quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Sinal verde

Folha de S. Paulo

Alemanha define governo que sucederá Merkel, com desafios de curto e longo prazo

Depois de dois meses de intensas tratativas, o SPD (Partido Social Democrata, na sigla alemã) conseguiu enfim formar o governo que sucederá os 16 anos de comando de Angela Merkel à frente da maior economia da União Europeia.

O novo chanceler, primeiro-ministro na terminologia alemã e austríaca, será mesmo Olaf Scholz, 63, um tecnocrata que ocupava o cargo de ministro das Finanças e era o segundo homem na grande coalizão liderada pela longeva Merkel —que unia seus democratas-cristãos aos sociais-democratas.

Pode parecer continuísmo — e em diversos sentidos será, dado que o transatlântico alemão é de difícil manobra. Mas o governo formado é inédito na história do país.
Une o mais antigo partido alemão, o SPD, aos Verdes e aos liberais do FDP (Partido Democrático Livre).

Pelas cores associadas a cada sigla, é a chamada coalizão semáforo (social-democratas são vermelhos, e liberais, amarelos).

A combinação era lógica. Excluindo a CDU/CSU de um acordo, o SPD escolheu um agrupamento que ganhou 416 cadeiras no Parlamento em setembro, 48 a mais do que a maioria simples da Casa.

Há diferenças históricas entre os liberais e os verdes, mais intervencionistas, a serem administradas. Tradicionalmente, o SPD trafega na centro-esquerda e já governou antes com esses grupos.

Entretanto Scholz se mostra um social-democrata mais rosado do que vermelho, para ficar no cromatismo. Talvez até por isso tenha sido escolhido como candidato a chanceler por sua sigla, liderada por políticos à esquerda.

Terá na dupla que comanda os verdes, Annalena Baerbock (provável ministra das Relações Exteriores) e Robert Habeck (indicado a superministro ambiental), seus braços esquerdos. Já o direito deverá ser o liberal Christian Lindner, cotado para ocupar o cargo atual de Scholz e sinalizar austeridade orçamentária.

Desafios não faltam. O mais imediato é a grande nova onda de Covid-19 que atinge o país, com cobertura vacinal frágil. Mas é no longo prazo que a combinação será testada, a começar pela dicotomia entre ambiente e economia real.

Nas negociações, os partidos prometeram colocar um fim à matriz energética do gás natural até 2040. Isso esbarra na realidade atual, com as necessidades alemãs sendo supridas por Vladimir Putin.

Aí se insere a briga hercúlea em torno do novo gasoduto Nord Stream 2, que está pronto mas enfrenta protelações de Berlim, estimuladas por Washington. O tema está no centro dos boatos alarmistas de uma guerra no Leste Europeu.

A esse balé geopolítico serão adicionados temas como migração e falta de inovação. Scholz ganhou o sinal verde para seu semáforo, mas a estrada está congestionada.

Sujos ditos-cujos

Folha de S. Paulo

Gestão Doria cede ao moralismo tacanho ao retirar campanha de saúde pública

A chamada pauta de costumes se impôs mais uma vez, em prol da doença e do moralismo tacanho. Por ocasião do Novembro Azul, período dedicado à prevenção do câncer de próstata, uma campanha do Instituto Lado a Lado incluiu na pauta sanitária os tumores de pênis e espalhou cartazes com o jocoso lema "Lave o Dito Cujo".

Totens em 15 estações paulistanas incluíam mosaicos de 366 ilustrações fálicas. Foi o quanto bastou para abespinhar o deputado estadual Tenente Nascimento, do partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente (PSL), e levá-lo a apresentar moção de repúdio na Assembleia Legislativa paulista.

Horas depois da investida parlamentar, o governo de João Doria (PSDB) bateu em retirada e determinou a retirada dos cartazes. Alegou-se que a campanha não condiz com as diretrizes do Bandeirantes e que a limpeza correta do membro masculino não tem relação com o câncer de próstata.

Não é bom argumento, porque os dois órgãos estão intimamente relacionados e a saúde do aparelho genital costuma ser negligenciada por homens. Morrem 400 no Brasil a cada ano —umas das maiores incidências de câncer peniano no mundo— e vários sofrem amputações com tumores que poderiam ser evitados com higienização.

