornou-se mais que evidente que o presidente quer ampliar os gastos segundo sua
vontade e que o ministro Paulo Guedes e a base governista que tentem encontrar
novas maneiras de furar o teto de gastos.
Os rompantes de Bolsonaro tumultuam o
ambiente econômico e estão custando caro ao país. Com variados graus de alarme,
os investidores mostraram que as incertezas fiscais são o motor da desconfiança
que embala o dólar cada vez mais para cima, o principal movimento que fez com
que a inflação tenha ultrapassado os dois dígitos. O presidente, no entanto,
não enxerga restrições fiscais e viu uma brecha para gastar com um expediente
rasteiro que empurra despesas que deveriam ser pagas agora para o futuro. Se
for respeitado o teto de gastos, falta dinheiro agora, e não pouco.
Com o inacreditável calote que o governo
quer instituir na Constituição, tornando decisões do Judiciário subordinadas à
vontade do Executivo, abriu-se um espaço de R$ 91,6 bilhões (cálculos do
Ministério da Economia) para despesas que contornam o teto de gastos. Elas
estão mais que comprometidas, porém. O Auxílio Brasil, substituto do Bolsa
Família, que terá pagamento mensal de R$ 400 - número calibrado eleitoralmente
- aos inscritos no programa, deverá consumir cerca de R$ 45 bilhões. O vale-gás
custará R$ 5 bilhões, o pagamento de auxílio aos caminhoneiros outro tanto, e
R$ 24 bilhões serão usados para cobrir o aumento da inflação que incidirá sobre
gastos previdenciários e outros benefícios sociais indexados à inflação.
A rigor, o dinheiro disponível, supondo que
o calote seja aprovado, é de menos de R$ 10 bilhões. Mas a principal razão para
o furo no teto de gastos ainda tem de entrar nessa conta. O Centrão, base de
apoio do governo, pretende colocar R$ 16 bilhões como emendas do relator em
2022 - o pagamento de emendas em 2021 foi em boa hora e por boas razões
fulminadas pelo Supremo Tribunal Federal. A pretensão de mais que dobrar o
fundo eleitoral, de R$ 2 bilhões para pelo menos R$ 5 bilhões, que também
beneficiará, claro, o partido ao qual o presidente se filiar para disputar a
reeleição, também não está incluído na “sobra” dos cálculos de Bolsonaro. E
entra nova despesa, com o reajuste do funcionalismo.
Um aumento de 5%, cogitado quando a lei
orçamentária foi discutida em meados do ano, corresponderia a despesas
adicionais de R$ 15 bilhões. A Instituição Fiscal Independente do Senado tem
números semelhantes - cada ponto percentual de reajuste equivale a dispêndios
de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões. Pode ser mais: algumas categorias ainda
usufruem do privilégio de terem seus salários corrigidos pelos mesmos índices
obtidos pelos funcionários da ativa.
Supondo um reajuste aos servidores de 5%,
faltam mais de R$ 20 bilhões para atender todas as demandas
político-eleitorais, mesmo após o calote de R$ 50 bilhões nos precatórios.
Ninguém entendeu a aritmética de Bolsonaro, nem mesmo os governistas.
Espantado, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, disse que o
presidente precisaria definir prioridades - algo de que Bolsonaro tem sido
incapaz, exceto quando são as suas próprias - porque ao acrescentar novos
gastos será preciso subtrair gastos na rubrica que encolhe ano a ano, a das
despesas discricionárias. “O cobertor está muito curto”, disse ele ontem. “Todo
o esforço que estamos fazendo não é para atender ao reajuste dos servidores”.
Com a volta dos aumentos dos gastos
públicos em anos eleitorais, o teto de gastos se tornará letra morta em pouco
tempo a partir das investidas crescentes do Planalto. As demandas tendem a
aumentar não apenas pelo fisiologismo dos partidos do Centrão, mas também para
tentar inverter a popularidade decrescente de Bolsonaro, um problema que
ativará a “engenharia criativa” do governo para colocar em prática medidas
populistas. O presidente não hesitará em arruinar a economia se isto lhe der
alguma chance de vitória e já começou a seguir esta trilha.
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