quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Vera Magalhães - Bolsonaro e Lira inauguram o vale-tudo eleitoral; Senado vai validar?

O Globo

Arthur Lira inaugurou nesta quarta-feira um vale-tudo nunca visto para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição que permite ao governo pedalar para parcelar o pagamento de precatórios e achar um espaço fiscal a fórceps para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400 para 17 milhões de beneficiários.

Não só o texto da PEC traz toda sorte de estripulias legislativas e fiscais, sob o olhar até aqui bastante complacente dos órgãos de controle e do Judiciário.

As manobras empreendidas por Lira para aprovar a PEC que na prática implode o teto de gastos foram bastante além daquelas já tentadas por ele próprio e até por presidentes da Câmara antecessores que eram famosos por cavalos de pau do gênero, como Eduardo Cunha.

A mais escandalosa delas foi permitir que os deputados votassem remotamente, até mesmo do exterior, rasgando uma deliberação da Mesa que obrigava o retorno presencial. O quórum era, desde a semana passada, o maior obstáculo à aprovação da PEC. Em várias bancadas, deputados estavam se ausentando propositalmente, para não ter de chancelar a medida polêmica e ao mesmo tempo não confrontar o governo diretamente.

Na emenda que fez à própria resolução de voto presencial, Lira adendou que deputados em "missão oficial" poderiam votar por aplicativo, conseguindo assim garantir a participação dos 13 parlamentares que estavam na COP26. Assim, conseguiu diminuir o peso da ausência dos "subitamente gripados" no placar.

Mesmo assim o governo só conseguiu uma vitória no olho mecânico, com 4 votos a mais que os 308 necessários para aprovar a aberração fiscal. Na votação preliminar, para decidir sobre a retirada ou não da PEC da pauta, houve 307 votos só com o governo, e ainda assim Lira resolveu prosseguir, já no comando total das operações para garantir a aprovação da medida.

O que explica que o presidente da Câmara vista de vez a camisa de líder do governo, suplantando até os ministros palacianos (que, na prática, já respondem mesmo a ele)? A necessidade de tornar Bolsonaro um fardo eleitoral menos pesado em sua região, o Nordeste, já que é o PP o provável destino partidário do presidente.

E também a expectativa geral de que, agora que o teto de gastos foi arrombado e se abriu um espaço fiscal do tamanho de uma cratera de meteoro, caibam nesse balaio um fundão partidário mais polpudo e mais e mais emendas do relator, aquelas que chegam rapidinho nas bases dos parlamentares.

Talvez esse subtexto não escrito na PEC explique por que deputados da oposição ajudaram a aprovar o projeto mais importante eleitoralmente para Bolsonaro.

A adesão governista nos partidos que têm pré-candidatos à Presidência foi geral. Votaram com Bolsonaro-Lira 15 deputados do PDT de Ciro Gomes e também todo o PSDB aecista, inclusive os 3 deputados tucanos do Rio Grande do Sul do também pré-candidato Eduardo Leite. O Podemos de Sérgio Moro e o PSD de Rodrigo Pacheco também embarcaram no bonde governista.

E agora? Depois de aprovados os destaques e realizada a votação em segundo turno, a PEC que pedala com os precatórios e extingue o teto na prática vai ao Senado, comandado por Rodrigo Pacheco, potencial adversário eleitoral de Bolsonaro.

Ele tem feito restrições à forma encontrada pelo governo para pagar o Auxílio Brasil, e ficaram retidos no Senado projetos que, antes da PEC, poderiam facilitar esse caminho, como a minirreforma do Imposto de Renda.

Resta saber que cálculo Pacheco fará. Se segurar a PEC, forçando o governo a buscar um plano B para pagar o auxílio, mas obrigando-o a honrar as dívidas judiciais, será acusado de agir eleitoralmente e de insensibilidade social com os beneficiários do programa de transferência de renda -- que agora é o único, uma vez que o Bolsa Família acabou oficialmente neste mês.

Caso a PEC passe no Senado, ela provavelmente sofrerá vários questionamentos no TCU e no Supremo Tribunal Federal. Mas existe dúvida sobre se o órgão de contas, que foi tão rigoroso com as pedaladas de Dilma Rousseff, e o STF, que já decidiu que precatórios não podem ser parcelados, pois isso é inconstitucional, se manifestarão a tempo de evitar que o trem da alegria eleitoral de Bolsonaro-Lira comece a distribuir dinheiro que não existe no caixa.

Do ponto de vista do jogo político, o que Lira operou para viabilizar essa benesse eleitoreira mostra que nenhum limite será respeitado daqui até outubro de 2022. Aos adversários de Bolsonaro, ao contribuinte e à democracia só resta apertar os cintos, porque os pilotos que poderiam frear essa aberração sumiram ou estão acelerando, como o presidente da Câmara.

 

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