Pode-se debater a qualidade estética dos pôsteres, mas soa desumano banir a campanha só porque puritanos se irritam com a representação do falo. E se fossem ilustrações científicas, menos cômicas, acaso deixariam passar?

A mesma disposição censória move quem não admite educação sexual ou imagens didáticas de corpos femininos e masculinos. A sensibilidade religiosa pretende proscrever até inovações arquitetônicas como a oferta de banheiros para pessoas de qualquer gênero em uma unidade do McDonald’s em Bauru, no interior paulista.

Uma cliente indignou-se não com desenhos fálicos que costumam cobrir portas de reservados pelo lado de dentro, mas com bonequinhos do lado de fora a indicar o acesso de qualquer um ao WC. A prefeita bolsonarista da cidade, Suéllen Rosim (Patriota), pressionou, e o estabelecimento voltou atrás.

Devem-se respeitar, por óbvio, valores, crenças e preferências individuais. Descabido, entretanto, é envolver a política pública em disputas ideológicas que desconsideram o interesse coletivo.

Aqui jaz a responsabilidade fiscal

O Estado de S. Paulo

Ao ignorar a exigência legal de fonte de receita para criar uma despesa permanente, governo escancara o desrespeito a pilares macroeconômicos.

De todos os absurdos que o governo de Jair Bolsonaro executou nos últimos anos, chama a atenção em particular a desfaçatez com que regras fiscais consagradas foram rasgadas sem qualquer cerimônia. Com a desculpa de abrir espaço no Orçamento para socorrer a população mais carente, o Executivo apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios para acabar com o teto de gastos e institucionalizar o calote nas dívidas já reconhecidas pela Justiça. Não satisfeito, foi além e decidiu ignorar um dos maiores pilares econômicos do País: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Segundo o parecer do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), relator da PEC, o Auxílio Brasil vai se transformar em uma despesa permanente no Orçamento mesmo sem ter uma fonte de receitas para financiá-lo, algo expressamente proibido pela LRF, que exige compensação para aumento de gastos dessa natureza. Com piso de R$ 400, o benefício vai alcançar 50 milhões de pessoas, quase um quarto da população.

Os recursos que vão irrigar essa política no próximo ano virão do sublimite ao pagamento dos precatórios e do drible no teto, cuja regra de cálculo foi modificada na tentativa de angariar votos para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Para 2022, foi aberta uma “folga” de R$ 106,1 bilhões no Orçamento, dos quais R$ 51,1 bilhões serão destinados ao programa, segundo o Ministério da Economia. A partir de 2023, ninguém sabe como essa conta será paga.

A desculpa oficial é que esse problema é temporário, uma vez que o governo conta com a aprovação da reforma do Imposto de Renda (IR) para obter recursos definitivos para o novo programa. O discurso, reverberado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), é o de que a tributação sobre lucros e dividendos de pessoas jurídicas será a solução para o imbróglio.

Não é o que pensa o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Embora a reforma do IR tenha sido aprovada na Câmara, as chances de o texto avançar neste ano são, no mínimo, remotas e, no ano que vem, praticamente impossíveis. O relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), disse ao Estado que sua prioridade é atualizar a tabela do Imposto de Renda de pessoas físicas – algo que, por sinal, pode ser feito por decreto.

Assim, depois de acabar com o Bolsa Família, um programa consolidado e elogiado por especialistas, o governo prossegue no caminho de destruição de políticas públicas, agora sem nem mesmo ter fonte de recursos para o benefício social que pretende ser uma bandeira da gestão de Jair Bolsonaro. Para isso, defende mais um drible fiscal e a interpretação segundo a qual uma PEC prevalece sobre uma lei.

O texto sugerido por Bezerra Coelho na PEC estabelece que os limites e condições para atender ao Auxílio Brasil serão determinados por lei até 31 de dezembro de 2022. Esse projeto, por sua vez, não precisará cumprir limitações legais quanto à criação ou aperfeiçoamento de programa que acarrete aumento de gastos. Na prática, portanto, o Auxílio Brasil ficará fora do escopo da Lei de Responsabilidade Fiscal. De acordo com o senador, a intenção é cumprir a LRF no que for “aplicável”. A votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado ficou para o dia 30 de novembro.

No mercado, a manobra não surpreendeu. A dúvida que remanesce é até onde irão as aventuras populistas do governo. O resultado é bolsa em queda, juros elevados e real desvalorizado. Não bastasse o erro, o Congresso ainda trabalha para fixá-lo de forma permanente na Constituição.

Em um governo que se diz liberal na economia, a contribuição direta para o descontrole da inflação e do gasto público deveria ser motivo de vergonha. Além de desancorar as expectativas, a PEC dos Precatórios vai retroalimentar uma espiral perversa que deve transformar as dívidas judiciais da União em uma bola de neve para o próximo presidente. É bom lembrar que Dilma Rousseff foi defenestrada da Presidência por ignorar a responsabilidade fiscal com manobras e truques que parecem amadores perto do que o governo atual pretende fazer.

Inflação ameaça o fim de ano feliz

O Estado de S. Paulo.

Preços em alta e juros elevados freiam o consumo, cortam dezenas de bilhões das vendas do varejo e travam a economia

Bilhões de reais em vendas estão sendo perdidos pelo comércio neste último trimestre, normalmente o melhor do ano. A mistura de inflação elevada, juros altos e péssimas condições do mercado de trabalho afeta as condições do consumo. Já empobrecidas e com a renda erodida, mês a mês, pelo acelerado aumento de preços, as famílias se retraem, reconsideram os gastos e adiam os planos de compras. Duas das mais importantes datas para os lojistas, a Black Friday e o Natal, devem proporcionar ganhos muito menores que aqueles previstos no começo do ano, quando o País superava os primeiros efeitos da covid-19. Mas a receita do varejo, nestes meses finais, deve ficar R$ 44,7 bilhões abaixo dos R$ 792 bilhões estimados no início de 2021, segundo estudo realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) a pedido do Estado.

Mesmo causando enormes prejuízos, preços mais altos geram maior arrecadação. Graças a isso o Ministério da Economia exibe contas em melhor estado, pelo menos neste momento. Mas o ganho seria maior e muito mais seguro se fosse baseado em mais produção, mais emprego e mais consumo. No entanto, a realidade, fora dos gabinetes ministeriais e presidenciais, continua sem sinais de prosperidade e sem perspectivas de melhora nos próximos meses.

O desempenho insatisfatório das vendas neste último trimestre deve contaminar a economia no começo de 2022. Quando os meses finais são bons para o varejo, a recomposição de estoques no início do ano seguinte movimenta a indústria. Isso ajuda a sustentar algum dinamismo num período de menor movimento. Esse efeito benéfico pode refletir-se no emprego, com renovação de contratos temporários típicos de fim de ano.

Além de afetar o varejo no trimestre final, as condições da economia poderão impedir ou reduzir desdobramentos positivos no começo de 2022. Todos os principais indicadores são ruins. A inflação em 12 meses passou de 10% e deve continuar nesse nível até o fim do ano. Os mais prejudicados, como sempre, são os consumidores de menor renda, com orçamento apertado e sem espaço para remanejamento de gastos. Sem surpresa, o indicador de confiança medido mensalmente pela Fundação Getulio Vargas (FGV) é tanto mais alto quanto maior a faixa de renda, mesmo quando a evolução geral é negativa.

Em novembro, o Índice de Confiança do Consumidor voltou a cair, recuando 1,4 ponto, depois de ter subido 1 ponto em outubro. Com 74,9 pontos, o menor valor desde abril (72,5), esse indicador ficou 7,1 pontos abaixo do nível de um ano antes, quando o Brasil se recuperava da grande crise de 2020. Em todas as faixas de renda o índice é inferior a 100%, fronteira entre otimismo e pessimismo. De novo, a diferença entre os níveis de confiança refletiu a distância entre as faixas de renda (85,3 pontos na mais alta e 63,1 na mais baixa).

“Apesar do avanço da vacinação, de suas consequências favoráveis na redução de casos e mortes e da flexibilização de medidas restritivas, o aumento da incerteza econômica diante da inflação elevada, da política monetária restritiva e do maior endividamento das famílias de baixa renda torna a situação ainda desconfortável e as perspectivas ainda cheias de ameaças”, comentou a Coordenadora das Sondagens da FGV, Viviane Seda Bittencourt.

Dirigida contra a inflação, essa “política monetária restritiva” consiste essencialmente em aumento de juros e encarecimento do crédito. O efeito imediato é doloroso para a família comum e para o empresário. Com a renda já prejudicada pelas condições de emprego e desgastada pela inflação, o consumidor sofre também os efeitos do crédito caro.

No mercado de trabalho o desemprego é o maior infortúnio, mas a situação dos trabalhadores informais é dramática e também se reflete nas vendas e nas perspectivas do varejo. Os desafios são evidentes e inegáveis, mas nenhuma perspectiva de melhora é oferecida pelo poder federal, empenhado na discussão da PEC dos Precatórios (ou do Calote) e na partilha fisiológica do Orçamento de 2022.

Política fiscal à deriva exige missão impossível do BC

Valor Econômico

O BC perdeu a batalha para uma inflação superlativa, que encerrará o ano acima de 10%

A PEC dos Precatórios consolidou um ambiente em que a política monetária e a política fiscal vão em direção opostas, para prejuízo de ambas, do crescimento e do país. A PEC eliminou a possibilidade de haver algum progresso na redução do déficit primário na gestão de Bolsonaro, que terminará o primeiro mandato com um resultado pior do que o que recebeu (Valor, ontem). A revisão do teto de gastos potencializou as incertezas, ao mostrar que ambições eleitorais do presidente estão acima dos princípios da boa gestão dos recursos públicos. O tranco fiscal complicou a ação do Banco Central, que só tem disponível o aumento dos juros para deter uma inflação pervasiva, elevando o custo da dívida bruta.

A perspectiva da dívida melhorou muito perto das estimativas sombrias decorrentes dos gastos para enfrentar a pandemia. A possibilidade de a dívida bruta encostar em 100% do PIB em um par de anos foi afastada. A projeção de 96,8% do PIB em 2021 deu lugar a outra bem menor, de 81,6% do PIB, embora neste nível esteja mais de 20 pontos percentuais acima da média dos países emergentes.

Houve progressos que estão perto de se perder. Ontem o presidente do BC, Roberto Campos Neto, mensurou os elementos da melhora fiscal. Dentre os aspectos positivos estão a redução do déficit primário e o avanço do PIB. O mais importante fator entre os transitórios foi a contribuição de uma inflação em alta, que eleva a arrecadação. Pelas contas de Campos, a inflação foi responsável por uma queda de 8,1 pontos percentuais da redução de 14,2 pontos na projeção da dívida bruta, ou 57%. O déficit primário, que caiu de 9,44% do PIB em dezembro para 0,63% em setembro, contribuiu com 4,6 pontos percentuais e o maior crescimento da economia, de 3% para 4,8%, com mais 2,1 pontos percentuais.

A vigorosa recuperação das receitas, às vésperas de um ano eleitoral, porém, trouxe pressões políticas insuportáveis sobre o teto de gastos, vindas de todos os cantos, a começar do presidente Jair Bolsonaro, que quer se reeleger, mas perde apoio nas pesquisas. A PEC dos Precatórios é o instrumento no qual a disputa política por recursos encontrou uma nova solução nociva, rompendo o teto. As emendas do relator, distribuídas pelo Centrão, que sustenta o governo, teriam de minguar se os precatórios fossem pagos. Da mesma forma, os R$ 400 do Auxílio Brasil, fruto do cálculo eleitoral do presidente, não teria recursos disponíveis - pelo acordo político que prevê verbas generosas para os partidos governistas, bem entendido.

A PEC, se aprovada, elevará o déficit primário previsto no projeto de lei orçamentária de 2022, de R$ 49,6 bilhões para R$ 143,1 bilhões (Valor, ontem), superior ao de 2018, ano anterior à posse de Bolsonaro, de R$ 120,3 bilhões. O ministro Paulo Guedes, que chegou a dizer que o déficit seria zerado já no primeiro ano do governo, vai entregá-lo maior ao próximo presidente, seja ele quem for.

A PEC liberou incertezas diversas, advindas desde as ameaças institucionais sistemáticas feitas pelo Planalto e da própria solução política para elas (a aliança política com o Centrão), com efeitos persistentes na desvalorização do real. Por esse meio, o avanço do dólar, movimento na contramão dos fundamentos, magnificou um enorme choque de oferta causado pela desestruturação das cadeias produtivas na pandemia.

Nestas circunstâncias, com a defesa fiscal fragilizada, e com o conhecido menor efeito da política monetária contra choques de oferta, o BC perdeu a batalha para uma inflação superlativa, que encerrará o ano acima de 10%. Os estragos são grandes, porque as expectativas, mesmo com o ritmo maior de alta dos juros, não estão mais ancoradas em 2022 e se afastam do centro da meta em 2023 e 2024. Trazer a inflação de volta a 3,5% em um ano é uma proeza inédita se considerados os últimos apertos monetários e exigiria juros cavalares.

É prudente, portanto, dosar esse aperto diante do esfriamento rápido da economia e da possibilidade de recessão em 2022. Boa parte do sucesso do combate à inflação depende de o real se estabilizar ante o dólar, algo difícil de ocorrer em ano de eleições polarizadas, no qual o incumbente despreza as regras da austeridade. Mesmo após alta de 5,75 pontos percentuais na Selic, o dólar se valoriza. Até mesmo o efeito usual dos juros sobre o câmbio parece ter se perdido frente à barafunda política e econômica do governo Bolsonaro. Esse é um argumento a contrapelo para que não se destroce a economia com doses estúpidas de juros.

Operação no Rio expõe grau da letalidade policial no Brasil

O Globo

A operação policial no Salgueiro expõe a alta letalidade das polícias brasileiras

Desde os anos 80, o Rio convive com altos índices de criminalidade, que sobem ou descem menos devido às políticas de segurança e mais em decorrência da guerra entre quadrilhas. Mesmo considerando o histórico de violência e o ambiente tenso, não se pode achar normal a cena de moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, resgatando corpos num manguezal após operação policial.

Sabe-se que o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, do 7º Batalhão da Polícia Militar, foi morto numa emboscada no sábado por traficantes. Em seguida, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a tropa de elite da PM, foi despachado ao local para “estabilizar” a comunidade. De acordo com a PM, houve intenso tiroteio, mas não foram relatadas mortes. Na segunda-feira, moradores recolheram nove corpos no local da operação. Eles acusam os PMs de execução e dizem que os corpos tinham marcas de tortura, denúncias que precisam ser apuradas — o laudo do Instituto Médico-Legal aponta tiros em olho, nas costas e fraturas de crânio.

A operação policial no Salgueiro expõe a alta letalidade das polícias brasileiras. Não se deve achar que é um problema restrito ao Rio. Em outubro, uma ação da PM e da Polícia Rodoviária Federal na zona rural de Varginha, sul de Minas, deixou 26 mortos. Segundo a PM, eram suspeitos de integrar uma quadrilha de assaltos a bancos no interior, impondo terror aos moradores, modalidade criminosa apelidada de “novo cangaço”. Embora a polícia tenha falado em intenso confronto, nenhum policial ficou ferido. O caso está sob investigação. Em maio, uma operação na favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, já deixara 29 mortos, entre eles um PM. Na ocasião, moradores acusaram policiais de execução, denúncias que também são investigadas.

Exemplo de ação letal e desastrada aconteceu em 2018 na cidade de Milagres (CE), durante assalto a agências bancárias. Policiais mataram 14 pessoas, entre elas seis reféns, cinco de uma família. Dezenove PMs respondem por homicídio e fraude processual, por terem alterado a cena do crime.

Tais operações letais, muitas vezes ao arrepio da lei, não contribuem para reduzir a violência. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 6.416 civis morreram no ano passado em decorrência de intervenções policiais, pouco acima do ano anterior. Apesar disso, o número de mortes violentas cresceu 4% entre 2020 e 2021.

É óbvio que as operações policiais são necessárias. Não é segredo que comunidades no Brasil todo foram loteadas por facções criminosas que subjugam moradores. Tudo o que as quadrilhas querem é que ninguém as incomode. Mas o combate precisa seguir a lei. Quanto mais bem planejadas as ações, com uso de inteligência, tecnologia e cooperação entre as forças de segurança, maior a chance de sucesso. É uma ilusão pensar que se combaterá a violência com mais violência. Os persistentes índices de criminalidade no país são prova contundente disso.

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